O Conselho de Redação da RTP exigiu que o primeiro-ministro se retratasse das suas declarações sobre jornalistas que recebem perguntas “sopradas” ao auricular. Os representantes dos jornalistas da emissora pública consideram que Luís Montenegro demonstrou “um profundo desconhecimento sobre o funcionamento técnico dos meios televisivos” e, em comunicado, repreendem-no pelo “desrespeito pela integridade profissional dos jornalistas”.
Na terça-feira, Montenegro aproveitou a conferência “O futuro dos média”, organizada pela Plataforma dos Média Privados, para mandar recados à comunicação social e aos profissionais da imprensa, dizendo aos jornalistas que não estão “a valorizar a própria profissão” e que devem ser mais “tranquilos”, e “não tão ofegantes”. Mas a declaração que motivou críticas de jornalistas, partidos da oposição e meios televisivos surgiu quando o primeiro-ministro disse que o “impressionava” ver jornalistas com “um auricular no qual lhe estão a soprar a pergunta que devem fazer”.
Nas redes sociais e em jornais da RTP, foram transmitidas reportagens e testemunhos de jornalistas a explicar a importância dos auriculares para comunicar com a redação e com a régie. O Conselho de Redação da RTP reiterou que o uso de auriculares é “essencial” para o trabalho de campo num meio televisivo e atacou o que considera ser a falta de conhecimento de Luís Montenegro na matéria.
“É lamentável que o primeiro-ministro, tendo na sua equipa assessores com experiência em televisão, não se tenha informado sobre a função dos auriculares antes de fazer afirmações levianas e desrespeitosas”, disse, pedindo que Montenegro se retrate e reconheça a importância da imprensa “livre e independente”.
O órgão dos jornalistas da RTP comentou ainda que, ao contrário do que apontou o chefe do Governo, é “preferível um jornalismo ‘ofegante’ (...) do que jornalistas amansados pelo poder político para o tentar transformar em mera voz de quem tem o poder institucional”.
Na mesma conferência, o Governo anunciou o Plano de Ação para a Comunicação Social, no qual, entre as 30 medidas anunciadas, está previsto o fim da publicidade das grelhas da RTP até 2027, uma medida que levará a que a RTP deixe de receber 6,6 milhões de euros por ano - e não está em cima da mesa atualizar a contribuição audiovisual (CAV). O ministro dos Assuntos Parlamentares, Pedro Duarte, com a tutela da comunicação, confirmou ainda que o executivo pretende ter um plano de saídas voluntárias da emissora pública, até 250 trabalhadores, para dar lugar a cargos de perfil digital.
Para o Conselho de Redação, o plano apresentado e os cortes nos recursos humanos da RTP causam “profunda preocupação”, pois “desafia a sustentabilidade do serviço público e a produção jornalística”.
“A ausência de alternativas às verbas cortadas gera um clima de incerteza e dificulta a prossecução da missão fundamental da RTP de garantir um jornalismo livre de quaisquer ingerências, financeiramente sustentável e capaz de cumprir o seu papel essencial numa sociedade democrática, tal como defendido pelo primeiro-ministro”, disse o Conselho de Redação. E acrescentou que a “falta de clareza” e a “ausência de um plano que assegure a viabilidade” da RTP “aprofundam as dúvidas e as dificuldades” na imprensa nacional.
Após a chuva de críticas às declarações de Luís Montenegro, incluindo do Sindicato dos Jornalistas, Pedro Duarte esclareceu que o chefe do Governo fê-las “no sentido positivo” e rejeitou “qualquer tipo de intromissão no espaço que é o reduto do jornalismo”.