Desde a eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos, temos assistido a um endurecimento da posição negocial dos EUA face a outros países e blocos económicos, especialmente no que diz respeito às condições de acesso de produtos estrangeiros ao mercado norte-americano.

As justificações apresentadas para essa política incluem preocupações com a segurança da cadeia de valor, o equilíbrio da balança de transações correntes e a proteção da indústria americana, particularmente nos setores do ferro e do alumínio. No entanto, vale lembrar que essa postura protecionista não é exclusiva da administração Trump. Mesmo Joe Biden, numa das suas últimas decisões, bloqueou a aquisição da US Steel pela japonesa Nippon Steel. Além disso, mais recentemente, o argumento da segurança nacional tem sido também utilizado para justificar medidas protecionistas.

O Mito do desequilíbrio da Balança Corrente entre EUA e UE

Antes de discutir a resposta europeia, é importante esclarecer um mito recorrente: o suposto desequilíbrio da Balança corrente entre EUA e Europa. Embora seja verdade que os EUA tenham um défice comercial significativo, sendo a Alemanha um dos maiores exportadores europeus para os EUA, esse défice é amplamente compensado pela balança de serviços, que beneficia claramente os americanos. Além disso, mesmo a balança de rendimentos, embora relativamente equilibrada, tende a favorecer os Estados Unidos. Assim, não se pode afirmar que a relação comercial seja injusta para o lado norte-americano. Pelo contrário, eu diria que os termos de troca acabam por ser mais desfavoráveis para a Europa, já que as importações dos EUA costumam ter um valor acrescentado consideravelmente maior do que aquilo que os europeus exportam para os EUA.

Então qual deveria ser a posição da União Europeia?

A nova administração americana tem aproveitado a sua posição dominante na cadeia de valor de diversos produtos e a reduzida capacidade negocial da Europa para impor termos comerciais mais duros. Esta dinâmica resulta, entre outros fatores históricos e de especialização económica, do facto de os produtos e serviços que a Europa importa dos EUA terem um custo de substituição mais elevado do que aqueles que exporta. Em outras palavras, é mais fácil para os consumidores europeus substituírem um carro da Volkswagen por um Tesla do que prescindirem do Microsoft Office, do Windows ou do macOS.

Diante deste cenário e de uma inversão da posição dos EUA face à Europa, que durava há quase uma centena de anos, quais são as opções que a Europa deve tomar?

  1. Evitar o aumento de tarifas sobre produtos americanos. A retaliação tarifária pode parecer tentadora a curto prazo, mas apenas encareceria as importações, pressionaria a inflação e prejudicaria o já frágil crescimento económico da zona euro. A prosperidade europeia das últimas décadas radica na livre circulação de bens e serviços. Seguir um rumo protecionista só agravaria as tensões e enfraqueceria a competitividade europeia.
  2. Implementar reformas estruturais. O mercado de capitais único europeu, essencial para uma integração financeira plena e para permitir às empresas o acesso a capital em condições mais vantajosas, já deveria ser uma realidade. A discussão sobre Eurobonds e outros instrumentos de partilha de risco deve ser incentivada. A nível de concorrência, a Europa deve ser vista como um mercado único, e não país a país. É fundamental fomentar operações de concentração empresarial em vez de bloqueá-las. Veja-se, por exemplo, a dificuldade que o banco italiano UniCredit está a enfrentar para adquirir o Commerzbank. Juntos, teriam uma capitalização bolsista inferior a 10% dos bancos líderes norte-americanos. O relatório Draghi tem de sair do papel!
  3. Criar uma estrutura de incentivo à inovação. A Europa perdeu o ritmo da inovação desde a revolução da internet e da digitalização, por volta do ano 2000, e não pode continuar a ficar para trás em áreas estratégicas como inteligência artificial, semicondutores, computação quântica ou biotecnologia. Evidentemente, isto não se fará por decreto, sendo necessário acelerar o investimento e criar condições fiscais favoráveis à inovação dentro do espaço europeu. Só assim se reduzirá a dependência dos produtos e serviços americanos essenciais ao funcionamento, produtividade e competitividade das empresas europeias. Para ilustrar este desafio, basta imaginar o que seria uma alternativa europeia ao Android, Windows ou macOS.
  4. Diversificar acordos de livre comércio e parcerias estratégicas. É fundamental reforçar relações com blocos como o Mercosul, ASEAN ou União Africana, além de otimizar acordos já existentes, como o CETA (com o Canadá) e o JEFTA (com o Japão). A Europa deve manter uma relação de cooperação estratégica, mas não de dependência, tanto com os EUA quanto com a China.
  5. Liderar pelo exemplo. A União Europeia deve continuar a afirmar-se como um modelo de comércio livre e previsível, valorizando a criatividade, os direitos laborais e a estabilidade regulamentar. Esta atual deriva protecionista dos EUA pode ser uma oportunidade para atrair investidores que procuram um ambiente mais previsível. No entanto, para que isso aconteça, a Europa deve abandonar a ilusão de que a regulação excessiva é uma vantagem competitiva, como se observa com o AI Act, e construir um sistema financeiro mais robusto e ágil.
  6. Garantir energia competitiva e soberania energética. A competitividade da indústria europeia depende de um fornecimento energético fiável, acessível e seguro. A Europa deve apostar em um mix energético equilibrado, reforçando infraestruturas e desenvolvendo tecnologias limpas, mas sem tabus sobre a exploração de recursos dentro das suas fronteiras. Além disso, deve evitar acelerar a transição energética a um ritmo superior ao que a economia pode suportar. A plena integração europeia no setor energético deve ser uma realidade, sobretudo na rede elétrica e de gás.

A Europa precisa de líderes com visão e coragem, que coloquem o futuro da União Europeia acima de interesses de curto prazo e das pressões da política interna dos seus países. A recuperação da competitividade europeia e da nossa relevância económica não acontece do dia para a noite nem através da imposição de tarifas. A grande questão é: vamos aceitar passivamente que outros decidam por nós ou vamos traçar o nosso próprio caminho? Não podemos continuar divididos, presos a burocracias e ilusões protecionistas, enquanto os EUA e a China moldam as regras do jogo. Precisamos de ambição, inovação e unidade – de retomar a verdadeira essência do projeto europeu. O tempo de esperar já passou. Ou a Europa se fortalece, investe no seu próprio futuro e assume o seu papel no mundo, ou arrisca-se a continuar a ser apenas um peão no tabuleiro das grandes potências.


Hugo Condesa

Economista e Gestor