“Não vou responder ou comentar sobre o que o Presidente [Trump] disse [em Davos]”, clarificou Jerome Powell, presidente da Reserva Federal (Fed), o banco central norte-americano. Powell falava na conferência de imprensa desta quarta-feira, depois do anúncio de uma pausa nos cortes das taxas de juro, e de facto não disse uma palavra sobre a exigência proclamada por Donald Trump no Fórum Económico Mundial para os bancos centrais cortarem “imediatamente” os juros.
O chefe do banco central dos Estados Unidos acrescentou que ainda não foi contactado pelo novo Presidente norte-americano e voltou a sublinhar que a Fed é independente do poder político, ainda que tenha de alinhar algumas das suas políticas internas com as decisões da Casa Branca, como as recentes ordens executivas sobre o fim das políticas de diversidade, igualdade e inclusão a nível federal. Powell confirmou que, independentemente das suas opiniões sobre o assunto, largamente expressas no passado, a ordem será executada. A Fed antecipou-se inclusive à tomada de posse de Trump, saindo da rede internacional dos bancos centrais sobre a “ecologização” (greening) do sistema financeiro.
Fed não mexe nos juros e não está com pressa
Apesar das declarações de Trump em Davos exigindo aos bancos centrais que desçam “imediatamente” os juros, o comité de política monetária norte-americana decidiu esta quarta-feira, por unanimidade, fazer uma pausa em relação aos três cortes de juros seguidos realizados entre setembro e dezembro do ano passado. O intervalo da política monetária foi mantido entre 4,25% e 4,5% e a taxa de remuneração dos excedentes dos bancos depositados no sistema da Reserva Federal continuará em 4,4%. O que contrasta com a taxa do Banco Central Europeu para a remuneração dos depósitos dos bancos, que está em 3%, e poderá ser reduzida em mais 25 pontos-base (um quarto de ponto percentual) na quinta-feira na reunião do conselho presidida por Christine Lagarde.
Jerome Powell manteve a política de comunicação de que a Fed não antecipa decisões futuras, pois a opção por mais cortes de juros ou a manutenção de uma pausa será analisada a cada reunião. No entanto, no mercado de futuros, aponta-se para que a pausa se estenda até à reunião de 18 de junho, onde o intervalo dos juros poderá descer para 4% a 4,25%. Ainda segundo o mercado de futuros, um segundo corte de 25 pontos-base em 2025 só ocorrerá na última reunião do ano a 10 de dezembro.
A potencial pausa prolongada da Fed tem a ver com a posição assumida face à nova Administração de “esperar para ver” que políticas vão ser efetivamente postas em prática. “Não sabemos o que vai acontecer em matéria de taxas alfandegárias, de imigração, de política orçamental e de política de regulação. Vamos observar pacientemente e compreender depois as medidas. Estamos em espera para ver o que acontece”, disse Powell. O chefe da politica monetária acrescentou, ainda, que “não estamos com pressa para ajustar a nossa posição”.
Segundo Powell, a economia dos Estados Unidos está forte, a taxa de desemprego está em 4,1% (historicamente baixa) e a trajetória de desinflação prossegue, ainda que “a inflação permaneça um pouco elevada” (2,6% em termos gerais e 2,8% no que se refere à inflação subjacente, que não conta com as componentes mais voláteis do índice de preços, como a energia e a alimentação). A “incerteza” nomeadamente sobre as políticas protecionistas e os efeitos das deportações de imigrantes justificam, também, a cautela da Fed.
Recorde-se que Trump mandou fazer uma análise à situação do comércio externo dos Estados Unidos apontando para conclusões a 1 de abril. O presidente da Fed sublinhou, no entanto, que a situação é hoje diferente do período da primeira Administração Trump. Em resposta ao “Financial Times”, Powell referiu que “o comércio [externo] mudou muito”. “Agora está mais espalhado. Não está concentrado na China como então. Agora há mais deslocalizações para o México e outros locais”.
Sobre as deportações, Powell confirmou que já ouviu queixas de que está cada vez mais difícil encontrar mão-de-obra por parte de empresários da construção civil e de outros sectores que estão muito dependentes da imigração. Mas acrescentou que “isso ainda não se vê nos dados a nível agregado”.
Powell só termina o seu segundo mandato à frente da Fed em maio de 2026 e, atendendo ao seu comportamento durante a primeira Administração de Trump, deverá manter-se imune às pressões públicas vindas da Casa Branca.
Trump reagiu na sua rede social
O presidente norte-americano não perdeu tempo e reagiu na sua rede Truth Social acusando Powell e a Fed. “A inflação nunca teria sido um problema se a Fed tivesse gasto menos tempo com ideologia de género, energia ‘verde’ e falsas mudanças climáticas”. Acrescentou que o banco central “fez um trabalho terrível na regulação bancária”.
Trump concluiu que iria ele resolver o problema da inflação nos EUA através de medidas como "libertação da produção de energia americana, redução de regulações, reequilíbrio do comércio internacional e reativação da indústria americana".
O presidente da Fed ainda aproveitou a conferência de imprensa para responder a Elon Musk, um dos responsáveis pelo novo organismo Departamento de Eficiência Governamental, que é um conselho consultivo. Musk afirmou, em dezembro, na rede X (ex-Twitter, que ele comprou), que o banco central estava “absurdamente com excesso de pessoal”. Powell não comentou diretamente, mas adiantou que a Fed “gere com muito cuidado o seu processo de orçamento”.
Powell referiu-se ainda ao mercado de criptomoedas sublinhando que era a favor de um “grande quadro de regulação”. Trump já declarou que esse mercado é “um imperativo nacional”. O novo Presidente pretende criar um stock estratégico de criptomoedas e proibir a criação de moedas digitais pelo banco central.
Nota: Atualizado em 30 de janeiro com a reação de Donald Trump à decisão da Fed.