"Livro Verde da Segurança Social propõe travão às reformas antecipadas e fim da reforma aos 57 anos." Não é a notícia publicada nesta semana, apontando responsabilidades à ministra Maria do Rosário Palma, mas a que foi publicada em abril de 2024. Há um ano, o Expresso noticiava as conclusões da comissão do Livro Verde sobre o Futuro da Segurança e Saúde no Trabalho, na versão preliminar do estudo encomendado pelo governo de António Costa e entregue ainda ao anterior executivo.
As recomendações de pôr um travão nas reformas antecipadas e indexar a idade de acesso à esperança média de vida saíram da comissão escolhida e nomeada em 2022 por Ana Mendes Godinho, a ex-ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, que as recebeu já com o governo socialista de saída, em versão preliminar. Um grupo liderado pela ex-adjunta e chefe de gabinete do antigo ministro Vieira da Silva.
A versão completa foi encaminhada pela comissão ao atual governo e, por entender ser útil "fazer uma discussão alargada do conteúdo do Livro Verde", a atual ministra do Trabalho e Segurança Social, Maria do Rosário Palma, optou por levá-la à mesa dos parceiros sociais, a 30 de julho, e em outubro ao Grupo de Trabalho sobre a Sustentabilidade da Segurança Social, no âmbito do acordo tripartido da valorização salarial.
Seguiu-se um período de consulta pública, para promover o esperado objetivo de "promover uma reflexão profunda e participativa sobre os desafios e as oportunidades que moldam o futuro desta área em Portugal". De onde o documento da comissão do Livro Verde criada no governo de António Costa só saiu a 15 de janeiro deste ano. Há duas semanas, portanto.
Criticando as ideias (que afinal vieram do grupo de trabalho criado pelo governo socialista), o secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, acusou hoje o executivo de Montenegro de ter "uma verdadeira agenda para as pensões", com "corte de direitos adquiridos" e vontade de proceder a uma "privatização da Segurança Social". E acusou a ministra de criar um grupo de trabalho com "orientação ideológica", dado ser liderado pelo professor da Nova IMS Jorge Bravo. Acusações que deixaram Maria do Rosário Palma "perplexa", por serem feitas sobre o nada. "Não há decisões nem medidas tomadas", frisou mesmo.
Comissão criada pelo PS quer fim da reforma aos 57 anos
De resto, as medidas apontadas são conclusões do Livro Verde saído da comissão escolhida pelo PS, liderada por Mariana Trigo Pereira (que foi chefe de gabinete de Vieira da Silva) e que incluía por exemplo o ex-ministro socialista Manuel Caldeira Cabral e Susana Peralta. E que adiou a conclusão dos trabalhos, prevista para junho de 2023, dada a "complexidade do tema".
"A possibilidade de reforma para quem tem entre 57 e 61 anos, após esgotado o subsídio de desemprego deve acabar", recomendavam já na versão preliminar, em 2024, os membros dessa comissão liderada por Mariana Trigo Pereira e composta por Armindo Silva, Amílcar Moreira, Ana Fernandes, Noémia Goulart, Vítor Junqueira, Manuel Caldeira Cabral e Susana Peralta. E adiantavam que, nas restantes modalidades, o acesso à pensão de velhice devia "subir e acompanhar o ritmo da idade legal".
A equipa de especialistas considerava ainda as possibilidades de aceder à reforma antecipada — fosse por desemprego de longa duração fosse por carreira contributiva longa — "injustas e incoerentes com os objetivos de envelhecimento ativo e desfasadas da evolução do mercado de trabalho nos últimos anos". E aconselhavam por isso que se aplicasse também nas reformas antecipadas as regras de definição da idade de reforma indexadas à evolução da esperança média de vida.
Conforme exemplificava o Expresso, que há um ano teve acesso à versão preliminar da comissão do Livro Verde, "se a idade legal de reforma sobe quase todos os anos, (está nos 66 anos e quatro meses este ano e subirá aos 66 anos e sete meses em 2025), a idade de acesso à reforma antecipada deve acompanhar a subida. Caso contrário, cria-se uma discrepância entre os regimes, e, mais do que isso, agravam-se as penalizações."
Caso contrário, alertavam os especialistas, e considerando que um em cada quatro portugueses se reformam antecipadamente, "será cada vez maior o incentivo para que o empregador e/ou o trabalhador recorram a rescisão do contrato de trabalho com vista à antecipação da reforma, muitas vezes com grave prejuízo ao nível do rendimento pós-reforma".
Ministra abriu discussão à sociedade
Na verdade, não apenas as conclusões da comissão do Livro Verde que voltaram às notícias nesta semana não foram projetadas pelo atual governo, mas pelo anterior executivo socialista, como a ação de Maria do Rosário Palma no tema se limitou a abrir a discussão à sociedade. Razão pela qual o documento se manteve disponível para consulta pública até ao último dia 15 de janeiro, com a ministra a juntá-lo agora às recomendações do Tribunal de Contas e das instituições europeias para "avaliação" e "estudo".
"Com certeza que não vai haver cortes nem qualquer prejuízo dos direitos adquiridos dos pensionistas, mas este governo, como aliás o anterior, está a estudar o problema", afirmou a ministra nesta tarde, depois das acusações de Pedro Nuno Santos e após ter anunciado a criação de um grupo de trabalho para "aprofundar a análise da temática da sustentabilidade a longo prazo do sistema de segurança social e propor a definição de linhas de ação estratégicas, elaborando propostas exequíveis e alinhadas com as melhores práticas nacionais e europeias, assegurando um sistema robusto, inclusivo e preparado para enfrentar os desafios demográficos e económicos futuros".
As conclusões deste grupo, que deverá iniciar funções nesta quinta-feira, serão apresentadas daqui a um ano, bem como propostas e recomendações identificadas pelo grupo liderado pelo economista Jorge Bravo e que integra um conjunto de especialistas na área e representantes dos sistemas de pensões. Avaliar a viabilidade do sistema a longo prazo e definir estratégias que garantam a sustentabilidade da Segurança Social, analisar o incentivo a fontes de poupança complementares e encontrar caminhos que promovam a transparência e previsibilidade do sistema, como recomenda o Tribunal de Contas, serão objetivos do grupo de estudo, em linha com a prioridade expressa no Programa do Governo de zelar pela sustentabilidade e modernização da Segurança Social.
A recorrentemente anunciada reforma da Segurança Social não está, portanto, prevista para os tempos mais próximos — ou sequer, a acreditar no Programa do Governo, marcada para o executivo de Luís Montenegro. A ideia é que todos os instrumentos e reflexão feita por instituições diversas, da OCDE à Comissão Europeia, passando pelo Tribunal de Contas, pelos parceiros sociais e pelos contributos da própria sociedade, sejam pesados, ponderados e avaliados, de forma a que, quando for tempo de executar a reforma, haja sustentação técnica nas decisões a tomar.