Uma equipa de investigadores conseguiu observar pela primeira vez uma característica fundamental de um supersólido, fornecendo prova direta da existência deste estado extremo da matéria que combina rigidez e superfluidez.
Na nossa vida diária, a matéria pode existir em quatro estados clássicos: sólido, líquido, gasoso e plasma.
Mas os cientistas há muito que se interessam pelos estados ditos “exóticos” da matéria, que se formam a temperaturas próximas do zero absoluto (-273,15ºC), a níveis de energia muito elevados ou a níveis de gravidade e densidade extrema, como nos buracos negros.
Nestas condições extremas, a matéria apresenta propriedades físicas ou comportamentos muito diferentes dos observados nos estados clássicos.
Assim, os fluidos normais (líquidos e gases) apresentam uma maior ou menor resistência ao fluxo, denominada viscosidade – por exemplo, o óleo é mais viscoso do que a água.
Os superfluidos não têm viscosidade: fluem sem perda de energia, o que lhes permite circular indefinidamente num recipiente sem abrandar.
Há mais de 50 anos, os físicos previram a existência de um estado supersólido em que a matéria exibe tanto as propriedades de um sólido clássico, com uma estrutura cristalina, como de um superfluido, onde uma fração dos átomos flui sem viscosidade através da rede sólida.
Tornados quânticos a girar num supersólido
A estrutura cristalina destes supersólidos já tinha sido fotografada, mas a sua superfluidez só tinha sido inferida a partir de várias observações.
“Faltava ainda ao nosso trabalho a observação direta de uma das propriedades características e fundamentais da superfluidez: o escoamento sem rotação”, disse à AFP Francesca Ferlaino, que liderou a investigação publicada na Nature .
"Imagine que tem uma chávena de café e que o roda um pouco com uma colher. Verá o café a girar em torno do centro, um exemplo clássico de um vórtice num fluido comum", explicou a física da Universidade de Innsbruck, Áustria .
Se substituirmos o café por um superfluido, este não gira com a colher, fica perfeitamente imóvel como se nada o tivesse perturbado.
“No entanto, se rodar a colher mais rapidamente, em vez de formar um grande remoinho no centro, começam a aparecer uma série de remoinhos mais pequenos (chamados vórtices quânticos ) que estão organizados em belos padrões regulares na superfície do superfluido, quase como os buracos de um pedaço de queijo suíço".
A sua equipa conseguiu criar e observar estes vórtices quânticosem laboratório. Um feito particularmente difícil de alcançar.
Em 2021, a equipa de Francesca Ferlaino já tinha conseguido criar um supersólido de longa duração, arrefecendo certos átomos e moléculas a temperaturas muito baixas.
Tiveram de encontrar uma forma de agitar este supersólido sem destruir o seu estado frágil. Os investigadores usaram campos magnéticos para o fazer rodar cuidadosamente, o que resultou na formação de vórtices quânticos.
A física considera que estes trabalhos fornecem “uma prova forte e direta da natureza dual de um estado supersólido” e permitirão também observar em laboratório fenómenos físicos que só ocorrem na natureza em condições extremas, como por exemplo, recriar o que acontece no coração das estrelas de neutrões, estrelas extremamente densas e compactas que nascem do colapso de estrelas massivas.
“Supõe-se que as variações na velocidade de rotação nas estrelas de neutrões – chamadas glitches – são causadas por superfluidos presos no seu interior. A nossa plataforma oferece a oportunidade de simular tais fenómenos aqui na Terra".
Estrelas de neutrões
Quando as estrelas mais massivas chegam ao fim de vida, geralmente explodem violentamente num evento chamado supernova. As estrelas de neutrões formam-se nesseseventos explosivos e são um dos objetos mais compactos do Universo, juntamente com os buracos negros.
Apesar de terem uma massa comparável à do Sol, entre uma a duas massas solares aproximadamente, o seu raio não vai além de 15 quilómetros, muito inferior ao raio do Sol, com cerca de 700 mil quilómetros.
Quando duas estrelas de neutrões colidem, libertam em poucos dias mais energia que o Sol em toda a sua vida. Atualmente, pensa-se que a formação dos elementos mais pesados que conhecemos, entre os quais os metais nobres, como o ouro e a platina, poderá acontecer quando duas estrelas de neutrões colidem.