Muito se tem discutido sobre as tarifas impostas pela nova administração dos EUA. Trata-se de um tema complexo e alvo de desinformação, pelo que importa esclarecer alguns factos para que a opinião pública e os agentes económicos possam compreender melhor o que está em causa.:

As tarifas alfandegárias são impostos pagos pelos importadores ao Estado. Esses custos são depois repercutidos nos consumidores, aumentando a carga fiscal e os preços. Quem exporta não tem de pagar qualquer tarifa.

Alguns blocos económicos planeiam retaliar e usar as receitas arrecadadas para apoiar setores afetados. Por exemplo, a UE pretende reduzir impostos sobre a energia para setores eletro-intensivos. Estas medidas protecionistas recíprocas distorcem o mercado e comprometem, a longo prazo, a inovação e eficiência dos setores protegidos.

Os EUA justificam as tarifas como incentivo à produção nacional. Já existia no Ocidente, incluindo na UE, um movimento gradual de regionalização das cadeias de abastecimento de produtos estratégicos, como semicondutores e matérias-primas críticas. Este processo foi acelerado pela pandemia e pela guerra na Ucrânia, visando maior independência geopolítica, resiliência no fornecimento, e maior sustentabilidade ambiental e social – um movimento percecionado pela Ásia como protecionista. O que distingue a atual guerra comercial é o seu âmbito, a magnitude das tarifas (superiores a 20% em muitos casos) e a rapidez da implementação, dificultando a adaptação das empresas.

Apesar da tendência para a regionalização, as cadeias de abastecimento continuam dispersas geograficamente e fortemente integradas. Por exemplo, nos EUA as montadoras de automóveis importam muitos componentes do México, que também serão taxados. Estas empresas estão ligadas aos seus fornecedores através de conhecimento específico e redes logísticas e tecnológicas desenvolvidos ao longo de décadas.

A relocalização da produção para evitar tarifas enfrenta desafios significativos:

O custo e o tempo necessários para abandonar as cadeias atuais são elevados.

A obtenção de mão de obra qualificada, matérias-primas e conhecimento na nova geografia é difícil.

Mesmo após a mudança, muitas empresas continuarão a ter de importar componentes sujeitos a tarifas, nomeadamente os que requerem mão-de-obra intensiva.

Grandes investimentos exigem estabilidade económica e confiança, algo que, até à data, os mercados financeiros não têm demonstrado em relação às políticas dos EUA. Além disso, tais investimentos ultrapassam o mandato da administração atual, sendo incerta a orientação económica futura.

É possível que alguns dos efeitos pretendidos pelos EUA se possam concretizar a longo prazo. O mercado americano é vasto, as tarifas foram estabelecidas em níveis elevados para gerar impacto e há promessas de redução dos custos de contexto (e.g., energia e restrições ambientais) para tornar os investimentos mais atrativos. No entanto, permanece a incerteza sobre se os benefícios superarão os custos desta política.

Tal como no romance de Aldous Huxley, a evolução deste admirável mundo novo permanece no domínio das profecias.