Só 43% dos estudantes de escalão A elegíveis para o novo contingente prioritário de acesso ao ensino superior deram seguimento a esse apoio no ano letivo de 2023/24, com a medida a aumentar em 10 pontos percentuais a probabilidade de admissão de alunos carenciados e em 2,8 pontos percentuais a probabilidade de acesso a programas seletivos. Sem este contingente, revela o novo estudo do EDULOG, o think tank da Fundação Belmiro de Azevedo que analisa o impacto do contingente prioritário pelo governo, 41% dos estudantes com escalão A que ativaram este caminho não teriam ingressado no ensino superior, na opção em que foram colocados.
São estas algumas das conclusões do estudo que avalia positivamente a decisão da ex-ministra da Educação, Elvira Fortunato, de priorizar o acesso ao Ensino Superior a beneficiários de Ação Social Escolar (veja aqui em detalhe).
Ao SAPO, Alberto Amaral, membro do Conselho Consultivo do EDULOG, e Pedro Luís Silva, coordenador do estudo, falam sobre os resultados e as recomendações/soluções propostas pelo think tank para melhorar os resultados deste programa.
O professor Pedro Luís Silva coordenou o estudo da EDULOG. Consegue perceber-se se o número de alunos em contingente especial vem mais por via de crescentes necessidades ou de maior conhecimento do programa?
O contingente prioritário para beneficiários da ação social escolar ASE-A apenas foi criado em 2023/2024, mas dos 3367 candidatos ASE-A ao ensino superior, elegíveis para o novo contingente prioritário, apenas 43% dos alunos ativaram o contingente. A falta de informação pode ser uma razão explicativa para a baixa taxa de adesão, conforme é explorado no relatório. Para os alunos que ativaram o contingente, a medida parece ter um impacto positivo na probabilidade de ser admitido no ensino superior público, em particular nos programas e áreas mais competitivas, por comparação aos alunos elegíveis que não ativaram o contingente.
O que justifica a disparidade territorial em termos de necessidades encontradas e pedidos ativados?
A análise revelou disparidades regionais significativas na utilização do contingente, com certas regiões, como as Regiões Autónomas, a mostrarem um maior envolvimento e sensibilização para o novo contingente prioritário do que outras, como Lisboa ou o interior. Esta heterogeneidade sugere que fatores locais, incluindo o acesso à informação e a disponibilidade de recursos, podem influenciar a decisão dos estudantes de se candidatarem através da quota ASE-A. De um modo mais geral, o baixo volume de pesquisas no Google por termos relacionados explicitamente com o contingente prioritário ASE-A aponta para possíveis lacunas de informação: os estudantes e as famílias podem não estar cientes da existência do programa, dos seus procedimentos de candidatura e potenciais benefícios. Esta insuficiência de informação, combinada com limitações financeiras, pode contribuir para a baixa adesão ao contingente em certas regiões e em certos cursos do ensino secundário, deixando alguns estudantes elegíveis sem o apoio de que necessitam para aceder ao ensino superior.
Em que áreas de estudos há maior preponderância de apoio?
Os resultados indicam que a existência deste novo contingente prioritário em 2023/2024 aumentou a probabilidade de os estudantes do ASE-A serem admitidos no ensino superior, especialmente em programas mais seletivos e competitivos. Este efeito foi particularmente notável entre os estudantes de certas áreas específicas do ensino secundário, como Ciências e Tecnologias, onde as taxas de utilização do contingente prioritário foram mais elevadas.
Como é que se processa o contingente prioritário e de que forma é divulgado aos estudantes e potenciais bolseiros?
As candidaturas ao contingente prioritário para beneficiários da Ação Social Escolar – classe A é feita em sede de candidatura ao ensino superior. Quando o aluno se candidata ao ensino superior, pode, ou não, ativar o contingente, desde que seja elegível. O procedimento é igual ao existente para os outros contingentes prioritários. Nas instituições de ensino superior aderentes à medida, 2% das vagas são reservadas para alunos ASE-A que se candidatem através deste novo contingente. Isto representa frequentemente uma a duas vagas por par estabelecimento/curso.
E se não houver candidaturas que cubram essa disponibilidade?
Se as vagas não forem utilizadas, as mesmas não se perdem e revertem a favor do regime geral. Ou seja, um aluno que se candidate através deste novo contingente e não consiga colocação (porque houve um aluno ASE-A com uma nota de candidatura mais alta que obteve colocação) pode ser admitido pelo regime geral de acesso se tiver nota mínima para ganhar admissão.
Professor Alberto Amaral, é mais importante apostar no Ensino Superior ou seria desejável também incluir uma vertente de estudos mais técnica e profissionalizante, nomeadamente visando as áreas tecnológicas?
