Mocuba, Moçambique, 30 jan (Lusa) - Antes de se tornarem residentes do campo de acomodação de Mocuba, centro de Moçambique, sete mil pessoas começaram por ser sobreviventes das inundações de 12 de janeiro, o dia em que perderam tudo e tudo têm de recomeçar.

Todos ficaram sem as suas casas, naquela madrugada em que o rio Licungo se agigantou, mas escaparam com vida às piores cheias na província da Zambézia, apenas com as roupas que traziam no corpo, cada um por si, e agora reunidos em lugar seguro, onde as autoridades locais ergueram uma nova cidade de tendas cinzentas, perfiladas sobre o capim.

É neste lugar que Ibrahim Hussein Canana, 27 anos, aperta os esticadores da tenda reservada para ele e para os seus sete filhos. A residência anterior, na zona baixa da cidade, foi levada pela fúria das águas do Licungo, naquela madrugada de dia 12, alagando 30 mil hectares de campos agrícolas e arrastando habitações, árvores e a importante ponte de Mocuba, que assegurava a única ligação rodoviária entre o centro e o norte do país.

"A casa foi com a água quando eram zero horas, alguns perto do rio começaram a gritar, a pedir socorro", recorda. "Então, vimos o caudal a subir e em algum momento uns conseguiram tirar o que tinham, outros não."

Para um desempregado que tinha pouco, Ibraim Canana ficou com nada. Na zona onde dantes vivia até a terra se foi e "só ficaram as pedras". Agora sobra apenas o desejo de recomeçar a vida depressa, a partir deste Centro de Acomodação Temporário, onde tudo é provisório, até no nome.

"Estamos a reassentar 1.400 famílias aqui, qualquer coisa como sete mil pessoas", avança Leonardo José Lourinho, vereador de Urbanismo do Conselho Municipal de Mocuba, recordando o apoio de várias organizações não-governamentais, que ofereceram as tendas, e a mobilização rápida da ajuda, que inclui um posto clinico e a presença da Cruz Vermelha, apesar das queixas das famílias quanto à quantidade de comida distribuída e falta de roupa.

"Perdi roupas, aparelho de dividir [balança], duas malas, mobílias, tudo, tudo já perdi", lamenta Ana Janela, 40 anos, que mal saiu à rua em Lugela, no coração da Zambézia, namadrugada de dia 12, a sua casa de adobe foi de imediato engolida pelo Licungo.

"Estamos a sofrer, sapatos não temos, crianças andam assim mesmo, sem roupa", prossegue a nova moradora do centro de acomodação, apontando para um grupo de rapazes a jogar à bola, descalços.

Qualquer desalojado de Mocuba tem uma história semelhante para contar. Em comum, foram todos surpreendidos pela escalada do caudal do rio, que subiu mais de seis metros para 12 de altura em poucas horas, a correria para salvar as suas vida, enquanto para trás ficavam as habitações precárias e as poucas posses que nunca mais encontrarão.

Machotil Fernando, 23 anos, perdeu os 350 meticais (9 euros) para pagar a matrícula da escola. "Não sei como vou fazer", diz. António Francisco, 24, ficou por seu lado sem a machamba (horta) que alimentava a família. "Agora, está dentro de água."

Os mais velhos lembram-se bem das cheias destruidoras de 1971, mas todos concordam que uma tragédia na Zambézia como a de janeiro nunca houve.

"Foi um dia bastante negro em que as pessoas pensavam que estavam a sonhar e depois saíram á rua, viram a ponte destruída e caíram na real", relata o vereador de Mocuba. "

As autoridades locais preveem que o centro de acomodação de Mocuba se mantenha três a quatro semanas, mas a ministra da Administração Estatal, quando visitou o campo no passado sábado, deixou claro que estão ali pessoas a mais e "a prioridade é descongestionar", encontrar talhões de terra definitivos em zonas seguras e entregá-los quanto antes.

"Vamos deixar as zonas baixas para fazer as nossas machambas e nas zonas altas vamos fazer as nossas casas", recomendou na ocasião Carmelita Namashalua, alertando para os oportunistas, que nada perderam, e que todos os dias aparecem no campo à procura de uma parte da pouca comida existente, numa outra estirpe de sobrevivência.

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