A criação do “Fundo de Cali”, que permite canalizar contribuições do sector privado para compensar a utilização comercial de material genético de plantas e animais, é uma das conquistas da Conferência da Biodiversidade das Nações Unidas (COP16), que terminou a 2 de Novembro.
Este mecanismo inovador permitirá que empresas do setor privado, como as da indústria farmacêutica e de cosméticos – que lucram com o uso de recursos genéticos de plantas e animais – façam contribuições voluntárias para compensar países ricos em biodiversidade, mas economicamente menos desenvolvidos.
Este fundo é considerado um avanço na partilha de benefícios derivados de recursos genéticos e espera-se que venha a gerar anualmente cerca de mil milhões de dólares (€919 milhões). Parte dessas contribuições — que incluem até 1% dos lucros das empresas listadas — será destinada diretamente a comunidades locais e indígenas, consideradas as principais guardiãs desses ecossistemas.
Contudo, a decisão de tornar o fundo apenas voluntário e não obrigatório gerou críticas. Em vez de definir que as empresas “têm que” contribuir para este fundo, o texto final apenas sugere que elas o façam.
Outra vitória importante foi a criação de um órgão permanente para garantir a representação direta dos povos indígenas e das comunidades afrodescendentes nas COP, o que lhes permitirá participar ativamente das decisões sobre biodiversidade e proteção de recursos naturais.
Para o ambientalista Francisco Ferreira, presidente da associação Zero, estes são avanços importantes. Defende que o fundo permite uma “partilha justa e equitativa” dos lucros derivados da utilização de dados genéticos e que o novo arranjo institucional “legitima o conhecimento ancestral no contexto de proteção da biodiversidade.
Fundo global para proteger a natureza adiado
Apesar destes avanços, a COP16 deixou questões importantes sem resolução. As negociações para criar um fundo global obrigatório para financiar a proteção da biodiversidade não avançaram devido a impasses. A sessão final ficou sem “quórum” de participantes, uma vez que muitos delegados deixaram o plenário final porque tinham voos para apanhar.
Países como o Brasil e a República Democrática do Congo, que albergam grande parte da biodiversidade pristina global, expressaram frustração com a falta de apoio financeiro por parte das nações ricas e o adiamento de medidas concretas.
A COP16 também foi marcada pela falta de progresso na implementação do Quadro Global de Biodiversidade Kunming-Montreal, assinado na COP15, em 2022, que estabeleceu metas para conter a perda de biodiversidade até 2030, como proteger 30% das áreas terrestres e marinhas, restaurar ecossistemas degradados e reduzir a poluição.
O objetivo de juntar anualmente 200 mil milhões de dólares para a conservação da biodiversidade, incluindo 30 mil milhões de transferências de países ricos para países em desenvolvimento, ficou aquém do esperado. Durante o evento, apenas 163 milhões de dólares foram anunciados, um valor que Francisco Ferreira considera “estar 100 vezes aquém do necessário”.
Esta conferência também revelou a lentidão com que os Estados-membros da ONU atualizam os respetivos Planos Nacionais de Ação para a Biodiversidade, fundamentais para cumprir o Quadro Global de Biodiversidade Kunming-Montreal. Apenas 44 dos 196 países entregaram planos atualizados, incluindo 12 dos 27 países europeus, entre os quais Portugal.
O balanço português
A nível nacional, o representante português Nuno Banza, presidente do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), declarou que Portugal ainda está a trabalhar na atualização dos planos de ação para a biodiversidade e na criação de novas áreas marinhas protegidas, como parte dos compromissos assumidos.
Em comunicado enviado às redações este domingo, Maria da Graça Carvalho faz um “balanço positivo” da COP16, salientando “os avanços nas áreas da proteção dos oceanos”, indicando “o compromisso assumido por Portugal de aumentar as áreas protegidas, que se materializou recentemente com a criação da maior Área Marinha Protegida do Atlântico Norte, nos Açores”.
Perante os consensos que ficaram por alcançar em Cali, a ministra expressou “esperar que seja possível chegar a acordo para o aumento do financiamento na área da biodiversidade”. E aplaudiu a criação do “Fundo de Cali”, considerando que “é um passo da maior importância para garantir que a exploração dos recursos genéticos é feita de forma ética e sustentável, beneficiando a biodiversidade e as comunidades que dela dependem”.
As decisões adiadas nesta conferência serão retomadas na COP17, prevista para 2026 na Arménia. Já o quadro para monitorizar o progresso dos países na preservação da biodiversidade será revisto em encontros intermédios em 2025, em Banguecoque.