À semelhança de muitas receitas, “os ‘Molhinhos de carneiro’ apareceram por necessidade. As mulheres cozinhavam o que era mais barato, como as leguminosas, para alimentar a família toda”, destaca Joaquim Ferreira, da Confraria Gastronómica do Ribatejo. Já António Cruz Marques, de 88 anos, lembra-se dos tempos de menino, quando se transacionavam borregos e carneiros no mercado do gado, em Santarém. “Vinham aqui muitos talhantes da zona de Lisboa, porque, tirando a Malveira, só havia este mercado, para onde vinha muito gado de Aveiro”, recorda o Provedor da Confraria Gastronómica do Ribatejo.

Naquela época, os molhinhos “eram muito bem lavados nas águas frias do rio”, informa. Também José Cardana, cozinheiro e representante da Associação Progresso e Recreio Secorio, em Moçarria, freguesia de Santarém, vinca: “Antigamente punha-se cal e lavava-se em água corrente.” Tripas e bucho eram limpos do direito e do avesso e fervidos em água. “As tripas eram cortadas, enroladas e apertadas com um cordel, ou atavam os rolos com a própria tripa, dando o nó, e não eram recheados”, explica Joaquim Ferreira.

Molhinhos de carneiro com grão
Molhinhos de carneiro com grão Expresso

Atualmente os “molhinhos” são comprados em forma de rolo nos talhos da região. “É a primeira coisa que desaparece, porque há muita procura”, garante Joaquim Ferreira. Para além das cozinheiras, domésticas e profissionais, os confrades da Confraria Gastronómica do Ribatejo cozinham com rigor este petisco, que é servido à mesa de reuniões com os pares neste ofício de divulgar a gastronomia ribatejana. Depois de lavados, são fervidos em água com sal, alho e limão. Condimentos como cebola, pimento, alho, louro e tomate vão a refogar no tacho onde são cozinhados os “Molhinhos de carneiro”, na receita de José Cardana. Acrescenta-se o caldo - a água coada onde ferveu a matéria-prima – e cozinha por mais alguns minutos. “Há quem ponha rodelas de cenoura e um bocadinho de chouriço”, assinala. O grão “é colocado de molho de um dia para o outro” e fervido até atingir o ponto de cozedura al dente. Só vai para o tacho depois de se retirarem os molhinhos já prontos. Quando estiverem cozidos, junta-se tudo e deixa-se apurar.

Antigamente, quem vivia no campo aproveitava as partes menos nobres dos animais, como as vísceras. Bucho e tripas constituem os “Molhinhos de carneiro”. Já “a forma de molhinho faz lembrar os molhos das vides das cepas, que outrora eram feitos na altura da poda e serviam para acender as lareiras das casas das famílias mais pobres”, descreve Sérgio Rodrigues, do restaurante Tertúlia da Quinta, em Almeirim.

Tertúlia da Quinta
Tertúlia da Quinta Marco Espírito Santo

Onde se comem os melhores “Molhinhos de carneiro com grão”?

Tertúlia da Quinta
Os “Molhindos de carneiro” constam na ementa desde 2005, ano de abertura do espaço. São comprados no mesmo talho de Almeirim desde sempre, lavados com água e limão e cozem, entre 35 e 40 minutos em limão, alho, cebola, cabeça de cravinho, louro e hortelã, “para que fiquem macios e não demasiado cozinhados”, afirma Sérgio Rodrigues. Enquanto coze o grão, faz-se o refogado para os “Molhinhos”, com chouriço de Almeirim e vinho branco como ingredientes “secretos”. Depois de apurados, são finalizados com piripíri, orégãos e hortelã fresca. É também célebre pela “Sopa da pedra”. Largo da Praça de Touros, 37-A, Almeirim. Tel. 243593008

Associação Progresso e Recreio Secorio
O gosto pela cozinha perde-se nos anos que tem José Cardana, cozinheiro de mão-cheia e o rosto desta associação, localizada a cerca de km de Santarém e onde a cozinha tradicional é levada a sério. Da ementa, os típicos “Molhinhos de carneiro com grão” são um dos petiscos a considerar, embora com um requisito: é “preciso ter bom vinho para acompanhar”. O anfitrião recomenda um tinto, servido a 14 graus, para harmonizar com este prato ribatejano de sabores fortes.
Rua da Escola, 66, Moçarria. Tel. 917963210

Flor do Ribatejo
Água e limão são o suficiente para iniciar a preparação do prato “Molhinhos de carneiro com grão” (€9) pelas mãos de Francisca Abreu. Findas três horas, são colocados no refogado, ao qual a cozinheira e proprietária deste espaço junta caldo de várias carnes, finalizando com picante e um molho de hortelã fresca. No prato são servidos o molho, os molhinhos e o grão, e retifica-se a quantidade de hortelã. Também tradicional, a “Mão de vaca com grão” é outra das especialidades a experimentar. Praceta Augusto Brás Ruivo, 4, Santarém. Tel. 243329102

