
Vila de Frades, considerada a “capital” do Vinho da Talha, fica situada no coração do Alentejo. Tem localização privilegiada entre Évora e Beja, no concelho de Vidigueira. Os romanos produziam vinhos de talha por aqui e dessa memória fazem prova as ruínas da Vila Romana de São Cucufate. Mais de dois mil anos depois, esta produção vínica ganhou novo fôlego, assim como as tabernas, aqui chamadas de “catedrais”.
Com as grande ânforas de barro a voltarem a ser encaradas como tesouros para produzir vinhos, melhoraram-se os processos e os rituais, entre os quais a abertura das talhas e a prova dos vinhos novos, sempre motivo de grande festa. Mas neste Alentejo autêntico, o vinho de talha não tem data de calendário para a celebração, antes é razão para visita ao longo de todo o ano, seguindo o roteiro de Adegas de Vinho de Talha.
A melhor forma de provar é servido em copos de três, em amena cavaqueira e convívio, junto ao balcão, ou, por vezes, à mesa, entre petiscos. E eis que surge o ímpeto de cantar a vida como tão bem sabe o povo. Afugentam-se as tristezas, juntam-se as vozes e, por momentos, percebe-se como é grande o Alentejo e o “seu” Cante, classificado pela UNESCO, como Património Cultural Imaterial da Humanidade.
A nova Taberna do Enteiriço
João Enteiriço e Teresa Caeiro são as caras da recém-inaugurada Taberna do Enteiriço (Rua do Espírito Santo, 16, Vila de Frades. Tel. 961667028), situada no coração de Vila de Frades, com consultoria gastronómica de João Mourato, chef residente do restaurante da Quinta do Quetzal.
“A Taberna do Enteiriço nasce da alma do Alentejo”, diz João Enteiriço. é uma casa de família, “onde petiscar e descobrir o vinho de talha de produtores locais ou aventurar-se em rótulos mais exclusivos”. O conceito é o de “uma taberna alentejana com um ligeiro toque contemporâneo, com pratos de base cozinha tradicional como o cozido de grão, cabidela de galinha, javali estufado, migas e iscas de bacalhau”, conta João Mourato. As pataniscas de bacalhau, pica-pau de vitela, sandes de bochechas foram um sucesso desde o primeiro dia, mas mais recentemente o cação frito com toucinho e arjamolho conquista os palatos. “O cação é um peixe muito amado no Alentejo e frito é um petisco daqueles com a gordura do toucinho e a frescura do arjamolho”. O ambiente é íntimo, bastante descontraído, e tem a componente musical muito presente. João Enteiriço adora música e colocou uma guitarra à disposição dos mais destemidos nessa arte. “Quando menos esperamos, chegam-se à frente, começam a tocar com a sala toda a cantar, sem esquecer, claro, o Cante alentejano que está presente quase todos os dias ao balcão, pelos locais, ou até em dias próprios pelos mais profissionais”, relata o chef.
Teresa é neta de Arlindo Maria Ruivo que herdou do sogro uma adega de talha e dedicou a vida à produção do vinho à moda dos romanos. Filhos e netos seguiram-lhe as pisadas, honraram o conhecimento milenar passado de geração em geração e assim nasceu o projeto Gerações da Talha, que promove o processo de vinificação em talhas de barro e oferece programas para dar a conhecer este legado, incluindo passeios de jipe, visita às ruínas de São Cucufate, ao Telheiro, onde está a olaria onde se fabricam as talhas, e à adega Geração da Talha (Rua de Lisboa, 29 A, Vila de Frades. Tel. 967566930), datada do século XVIII, com provas e petiscos.
Taberna Zé Galante
José Galante, da Adega de Talha e Taberna Zé Galante de Vila de Frades, sabe da confeção meticulosa de petiscos alentejanos e do processo ancestral de produção deste vinho. Antigo inspetor da Polícia Judiciária, decidiu dedicar-se à "paixão de sempre: a produção do vinho da talha em Vila de Frades, terra onde o avô já fazia vinho em finais do século XIX e ainda tinha algumas talhas de barro, na velha adega da casa de família”. Cresceu no seio da produção de vinho da talha e apesar do pai ter interrompido a atividade, Zé Galante sempre sonhou, um dia, fazer o próprio vinho. Meteu "mãos-à-obra" e fê-lo conforme os métodos dos romanos há cerca de dois mil anos. Atualmente produz cerca de 6 mil litros anuais, entre branco, tinto e palhete, conhecido em Vila de Frades como "petroleiro" em virtude de apresentar uma cor rosada. Comprou mais talhas e diz ter “as talhas mais antigas”, marcadas com a data de conceção no próprio barro, “uma de 1610 e outra de 1611”.