Os alunos das classes mais desfavorecidas (tipicamente os da classe A) têm grande dificuldade em ter acesso aos cursos do Ensino Superior em que as classificações de entrada são mais elevadas, o que justifica o programa de acesso prioritário. Porém, os cursos mais profissionalizantes e mesmo os oferecidos pela maioria dos politécnicos não apresentam, em regra, classificações mínimas de entrada suficientemente elevadas para justificar um tratamento de exceção como é o caso do programa em análise.
E que mudanças poderiam potenciar então os pedidos de acesso ao programa, que ainda estão aquém do que seria desejável?
Para melhorar a eficácia do programa, será necessário atuar sobre os fatores que impedem a sua total utilização, fatores que foram salientados no estudo agora publicado.
Em primeiro lugar, a questão da informação. Os estudantes candidatam-se a uma vaga no ensino superior com base na sua nota de candidatura e na nota mínima de entrada para cada par curso/instituição. Um estudante sabe que com uma nota de candidatura pouco elevada nunca terá acesso, por exemplo, a um curso de Medicina. No entanto, os estudantes só conhecem as notas mínimas para o concurso geral de acesso. Seria, portanto, desejável conhecer as notas mínimas de acesso para outros regimes de acesso mais favoráveis, nomeadamente para o caso do Contingente Prioritário.
Depois, há a questão do financiamento/ação social. Um dos problemas dos estudantes mais carenciados reside na dificuldade de deslocação. Como mostra o estudo, a percentagem de estudantes que permanecem no seu distrito é, em geral, mais elevada, sendo nalguns distritos três a seis vezes superior à dos estudantes menos carenciados (como é o caso de Portalegre, Guarda ou Bragança, no interior, ou Viana do Castelo, Leiria e Santarém). Este padrão é expetável sempre que as restrições financeiras das famílias mais pobres coloquem limitações à mobilidade geográfica dos seus filhos para frequentar o ensino superior, ainda que o contingente prioritário aumente as suas hipóteses de colocação. Este problema resulta do baixo valor das bolsas de estudo para estudantes deslocados, problema que se tem agravado devido às dificuldades e custo do alojamento a que acresce, muitas vezes, a impossibilidade de obterem recibos das rendas pagas, o que os impede de receber a compensação adicional do Ministério que está prevista. A sua resolução passa por uma revisão do valor das bolsas e por investimento público na construção de novas residências para estudantes que elimine/minore o problema do alojamento.
Por fim, há que considerar os efeitos socioeconómicos. Diversos trabalhos académicos mostram que há um efeito de fatores de origem social, quer sobre o percurso académico dos estudantes, quer sobre as suas decisões de prosseguir ou não estudos nos pontos de transição, por exemplo do secundário para o superior. Estes fatores correspondem a efeitos primários e secundários de origem social. Os primários são os que se traduzem por efeitos de classe nos resultados académicos conseguidos pelos estudantes (efeito que este programa governamental procura corrigir), ao passo que os secundários, independentemente dos resultados académicos, influenciam o êxito das transições educativas, isto é, a decisão do estudante prosseguir ou não estudos nos pontos de transição.
O peso da origem social é muito determinante?
É um erro concentrar a atenção apenas sobre os efeitos da origem social sobre o rendimento académico. Na verdade, as diferenças de origem social também ocorrem nas escolhas feitas pelos estudantes sobre a sua carreira académica, por vezes com o auxílio dos pais, professores e colegas e que levam os estudantes de origem social mais desfavorecida a terem uma menor probabilidade de escolher opções mais ambiciosas do que os estudantes de origem social mais privilegiada, mesmo quando o seu rendimento académico faz prever que essas opções seriam perfeitamente possíveis para eles. Segundo alguns autores, os efeitos secundários levam a que os estudantes das classes sociais mais desfavorecidas, com aptidões académicas iguais às dos estudantes das classes mais favorecidas, escolham trajetórias educacionais menos ambiciosas apesar de a sua aptidão académica mostrar que têm capacidade para fazer melhor. Estes efeitos secundários podem afetar políticas públicas que visem aumentar a participação de estudantes das classes mais desfavorecidas nos cursos e instituições mais seletivos.
Então para onde se devia olhar com mais atenção?
A economia comportamental pode oferecer uma explicação para este fenómeno, uma vez que se foca, em particular, sobre a tomada de decisões económicas em clima de incerteza. Esta é a situação dos estudantes que enfrentam incertezas na decisão de entrar ou não no ensino superior, em que curso e em que instituição. Essas incertezas incluem o desconhecimento quanto ao conteúdo dos cursos, a possibilidade de obterem um diploma, ou de conseguirem um bom emprego depois da conclusão dos seus estudos. Nestas condições, os estudantes de famílias socioeconomicamente desfavorecidas serão, em princípio, mais adversos ao risco envolvido na escolha de cursos e instituições com nota de acesso mais elevada. A possibilidade de concluir um curso depende da manutenção da bolsa de estudo que, por sua vez, depende de terem aproveitamento escolar. Esta é a razão pela qual o EDULOG apresenta agora recomendações no âmbito deste estudo.