A forte polarização política dos últimos anos nos Estados Unidos da América, especialmente desde a ascensão de Donald Trump à Casa Branca, tem atingido todos os níveis da sociedade norte-americana. Há ameaças de morte pelos motivos mais banais, debates e dúvidas sobre factos científicos consolidados há décadas. Depois das passagens dos furacões “Helene” e “Milton”, nem os meteorologistas e a proteção civil estão a salvo da fúria dos extremistas.

Nas últimas semanas, vários dirigentes republicanos e apoiantes de Donald Trump procuraram politizar a passagem dos furacões pelo sudeste do país. Alguns acusaram a Administração Biden, sem fundamento, de limitar o apoio do Governo federal a estados liderados por conservadores. Outros, como a congressista Marjorie Taylor Greene, foram mais longe e questionaram a ciência mais básica e simples, ao sugerir inexplicavelmente que Joe Biden e o Partido Democrata controlaram a formação, o tamanho e o trajeto dos dois furacões.

Ao New York Times, vários meteorologistas e membros de equipas de proteção civil, que cobriram a passagem dos furacões ou que ajudaram as populações a sobreviver aos desastres, revelaram que têm sido alvo de um número crescente de ameaças de morte e assédio. Marshall Shepherd, diretor do programa de Ciências Atmosféricas da Universidade da Geórgia, lamenta a “palpável diferença no tom e na agressividade contra pessoas” na área da meteorologia, e aponta o dedo aos líderes políticos, com grande perfil mediático, que espalharam teorias da conspiração e desinformação sobre os fenómenos.

Shepherd, um ex-presidente da Sociedade Meteorológica Americana, notou ainda que o assédio a meteorologistas, por negacionistas climáticos ou figuras ultraconservadoras, não é novo. “A diferença é que vinham sempre de grupos ‘marginais’; agora, vemos que [as teorias] tornaram-se comuns", apontou.

Numa entrevista à CNN, antes da passagem do “Milton” pela Flórida - um furacão que chegou a ser de categoria 5 antes de chegar ao continente norte-americano -, uma jornalista repetiu alegações ouvidas na rua e perguntou se a tempestade era controlada por pessoas. E o especialista respondeu: “É impressionante que um jornalista tenha de me colocar essa pergunta.”

Outros meteorologistas ouvidos pelo New York Times falam de situações semelhantes e alertam que esta politização do clima e da ciência, levada a cabo pelos republicanos, cria riscos para a credibilidade das previsões e dos avisos dos especialistas durante fenómenos climatéricos extremos (especialmente num país tão afetado por tornados e furacões).

“Assassinar meteorologistas não vai parar furacões. Não acredito que tive de escrever isto”, afirmou Katie Nickolaou, uma especialista do Michigan, numa publicação na rede social X (antigo Twitter). Já Matthew Cappucci, um meteorologista do Washington Post, contou que recebeu centenas de comentários e mensagens, acusando-o de ‘esconder’ a verdade sobre o Governo e um qualquer controlo sobre furacões. “Parte de mim quis dizer: ‘Se não confias nos meus avisos, então fica onde estás. Fica aí e vê o que acontece’”, disse.

As autoridades e os trabalhadores de proteção civil falam de ameaças semelhantes. Na Geórgia e na Carolina do Norte, dois dos estados mais afetados pelo furacão “Helene” no final de setembro, líderes conservadores acusaram a Agência Federal de Gestão de Emergências (FEMA, na sigla em inglês) de roubar doações destinadas à Ucrânia, de vender secretamente terrenos em zonas afetadas para minar lítio ou de esconder corpos debaixo de escombros.

As teorias foram espalhadas pelo próprio Donald Trump que, em comícios e na sua rede social, alegou que os fundos de emergência estavam a ser desviados para apoiar imigrantes. E, mesmo depois de governadores republicanos terem elogiado o apoio prestado por Joe Biden, continuou a acusar os democratas de não ajudarem zonas onde o governo local é liderado por conservadores.

Deanne Criswell, administrador da FEMA, explicou à ABC News que o aumento das ameaças e da desinformação nas redes sociais têm dificultado as operações no terreno e criaram “medo nos funcionários”. No domingo, a agência anunciou que ia fazer “ajustes operacionais” para proteger o seu staff e os sobreviventes das tempestades.

“Eu trabalho em desastres há 20 anos e não consigo lembrar-me de um desastre rodeado de tanta desinformação”, vincou ao The Times Samantha Montano, professora de gestão de emergências na Academia Marítima de Massachusetts.

O furacão “Helene”, de categoria 4, foi o pior fenómeno deste tipo a afetar os Estados Unidos desde o furacão "Maria", em 2017. Atingiu o sudeste dos EUA no final de setembro, em particular os estados da Flórida, Geórgia, Carolina do Norte e Carolina do Sul, bem como as Honduras, Cuba e as Ilhas Caimão, fazendo cerca de 250 mortos e milhares de desalojados.

Duas semanas depois, o furacão “Milton”, que foi catalogado pela Casa Branca e pelas autoridades como uma tempestade de proporções gigantes, capaz de causar milhares de mortes, acabou por perder força antes de chegar à Flórida como ‘apenas’ um furacão de categoria 3, causando 14 mortes e inundações pela região.