Os bons hábitos repetem-se e, dos Países Baixos, chegam uma vez mais ótimas notícias para o cinema português no próximo ano. O 54º. Festival de Roterdão, que por tradição inaugura a época dos maiores festivais de cinema internacionais, anunciou esta terça-feira que o novo filme de Sandro Aguilar, “Primeira Pessoa do Plural”, integra a Competição Tiger, a mais prestigiada do certame. Esta coprodução entre a portuguesa O Som e a Fúria e a La Sarraz Pictures (Itália) é protagonizada por Isabel Abreu, Albano Jerónimo, Carla Maciel, Cláudio da Silva e Eduardo Aguilar, filho do cineasta português.
O comunicado da Portugal Film fala da história de um casal que decide celebrar o vigésimo aniversário de casamento num resort tropical, deixando o filho adolescente à deriva. “Antes da partida para o paraíso (…) os efeitos secundários das vacinas fazem sentir-se – febres, desmaios, arrepios, alucinações diversas – e uma melancólica disposição instala-se (…).”
Esta terceira longa-metragem de ficção de Sandro Aguilar, cineasta que visitou Roterdão diversas vezes ao longo do seu percurso, conta com direção de fotografia de Rui Xavier. Na nota de intenções que nos chegou, Aguilar, de 50 anos, escreve ser “epidermicamente avesso a certezas” e que, nos últimos tempos, tem observado “com particular fascínio esta questão exprimir-se numa tardia condição de meia idade, plena de divórcios, frustrações, abandono súbito de carreiras - segundos atos onde se renegam ou inauguram vícios, antes que a previsível decadência física se instale definitivamente e com ela uma progressiva mas imparável perda de propriedade.” “Primeira Pessoa do Plural” integra o lote de 14 obras a concurso pelo prémio principal do festival.
A diretora artística do Festival de Roterdão, Vanja Kaludjercic, sublinhou com igual entusiasmo a seleção de outra longa-metragem portuguesa, “Pai Nosso – Os Últimos Dias de Salazar”, primeira experiência de José Filipe Costa na ficção. Estará também a concurso, mas na Competição Big Screen. Tal como o título indica, o novo trabalho do autor de “Linha Vermelha” e “Prazer, Camaradas!” foca-se com as armas da ficção no Portugal de 1968, no momento da célebre queda da cadeira de Salazar a partir da qual o ditador, após um AVC, perdeu a noção de quem era.
“Nos seus dois últimos anos de vida”, escreve José Filipe Costa, “Salazar torna-se um virtual presidente do conselho vitalício. Todos lhe escondem que, na verdade, depois da queda que o deixou às portas da morte, Marcelo Caetano substituiu-o no governo. Como é possível um ditador deixar o poder que deteve de forma autoritária? Como pode essa autoridade voltar-se contra o seu próprio autor? Salazar será capaz de admitir que perdeu o poder? Como passa de figura toda-poderosa a uma quase criança, uma múmia, cujo destino decadente se confunde com o do próprio país?”
O realizador português, cujo trabalho sempre passou por um fortíssimo compromisso político, frisa ainda que “ainda não abarcámos a que ponto o fascismo salazarento ainda premeia as nossas mentes e os nossos comportamentos (…) e, mais do que contar uma história, interessa-me que o filme crie um mundo ficcional e retrate um homem preso na teia que urdiu...”
Também no campo das curtas-metragens há boas notícias para o cinema nacional. “La Durmiente”, coprodução luso-espanhola realizada por Maria Inês Gonçalves, corre na Ammodo Tiger para o prémio máximo da categoria. O filme foi rodado no Mosteiro de Sancti Spiritus, onde jaz D. Beatriz de Portugal e, segundo o comunicado da Agência da Curta-Metragem, “aborda a história desta figura preponderante na crise dinástica portuguesa de 1383, mediante um grupo de 7 crianças.”
Já “Vultosos Cumes”, de Diogo Salgado (Portugal/França/Bélgica) e ”Amarelo Banana”, de Alexandre Sousa (Portugal/Hungria), integram a secção Short & Mid-length de curtas e médias-metragens do festival. O primeiro conta a história de Pedro, que viaja pela primeira vez com os seus colegas de trabalho numa carrinha em direção a França. “Embora, para os outros, esta seja mais uma viagem de trabalho, cada quilómetro aproxima Pedro de um lugar que o seduz: as colossais montanhas dos Alpes”, escreve a mesma fonte.
Na animação “Amarelo Banana”, Alexandre Sousa aborda a vida de um homem que, “depois de mais uma noite de insónias, se depara com uma estranha comunidade a viver no seu prédio e descobre a elaborada ilusão que criaram.”
Roterdão arranca este ano ligeiramente mais tarde do que é hábito, no final de janeiro, dia 30, até 9 de fevereiro. O filme de abertura será uma produção neerlandesa, “Fabula”, de Michiel ten Horn, comédia criminal “com um toque de fantasia e de folclore”, escreve o festival.
Mais informações em www.iffr.com