Porque é que os portugueses estão mais preocupados com a saúde do que os seus congéneres europeus? Há um problema de resposta?
Sim. A procura crescente de cuidados de saúde não tem encontrado uma resposta eficaz por parte do Serviço Nacional de Saúde.
Olhemos para os hospitais. É certo que a atividade hospitalar tem aumentado, o que é positivo. Em 2023, realizaram-se 25 milhões de primeiras consultas em meio hospitalar, enquanto em 2019 tinham sido cerca de 23 milhões. O número de consultas subsequentes também aumentou, foram mais 4,5 milhões do que em 2019, pré-pandemia.
O problema do tempo de espera
Não obstante, se introduzirmos o tempo de espera nesta equação, o cenário complica-se.
No segundo semestre de 2023, nas primeiras consultas de especialidade, o chamado “tempo máximo de resposta garantida”, que é determinado em função da gravidade do doente, foi excedido em mais de metade dos casos. Quer isto dizer que mais de metade das pessoas não tiveram a resposta de que precisavam a tempo.
Especialmente preocupante é, por exemplo, o caso das consultas de cardiologia. Os problemas cardiovasculares estão entre as principais causas de morte dos portugueses. Ora, no segundo semestre do ano passado, o tempo de resposta para uma primeira consulta em cardiologia foi excedido em mais de 90% dos casos.
Além disso, os atrasos não se resumem às consultas, mas afetam também as cirurgias, como vemos na tabela. O tempo recomendado foi ultrapassado em 33% das cirurgias cardíacas, 23% das cirurgias oncológicas – outras das principais causas de morte em Portugal – e em 15% das cirurgias restantes.
As urgências não urgentes
A verdade é que os hospitais têm trabalhado no seu limite, não só por causa de consultas e cirurgias, mas também pelo recurso indevido às urgências. Continuamos a ter muitas pessoas que recorrem às urgências quando idealmente seriam atendidas em centros de saúde.
Atualmente, quase metade das pessoas que se dirigem às urgências recebem pulseira branca, verde ou azul, ou seja, não estamos perante verdadeiras urgências. Como é que isto se explica?
Há menos consultas presenciais do que antes da pandemia
Os cuidados primários, que são fornecidos essencialmente pelos centros de saúde, são a porta de entrada no SNS e na ausência de resposta a este nível, a tendência é recorrer aos hospitais.
Mais de um em cada dez portugueses continua sem médico de família. São 16% da população. E depois há discrepâncias regionais. Como podemos ver no mapa, a zona Norte, por exemplo, tem uma cobertura bastante mais elevada do que a zona de Lisboa e Vale do Tejo.
Nos centros de saúde, o número de consultas e contactos de enfermagem presenciais têm vindo a aumentar, mas ainda não foram igualados aos números pré-pandemia.
O número de profissionais de saúde no SNS tem vindo a aumentar. Oficialmente, há seis médicos por cada mil habitantes em Portugal, ao passo que na OCDE são apenas 3,7, mas não sabemos quantos ainda exercem.
Em todo o caso, o problema não é somente a quantidade. Há zonas do país onde é muito difícil recrutar médicos e onde os incentivos não são suficientes.
Não só captá-los, mas mantê-los no setor público não tem sido fácil. Muitos optam por dividir o seu tempo entre público e privado. Os profissionais de saúde têm vindo a reivindicar melhores salários, menos horas dedicadas a burocracias e melhores condições de trabalho.
As greves têm-se sucedido. Foram, pelo menos, 58 no ano passado.
Os problemas com que se depara o SNS não são de agora. Podemos esperar soluções num futuro próximo?
Somam-se desafios e é expectável que as necessidades de saúde da população portuguesa venham a aumentar. Essencialmente, por duas razões:
- Portugal é um país muito envelhecido. Teremos cada vez mais idosos - espera-se que sejam 3,4 milhões em 2050 - e com a idade avançada sabemos que surgem problemas de saúde. E há que ter em conta também a prática de exercício.
- Em segundo lugar, temos o desafio dos hábitos de vida dos portugueses que, no geral, poderiam ser mais saudáveis. Estamos em linha com o resto da UE em alguns indicadores, como no consumo de tabaco. No entanto, sete em cada 10 portugueses admitem nunca fazer exercício físico. Na UE este número é bastante mais baixo.
Hábitos de vida mais saudáveis ajudariam a prevenir doenças, reduzindo os custos do SNS e melhorando a qualidade de vida.
Apostar mais na prevenção para ter mais qualidade de vida e menos despesa
Anualmente, cerca de 10% do PIB é gasto em saúde. Estamos abaixo da Alemanha e da França, por exemplo, e é de salientar que somos o país em que uma maior proporção dos gastos em saúde é suportada diretamente pelos cidadãos, em vez do Estado.
E entre o orçamentado o dinheiro ainda vai mais para a cura do que para a prevenção.
Neste momento, dos 26 mil milhões que gastamos em saúde, só 3,2% são destinados à prevenção. Apostar na prevenção da doença não só garante uma melhor qualidade de vida - que em Portugal, a partir dos 65 anos tende a ser baixa - como evita sobrecarregar o SNS.
Estamos a falar de mudanças no estilo de vida, mas também de vacinação – somos muito bons na vacinação das crianças, mas não na dos adultos. Por prevenção também queremos dizer rastreios, diagnóstico precoce das doenças. Trata-se de prevenir em vez de remediar. Isso ajudará a diminuir as despesas em saúde e a melhorar a vida dos portugueses.