O músico Dino D'Santiago recorreu às redes sociais para criticar a ação policial ocorrida esta quinta-feira na Rua do Benformoso, em Lisboa, e na qual dezenas de imigrantes foram encostados a uma parede e revistados.

O artista, que já várias vezes juntou a sua voz em causas sociais e humanitárias, partilhou uma fotografia, reproduzida numerosas vezes nas últimas 24 horas, que mostra essa mesma ação da PSP, que resultou em duas detenções por posse de arma branca e uma quantidade de droga superior à média despenalizada.

“A cena gravada na Rua do Benformoso não foi apenas um ato de violência contra imigrantes; foi um ato de violência contra a alma de uma nação inteira”, começa por escrever. “Uma nação que há muito se orgulha de ser ponte entre mundos, mas que agora, sem pudor, ergue muros invisíveis contra aqueles que ousam existir à margem do seu conforto”.

“Aqueles corpos encostados à parede não eram criminosos — eram espelhos. Espelhos do medo que carregamos, da nossa hipocrisia, daquilo que nos recusamos a ver: que, por mais que tentemos, não podemos fugir de quem realmente somos”.

Acrescentando que “não é preciso cimento para criar um gueto” e “não é preciso um campo de concentração para desumanizar”, Dino D'Santiago critica ainda “o silêncio de quem observa, a apatia de quem consente, o conformismo de quem acredita que estas coisas só acontecem aos outros”.

“Mas, e quando esses ‘outros’ são os teus? Quando a pele encostada à parede poderia ser a do teu filho, do teu avô, da tua irmã?”, salienta. “A discriminação racial não é apenas um flagelo; é um cancro espiritual que corrói o coração das sociedades. É a mentira que contamos a nós próprios para justificar o nosso privilégio, a nossa ganância, o nosso medo do diferente. E, como todas as cicatrizes mal curadas, infecciona, alastra-se, transforma-se em algo que, inevitavelmente, nos matará a todos".

Para o músico, “no dia 19 de dezembro, Portugal envergonhou-se”. “Não apenas porque falhou com quem chegou até nós com esperança, mas porque falhou a si próprio”, nota. “E um dia, quando as crianças que hoje brincam nos parques crescerem, olharão para nós e perguntarão: ‘Como deixaram isto acontecer?’ O que diremos? Que foi um erro? Que estávamos ocupados demais, distraídos demais, assustados demais para erguer a voz contra a injustiça?”

“Sabemos que nada, absolutamente nada, justifica tal desumanidade. Que não existe crime maior do que negar a alguém a sua humanidade. Que associar imigração a criminalidade é o mesmo que associar liberdade à servidão — uma mentira tão grotesca que deveria ser insuportável até de pronunciar”, conclui.