Quando António da Silva, popularmente conhecido como Chef Silva, atravessou a porta principal do Hotel Britania, em 2009, a convite de um dos proprietários, Luis Alves de Sousa, emocionou-se. Afinal, estava habituado a usar a entrada de serviço que conduzia ao restaurante Império, célebre em Lisboa pela alta gastronomia, onde o chef iniciou carreira em 1954 e trabalhou vários anos, aprendendo com mestres da época, como Manuel Ferreira, autor do livro A Cozinha Ideal, Joaquim Sousa Pereira ou Manuel Afonso, grandes referências da gastronomia portuguesa de então.
O restaurante Império, do Hotel Império, aberto a 13 de outubro de 1944, marcou as décadas de 40 e 50 da gastronomia da capital. Era neste salão, entre louças Vista Alegre, copos de cristal e talheres em alpaca, que se realizavam regularmente os jantares da Sociedade Portuguesa de Gastronomia, fundada em Lisboa em 1933 por António Maria de Oliveira Bello, um dos maiores gastrónomos portugueses, responsável por uma exaustiva recolha do receituário tradicional português. O salão acolhia os mais diversos amantes da alta gastronomia.
As convulsões da revolução trouxeram mudanças ao hotel e ao restaurante Império, então considerado a par do Avis, um dos melhores da capital. O restaurante fechou e o hotel, adquirido por Luis Alves de Sousa em 1974, passou a chamar-se Britania, nome que conserva, a par da estética modernista que o tornou marcante desde o primeiro momento.
Art Déco, estética modernista e alojamento inédito
Coube ao arquiteto Cassiano Branco, um dos expoentes do modernismo em Portugal, distinto pela visão inovadora e vanguardista, traçar este hotel de desenho ainda hoje marcante. Exemplar da arquitetura modernista – que adota linhas limpas, formas geométricas e uma estética funcional – conjuga-a neste espaço com elementos do movimento Art Déco, que enfatiza a ornamentação estilizada, materiais nobres e motivos geométricos. No Hotel Britania, esta fusão é evidente na elegância dos interiores, onde materiais como o mármore e o vidro opalino convivem harmoniosamente com móveis de linhas depuradas da conceituada fábrica portuense de móveis Costa e lustres de bronze.
Outro traço distintivo do hotel eram as unidades de alojamento – que se mantém com a mesma estrutura – pequenos apartamentos com antecâmara, saleta, quarto e casa de banho privada, uma estrutura inédita em Portugal à época. Todos os quartos dispunham de telefone, telefonia e máquina de escrever. Os objetos e mobiliário podem ser atualmente observados por todo o hotel, inclusive as loiças, talheres e equipamentos do antigo restaurante Império, bem como a antiga barbearia, um recanto onde se guardam a cadeira antiga mas também outros artefactos, lado a lado com fotografias de ilustres visitantes.
Poesia, tertúlia e o homem que veio do espaço
O conjunto agradou a muitos visitantes que fizeram deste espaço casa, salão de festas mas também local de jogo clandestino: “ficaram célebres os campeonatos de bridge e as ceias faustosas servidas nos terraços do hotel, onde se viam documentários sobre a Guerra [o hotel foi inaugurado durante a II Guerra Mundial], se dançava e jogava clandestinamente à roleta até de madrugada”, pode ler-se numa compilação de “Memórias de um hotel singular”, onde se nota a presença de Omar Shariff, amante de bridge, numa destas noites de jogo.
Também o frequentaram por influência de uma figura marcante que tornou o edifício sala de visitas própria e espaço de lazer e cultura: Natália Correia. Esposa do proprietário do então hotel Império, Alfredo Machado, a marcante poetisa, escritora e mais tarde deputada fez dos salões do hotel palco de tertúlias, jantares, noites de festa e salão cultural. Além do seu favorito – o quarto 13, onde escrevia – aqui se encontrava com amigos como Sophia de Mello Breyner, Francisco de Sousa Tavares, David Mourão-Ferreira, Fernando Dacosta ou Almada Negreiros.
Mais tarde, em 1974, com diversos jornais e gráficas a habitarem na mesma rua do hotel, o Bar do Britania tornou-se ponto de encontro para jornalistas e escritores. Assis Pacheco, Baptista-Bastos, José Cardoso Pires, Clara Ferreira Alves ou Joaquim Letria era “habitués” do Bar do Britânia.
A cultura continua presente no hotel, com uma pequena biblioteca disponível para consulta dos hóspedes e também a homenagem a diversas figuras ilustres que aqui ficaram hospedadas, relembradas no sexto e último piso do edifício. No quarto 13 é relembrada Natália Correia enquanto no Quarto 24 se assinala a passagem pelo Britania de Vinícius de Moraes, Chico Buarque ou Alexandre O’Neill.
Por vários espaços se assinalam hóspedes marcantes. No bar encontra uma fotografia da atriz, cantora, dançarina e apresentadora de televisão espanhola Carmen Sevilla, considerada, nos anos 50, uma das mais belas mulheres do mundo – diz-se que recebia diariamente, de Frank Sinatra, um ramo de rosas-vermelhas. A artista é homenageada no Quarto 44. Junto às escadas, uma fotografia autografada assinala outra passagem marcante: a de Mikhail Kornienko, astronauta russo que passou 340 dias seguidos no espaço.
Conforto, requinte e charme intemporal
Com 33 quartos (desde €125) decorados preservando a estética Art Déco aliada a tons suaves e materiais nobres, preservados por sucessivas obras de restauro e recuperação, os alojamentos do Hotel Britania oferecem detalhes de época, como as casas de banho de mármore, mas também conforto contemporâneo nas camas king size e nos lençóis de algodão egípcio. No topo do edifício situa-se a espaçosa Suíte dos Escritores que homenageia figuras da cultura com ligação ao histórico hotel. Garagem, bar de ambiente intimista e decoração vintage e sala de leitura complementam a oferta.
A dois passos da Avenida da Liberdade, o Hotel Britania Art Déco (Rua Rodrigues Sampaio, 17, Lisboa. Tel. 213155016) integra o grupo Hotéis Heritage Lisboa, com cinco unidades hoteleiras, todas localizadas no centro de Lisboa: As Janelas Verdes, Heritage Avenida Liberdade Hotel, Hotel Britania Art Deco, Hotel Lisboa Plaza e Solar do Castelo.