“Entre tarecos, vasilhas de vinho de pequena dimensão, assim como potes, de média dimensão, e as talhas propriamente ditas, de grande dimensão, são à volta de 30”, conta. Quanto aos petiscos, provam-se na Taberna por encomenda, muitos dos quais raridades, usualmente integrados numa prova de petiscos de preço fixo que tem ao dispor na Taberna Zé Galante (Rua das Portas de Évora, 1, Vila de Frades. Tel. 969491349). A refeição é muitas vezes animada por música ao vivo. Além do espaço interior, decorado de forma típica e pitoresca, a taberna dispõe de um pátio exterior amplo e um balcão, espaços especialmente convidativos quando as temperaturas são mais amenas. Em homenagem à avó, José Galante tem localizado ao lado da adega, um alojamento local, a que chamou de “D. Teresinha”.
Taberna Casimiro
Nesta taberna, Alexandra Vidinha é quem trata dos petiscos como a dobrada, moelas estufadas, cozido de grão, uma variedade que aumenta e abunda sobretudo ao fim de semana. Manuel Jorge Vidinha, o marido, gosta muito da área da hotelaria e restauração, e dá uma mão na confeção dos petiscos. Alexandra diz que “ele ajuda muito”. Abriram a Taberna Casimiro (Rua André Martins, Vila de Frades Tel. 967479185) em dezembro de 2024, mas não ficaram com a adega de talhas que antes lhe pertencia e continua de portas fechadas. Todavia, o vinho que serve aqui nos copinhos é de talha e de Vila de Frades. Além das comidas de tacho, na Taberna Casimiro tem sempre tábuas de queijos e chouriços, “tudo da zona”, reforça a proprietária, assim como bifanas e sandes. Claro que se juntam à tradicional prova do vinho novo de talha pelo São Martinho, “nunca falham”, conta Alexandra Vidinha.
Há já 18 anos que estava afastada da restauração e resolveu fazer o gosto ao marido, sendo agora os taberneiros anfitriões nesta morada de convívio em Vila de Frades, onde se juntam “Farrapeiros”, nome dado aos habitantes, mas também outros de outros pontos da região que apreciam um copo de vinho de talha e uma boa conversa ao final do dia.
Taberna do Sérgio
Sérgio Mamede sabe que a casa onde está instalada a taberna, com tetos abobados e pé alto bem elevado, “é muito antiga”, mas não faz ideia da data em que se tornou taberna. Só conheceu o anterior proprietário, António Francisco. A Taberna do Sérgio (Rua da Porta de Évora, Vila de Frades. Tel. 964715631) não serve petiscos porque nesta casa permanece o velho hábito alentejano de trazer um conduto para partilhar, seja um queijinho, um salgado, um pedaço de linguiça, que também se assa às vezes por ali. “A malta traz de casa o petisco, à antiga, e aqui não se pode cozinhar”. Na realidade este era um hábito profundamente imbuído nas gentes que ao fim do dia se encontravam na taberna e levavam o pouco que tinham para partilhar. Sérgio Mamede ainda se lembra de quando os trabalhadores do campo tinham direito a uma “labiza”, “uma latinha de vinho que era parte do pagamento ao fim do dia”. Apurou o crítico de vinhos, João Paulo Martins, junto de Francisco Casaca, figura de Vila de Frades que sabe tudo sobre estas tradições, que “no regresso do campo, ao fim da tarde, na adega do patrão, se bebia o “vinho do trabalho” e que, geralmente, cada homem bebia duas labizas”. “Quando havia trabalhos especiais, o patrão mandava o “manajeiro” servir mais um copinho a todas as pessoas, portanto, o volume de vinho de talha servia para balizar a importância do trabalho agrícola”. E lembrou que “um dos melhores petiscozinhos eram rãs com molho de tomate”, “azeitoninhas”, “toucinho da salgadeira, batata cozida com a pele e sal e rábano, que ia muito bem com o branquinho” e “em dias especiais havia carne de porco frita”.
