Martin Wolf é o principal comentador de assuntos económicos do Financial Times e dos mais interessantes. Aos 78 anos, o economista britânico que já trabalhou no Banco Mundial, já foi mais globalista e menos Keynesiano do que agora é, continua a ser das vozes mais interessantes. Na semana passada, ao dissecar os factores de crescimento das principais economias nas últimas décadas, para perceber as causas da desaceleração das décadas mais recentes e sugerir caminhos para a Europa, o Reino Unido e os Estados Unidos, acaba por fazer uma autópsia ao modelo económico que está em crescimento no Ocidente. Entre o que os políticos propõem e o que os eleitores exigem, está todo um programa que é o oposto do que resultou no passado. Se a História ensina alguma coisa, preparamo-nos para fazer tudo errado.

Segundo os dados que Wolf apresenta, o crescimento das grandes economias nas últimas décadas é brutal. “O PIB real per capita do Reino Unido aumentou 277% entre 1950 e 2023. No mesmo período, o PIB real per capita dos EUA aumentou 299%, o francês 375%, o alemão 501% e o japonês 1.220%. Cumulativamente, os padrões de vida transformaram-se.” Tudo isto aconteceu, principalmente, a seguir ao fim da Segunda Guerra Mundial, foi desacelerando depois de meados dos anos setenta e mais ainda desde o início deste século. Ainda assim, o crescimento foi permanente e os números impressionam.

Nada disto foi o resultado de um plano, mas antes o acumular de circunstâncias várias, algumas historicamente irrepetíveis, outras fruto de políticas em clara oposição com os ventos ideológicos que sopram. Pouco foi o que se fez que seja parecido com o que agora se quer fazer.

A reconstrução do pós-guerra, a economia de consumo massivo generalizada pelos Estados Unidos, a enorme integração económica deste período, “a guerra fria, que trouxe os EUA ao mundo de forma permanente, em contraste com a sua catastrófica desvinculação da Europa ainda devastada da década de 1920” e “acima de tudo, a liberalização do comércio”, são algumas das principais explicações que identifica para os momentos de sucesso. A que acresce a entrada das mulheres no mercado de trabalho. Nada disto tem paralelo nos tempos que correm.

Os Estados Unidos estão a retrair-se da economia internacional, como denotam as políticas de Biden dos últimos quatro anos, e a sair de cena política global, como prova o tweet de Donald Trump imediatamente a seguir à queda do regime sírio: “esta não é a nossa guerra”. O equivalente à entrada das mulheres no mercado de trabalho são agora os imigrantes, que os eleitores de vários partidos políticos rejeitam, e a ideia de liberalização do comércio também já não tem grande sucesso junto da maioria dos políticos ou dos eleitores. Embora acordos como o que a Europa fechou agora com o Merscosul (falta a maioria dos Estados membros concordar) vão no sentido certo, são raros.

Resumindo, por um lado, alguns dos factores históricos que explicam o enorme progresso económico deste período não se repetirão. Por outro, onde podem, as escolhas políticas vão em sentido contrário ao que se seguiu nos tempos de ouro. O resultado provável deveria parecer evidente. E, no entanto, aqui estamos.

Num outro texto, David Henig, director de política comercial do Reino Unido no Think Tank europeu ECIPE, recorda alguns dados que desmentem a tese em voga de que se devem fechar fronteiras comerciais e recuperar a ordem nas economias internas. “Em 2016, o Reino Unido votou a favor da saída da UE com o slogan "Retomar o controlo", mas isso provou não ser possível. A tecnologia foi responsável pela perda de fábricas nos EUA, e a Inteligência Artificial ainda pode ter o mesmo efeito nos empregos de serviços.”

Sem grande surpresa, o Fundo Monetário Internacional (FMI)concorda com as críticas às tendências político-económicas. Segundo um estudo do FMI, citado pelo Financial Times, “A política industrial está a "ter um momento" na Europa, à medida que os decisores políticos adotam uma abordagem cada vez mais intervencionista para impulsionar a transição verde e proteger a economia e as cadeias de abastecimento.” O estudo alerta para a necessidade de uma coordenação mais centralizada para garantir que os países da UE não entram em competição por subsidiação. “Os auxílios estatais dos países membros (da União Europeia) triplicaram na última década, passando de 0,5% do PIB em 2012 para cerca de 1,5% em 2022, principalmente ligados a tecnologias verdes e eficiência energética”. Para os autores relatório, se for para financiar com dinheiros públicos, é melhor que se aposte em bens públicos europeus ou em projectos comuns, como foi a Airbus há mais de cinquenta anos. Mas não é isso que está a acontecer. Até agora, os auxílios de Estado são dados por cada país, na medida do investimento que é feito ou deixado no seu território. Por aqui, o conceito de interesse comum europeu é uma ideia muito construída a pensar nos eurocratas.

Enquanto os Estados membros da EU competem por quem dá mais subsídios às suas empresas e investidores, e as fronteiras comerciais se fecham, a China expande os seus projectos globalistas. A continuar assim, veremos quem ganha.