Num novo relatório enviado às redações e intitulado "Isolar e Punir: Privação de Contacto dos Dissidentes Presos com o Mundo Exterior na Rússia", a Amnistia Internacional frisa que este modo de atuação policial tem sido frequente.
Com base em vários casos emblemáticos, o relatório documenta a forma como as autoridades russas exploraram lacunas jurídicas e criaram pretextos para isolar ainda mais os dissidentes, mesmo os que foram presos por se terem manifestado contra a invasão russa da Ucrânia.
"Estas não são práticas isoladas às quais recorrem alguns funcionários desonestos. É uma estratégia deliberada do governo russo para isolar e silenciar os dissidentes e infligir-lhes, a eles e às respetivas famílias, mais sofrimento. Todas as formas de contacto - visitas, telefonemas, cartas - estão a ser reduzidas", afirmou Natalia Prilutskaya, investigadora da AI na Rússia.
As autoridades estão a utilizar táticas variadas para privar os presos do contacto com as suas famílias e amigos e um dos métodos consiste em recusar, repetidamente, os pedidos de visitas e telefonemas enquanto a pessoa permanece em prisão preventiva, muitas vezes sem apresentar qualquer motivo.
Há também casos, prossegue a organização, em que os membros da família são designados como "testemunhas" no processo de julgamento do seu ente querido, ficando impedidos de ter qualquer contacto com ele.
"Nestas ocasiões, a separação familiar pode durar meses ou anos. As autoridades podem ainda atrasar o correio dos detidos e dos prisioneiros ou proibir totalmente a correspondência com determinadas pessoas", lê-se num comunicado da AI.
Outra tática é a transferência, sem aviso prévio, de reclusos da prisão preventiva para instituições penais na véspera de uma visita familiar planeada, que é depois cancelada, o que requer aprovação judicial pelo mesmo tribunal que aprova a visita e "torna esta prática ainda mais cínica".
Uma forma de assédio muito utilizada pelas autoridades penitenciárias é colocarem os reclusos numa cela de isolamento por alegadamente terem cometido uma infração disciplinar menor. Muitas vezes, esta infração é inventada mesmo antes de uma visita familiar programada.
O recluso fica privado de visitas e de telefonemas durante o período do castigo, "prática que não só penaliza ainda mais os dissidentes presos, como também inflige um grave sofrimento psicológico às suas famílias", refere a organização.
"Este modo de atuação é desumano. Ao enviá-los para a prisão, as autoridades devastam a vida daqueles que tiveram a coragem de mostrar uma opinião dissidente, como também privam os seus familiares das poucas possibilidades de contacto. Estes maus-tratos cruéis devem cessar de forma imediata. Todas as pessoas detidas apenas por terem exercido o seu direito à liberdade de expressão, de associação e de reunião pacífica devem ser libertadas", declarou Natalia Prilutskaya.
Como casos emblemáticos Prilutskaya destaca Vladimir Kara-Murza, um político da oposição detido em abril de 2022 e condenado a 25 anos de prisão por múltiplas acusações forjadas, foi impedido de telefonar à sua mulher e filhos durante 14 meses, bem como Aleksandra (Sasha) Skochilenko, uma artista de São Petersburgo, detida também em abril de 2022 pelo ativismo contra a invasão da Ucrânia e está condenada a sete anos de prisão.
A responsável da AI para a Rússia destacou ainda o caso de Oleg Orlov, um defensor dos direitos humanos e copresidente da organização Memorial, que foi condenado, em fevereiro de 2024, a dois anos e meio de prisão por um artigo crítico em relação às autoridades russas.
A mulher de Orlov só teve direito a uma visita em abril, mas pouco antes de o poder visitar, o marido foi transferido de um centro de detenção de Moscovo para outra região, a mais de 1.000 quilómetros de distância.
A AI realça ainda um quarto caso, o de Aleksei Gorinov, conselheiro municipal de Moscovo, que foi detido em abril de 2022 e condenado a sete anos de prisão por ter criticado a guerra da Rússia na Ucrânia durante uma reunião do conselho.
"O direito das pessoas detidas a manterem contacto com o mundo exterior está consagrado nas normas internacionais de direitos humanos. Negar o contacto com a família viola estas normas e pode constituir uma pena ou tratamento cruel, desumano ou degradante", sublinha a organização de defesa e promoção dos direitos humanos.
"A Amnistia Internacional insta as autoridades russas a libertar, imediata e incondicionalmente, todas as pessoas detidas apenas por exercerem os seus direitos à liberdade de reunião, de expressão e de associação pacífica. As forças de segurança têm de garantir que todos os detidos e prisioneiros possam manter contacto regular com as suas famílias", afirmou Prilutskaya.
Para a responsável da AI na Rússia, a legislação penal também deve ser alterada para evitar a recusa arbitrária de contacto, enquanto em relação às "táticas" para privar os presos do contacto com as famílias e amigos, as autoridades devem investigar "todas as violações dos direitos humanos registadas e levar os responsáveis a tribunal".
JSD //APN
Lusa/Fim