À semelhança de tantos pratos portugueses, também a “Feijoada de sames” nasceu do aproveitamento das partes menos nobres de um produto. Segundo a Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural, que delimita a zona costeira do concelho da Figueira da Foz como área geográfica de produção, a região estave sempre ligada à pesca do bacalhau e este era um prato de pescadores para aproveitar os restos dos animais, tal como as “Caras de bacalhau fritas”, as línguas ou a “Chora de bacalhau”, uma sopa servida aos pescadores após o trabalho de pescar, escalar e salgar o bacalhau.Na obra “A Nossa Mesa: Receituário Gastronómico da Figueira da Foz”, de Guida Cândido, a investigadora de História da Alimentação escreve que “os pratos que faziam parte da alimentação tradicional dos pescadores que embarcavam longos meses para a pesca do bacalhau na Terra Nova eram preparados com as partes menos nobres e negligenciadas pela indústria bacalhoeira de outros tempos”. Mas, afinal, o que são os sames? Os sames ou samos são as bexigas-natatórias do peixe, localizadas debaixo da espinha dorsal do bacalhau. “Eram extraídos da parte da espinha rejeitada na escala do peixe, sendo depois limpos e salgados pelos ‘cães de bordo’ e ‘moços do convés’”, explica o Centro Interpretativo da História do Bacalhau, localizado em Lisboa, onde pode ficar a conhecer a história da faina local dedicada ao “fiel amigo”, ingrediente e símbolo nacional.
Epopeia da faina maior em Ílhavo
Com a finalidade de “dar a conhecer, em especial aos mais jovens, as ementas feitas à base de bacalhau e dinamizar as várias maneiras de o confecionar, assim como divulgar a história da epopeia da faina maior”, nasceu a Confraria Gastronómica do Bacalhau, constituída como associação desde 1999. Em Ílhavo, considerada Capital do Bacalhau, pode visitar o Aquário de Bacalhaus no Museu Marítimo, dedicado ao bacalhau do Atlântico. Durante o ano, o município organiza diversos eventos gastronómicos onde o “fiel amigo” é protagonista, com destaque para o Festival do Bacalhau. Também desde 2012 a Associação Figueira com Sabor a Mar promove a cidade, a gastronomia local e os pratos típicos em diversos eventos, do Festival do Bacalhau e Derivados ao Festival das Caldeiradas.
Para preparar este prato tradicional, lavam-se os sames e limpam--se das peles escuras. Depois, escaldam-se em água a ferver, passando-os por água fria e cortando-os aos pedacinhos. Num tacho, faz--se um refogado com azeite, cebola, alho e salsa, tudo muito bem picadinho. Depois de aloirado, deita--se vinho branco, tomate pelado, chouriço e os sames. Quando tudo estiver cozido, junta-se o feijão branco até ferver. Tempera-se com sal e piripíri a gosto.
Onde se come a melhor “Feijoada de sames”?
O Peleiro
Com quase cinco décadas de existência e localizado numa antiga fábrica de curtumes, o espaço evoluiu de taberna para restaurante, mantendo na ementa bem composta de receitas tradicionais. Entre elas conta-se a “Feijoada de sames de bacalhau” (€13,50), servida às sextas--feiras ao almoço. Além desta especialidade, destaca-se também o “Cabrito no forno”, as “Bochechas de porco preto”, o “Bacalhau no forno”, as espetadas e a “Sopa da pedra”, esta última disponível diariamente. Aproveite a oportunidade para provar a “Couvada”, uma mistura de couves, pão, alho e azeite, que já ganhou fama e muitos clientes.
Largo do Alvideiro, 5, Paião. Tel. 233940120
Carrossel
Recentemente instalado numa nova morada, o restaurante, de portas abertas desde 1990, pelas mãos do filho de um pescador, mantém na ementa as receitas tradicionais do concelho, sempre ligadas ao mar. A “Feijoada de sames” (€16,50), disponível todos os dias, é uma das especialidades. Outras receitas de aproveitamento com gosto caseiro a bacalhau são os “Samos marisqueiros”, com grão-de-bico, a “Açorda com línguas de bacalhau panadas” e a “Chora de línguas de bacalhau”, de prova vivamente aconselhada.
Praça General Freire de Andrade, 10, Figueira da Foz. Tel. 233431457
O Gafanhoto
Paulo Rocha, proprietário, orgulha-se de servir diariamente “Feijoada de sames” (€17,50) e de o prato fazer também parte de um menu de degustação inteiramente dedicado ao bacalhau. “É uma das nossas especialidades. Eu sou aqui da Gafanha [da Encarnação] e os sames fazem parte da nossa alimentação desde sempre”, afirma. Além dos pratos de bacalhau, que também incluem pataniscas, logo para começar, as especialidades da casa estendem-se à “Sopa de peixe”, à “Cavala marinada”, ao “Ensopado de garoupa” e à famosa “Caldeirada de enguias”.
Rua da Escola, 21, Gafanha da Encarnação. Te l . 234367673
Dona Mena
Fica o aviso: o restaurante de Filomena Grave, de portas abertas desde 2019, só funciona por reserva. A cada dia da semana diferentes propostas são preparadas pela mão certeira da cozinheira. As sextas-feiras são dedicadas aos derivados do bacalhau e no menu, a €20, que inclui “Chora de bacalhau”, prato, sobremesa e café, podem encontrar-se diversos pratos elaborados com o “fiel amigo”, da “Feijoada de sames” às “Caras de bacalhau suadas”, passando pelo “Arroz de feijão com boininhas de bacalhau”, que “também pertence aos sames”, explica, nos pratos principais. Para variar, quinta--feira é dia de “Cozido no pão”, uma receita em que se recheia o pão com carnes e legumes. Todas as propostas da ementa se baseiam na tradição e oferecem o conforto de uma cozinha caseira, elaborada no momento e garantia de uma refeição memorável.
Rua Nossa Senhora do Alívio, 36-40, Vale de Ílhavo. Tel. 234325972
Um guia para provar tradições de Portugal
Do minhoto “Arroz de sarrabulho de Ponte de Lima”, ao transmontano “Butelo com casulas”, da outrora pobre “Feijoada de sames”, ao cosmopolita “Bacalhau à Brás”, dos raros “Molhinhos de Carneiro com grão”, à serrana “Galinha cerejada”, passando pela tradicional “Espetada regional com milho frito” ou pelas festivas “Sopas do Espírito Santo”, a cozinha tradicional está repleta de truques, segredos, histórias para descobrir no novo guia essencial “Restaurantes, Pratos e Produtos Regionais”.
Dividido pelas sete regiões de turismo – Porto e Norte, Centro, Lisboa, Alentejo e Ribatejo, Algarve, Açores e Madeira, o novo guia “Restaurantes, Pratos e Produtos Regionais”, com a chancela Boa Cama Boa Mesa e apoio do Recheio, está disponível desde de 8 de novembro (€15,90) em banca e/ou online AQUI (com desconto e oferta de portes para assinantes do Expresso).
Ao longo de 260 páginas, dedicadas aos mais típicos sabores locais, revelam-se histórias e curiosidades que dão forma a estas receitas. Cada prato, uma história, por vezes com várias versões, para descobrir pela voz de quem lhe conhece os segredos e pela mão dos guardiões da tradição: os melhores restaurantes tradicionais, que preservam um legado passado de geração em geração.
Sugerem-se cerca de 250 espaços para visitar, sentar-se à mesa e comprovar a autenticidade dos sabores regionais, partir à descoberta dos produtos locais ou “pôr a mão na massa”, em experiências que envolvem gastronomia e vinhos.