O taberneiro Sérgio Mamede tem duas vinhas, uma em Vila de Frades, de onde colhe as uvas para o vinho branco e, outra vinha de uvas tintas situada nas redondezas, ambos os tipos de vinhos são produzidos em talhas e podem ser provados nesta taberna que nos faz viajar até outros tempos.
País das Uvas/Cella Vinaria Antiqua
O nome é inspirado numa obra de Fialho de Almeida, nascido em Vila de Frades em 1857. O escritor chamava precisamente “País das Uvas” a esta região onde quase todos os campos estavam preenchidos com vinhas. António Honrado e a mulher, Jacinta Belbute Penas, estão há mais de vinte anos à frente daquele que se tornou um projeto que junta várias valências. À taberna típica juntaram uma sala de talhas onde se conta a história do vinho de talha e se fazem provas, a Cella Vinária Antiqua, criaram a marca de vinho de talha engarrafado, “Honrado”, que inclui vinho branco, tinto e palhete, e, por último, a destilaria, com aguardente bagaceira, aguardente vínica de talha e abafado, além do medronho fermentado em potes de barro. Honrado tem uma plantação de dez hectares de medronho, que fermenta em potes de barro.
O País das Uvas (Rua General Humberto Delgado, 17, Vila de Frades. Tel. 284441023) é também restaurante que serve silarcas e espargos com ovos, cozido de grão, ensopado de borrego, açorda alentejana de alho, cabeça de borrego assada em forno de lenha, feijão com tengarrinhas e sopas de tomate. O lugar mantém o traço original da arquitetura e fica situado numa rua em que proliferavam as adegas já no século XIX.
Adega Zabele
O edifício onde hoje repousam os vinhos de António Zambujo data de 1879 e era adega de vinho de talha. Desde 2023 que reabriu, restaurado, mas são barricas de carvalho francês que se podem admirar e que guardam os vinhos selecionados na região pelo enólogo Luís Leão, amigo de longa data do cantor e parceiro no projeto da Adega Zabele (Rua de Santo António, 1A, Vila de Frades. Tel. 967872217) com outro amigo de infância, João Baião. A Adega da Zabele tem como pilar a marca de Vinhos António Zambujo, mas possibilita a prova de outros vinhos da região, nomeadamente da Herdade do Rocim, Herdade Grande, Quinta do Paral, Adega Vidigueira, Ribafreixo, assim como de alguns enchidos e petiscos em conserva, entre os quais os do chef José Júlio Vintém.
A adega é palco de uma agenda de concertos intimistas, usualmente acompanhados por um jantar bem regado. António Zambujo convida várias figuras do panorama musical português, mas também reúne outras expressões de arte para além da música como desenho e pintura na Adega Zabele. A coleção de vinhos António Zambujo começa com uma primeira trilogia. Todas as edições contam a história discográfica do cantor. A primeira trilogia corresponde ao terceiro, quarto e quinto álbuns editados (Outro Sentido, Guia e Quinto). Foram feitos 1000 packs de três garrafas cada, onde cada marca tem uma casta ou um blend diferente e todos estagiaram 18 meses em barricas de carvalho francês.
Taberna dos Arcos
É um espaço enoturístico, integrado na estrutura de Enoturismo da Adega Cooperativa de Vidigueira, Cuba e Alvito, localizada em Vila de Frades. O nome do lugar deve-se arquitetura que compõe o espaço, com os arcos a sobressair nesta que é uma das tabernas mais antigas da “capital do vinho da talha”. São numerosas as pequenas referências a tradições milenares, entre as quais as velhas talhas de barro, uma das quais datada de 1656.
A Taberna dos Arcos (Rua Mestre Conceição Silva, Vila de Frades. Tel. 214433374) tem também um poço que em tempos servia para manter os vinhos frescos todo o ano e alguns materiais museológicos referentes à produção de vinho com esta técnica milenar. É possível saborear alguns petiscos regionais acompanhados de vinho de talha proveniente de uvas de vinhas velhas. Esta Taberna funciona somente durante o período em que o vinho novo pode ser consumido, ou seja, de novembro a janeiro. Ao longo de todo o ano é possível visitar o espaço mediante marcação.