Café & Restaurante O Calhambeque
Abelina Neves, coproprietária e cozinheira, determinou que, em semanas alternadas, o prato do dia de sexta-feira é “Molhinhos de carneiro” (€10). Coze entre 60 e 80 de uma vez, durante duas horas. Para os tornar mais saborosos, adiciona cerveja e cenoura cortada às rodelas. Podem acompanhar com grão, preferência da anfitriã, mas também com feijão, “que torna o prato mais macio”. “No fim, junto os coentros.”
Mercado Municipal de Alpiarça, Rua Alves Gomes, loja 23, Alpiarça. Tel. 243108696

Restaurante Terra Chã
Restaurante Terra Chã Expresso

Restaurante Terra Chã
Com a chegada dos dias frios, este restaurante inclui os “Molhinhos de carneiro”, aqui designados “Molhinhos de coentrada” (€7,60), na ementa. São comprados num talho da Benedita e cozidos em água com limão inteiro. “O molho de coentrada é feito à parte, com caldo de carne caseira”, destaca o chef João Santos. Assim que atinge o ponto certo, adicionam-se os molhinhos, que aqui permanecem entre 10 e 15 minutos. O prato é acompanhado por tostas feitas a partir de pão de Rio Maior. Tenha ainda conta os “Molhinhos de cordeiro”, prato de outono, o “Cabrito serrano assado no forno” e as receitas de porco malhado de Alcobaça.
Largo do Centro Cultural de Chãos, Alcobertas.Tel. 937882646

Taberna do Quinzena
“Já no tempo dos meus avós era servido como petisco”, revela Fernando Batista, o proprietário. Hoje, os “Molhinhos com grão” (€12,50) “são preparados num talho de confiança, em Santarém, de acordo com as nossas indicações”. Na cozinha requerem “o tempo certo, de forma a apurar todos os sabores”, garante. O grão, “previamente cozido, é adicionado na fase final”, aquando da junção dos coentros. Dos clássicos, considere o “Magusto com bacalhau assado”.
Rua Pedro de Santarém, 93-95, Santarém. Tel. 243322804

Tasca do Carril
João Rodrigues é o rosto do restaurante, já que faz as honras da casa para receber os clientes. A Célia Rodrigues cabe o ofício de cozinheira, certeira na hora de preparar os “Molhinhos de carneiro” (€3), estufados e cheios de sabor, à boa maneira antiga. Apresenta-os como petisco simples ou fazendo-se acompanhar de feijão branco ou grão, batata frita ou cozida, “mas só se pedirem”, adverte a cozinheira., sem abandonar os tachos e as panelas. Mediante encomenda prévia, é preparado como prato principal. Registe-se que ao domingo na ementa há “Borrego à moda de Alpiarça” . Rua João de Sousa Falcão, Parque de Merendas, Alpiarça. Tel. 968276583

Guia Boa Cama Boa Mesa:
Guia Boa Cama Boa Mesa: Expresso

Do minhoto “Arroz de sarrabulho de Ponte de Lima”, ao transmontano “Butelo com casulas”, da outrora pobre “Feijoada de sames”, ao cosmopolita “Bacalhau à Brás”, dos raros “Molhinhos de Carneiro com grão”, à serrana “Galinha cerejada”, passando pela tradicional “Espetada regional com milho frito” ou pelas festivas “Sopas do Espírito Santo”, a cozinha tradicional está repleta de truques, segredos, histórias para descobrir no novo guia essencial “Restaurantes, Pratos e Produtos Regionais”.

Dividido pelas sete regiões de turismo – Porto e Norte, Centro, Lisboa, Alentejo e Ribatejo, Algarve, Açores e Madeira, o novo guia “Restaurantes, Pratos e Produtos Regionais”, com a chancela Boa Cama Boa Mesa e apoio do Recheio, está à venda a partir de 8 de novembro (€15,90) em banca e/ou online AQUI (com desconto e oferta de portes para assinantes do Expresso).

Ao longo de 260 páginas, dedicadas aos mais típicos sabores locais, revelam-se histórias e curiosidades que dão forma a estas receitas. Cada prato, uma história, por vezes com várias versões, para descobrir pela voz de quem lhe conhece os segredos e pela mão dos guardiões da tradição: os melhores restaurantes tradicionais, que preservam um legado passado de geração em geração.

Sugerem-se cerca de 250 espaços para visitar, sentar-se à mesa e comprovar a autenticidade dos sabores regionais, partir à descoberta dos produtos locais ou “pôr a mão na massa”, em experiências que envolvem gastronomia e vinhos.

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