Um fotógrafo de Arouca foi à praia fluvial do Areínho ajudar um amigo a proteger das chamas o bar que funciona nesse extremo dos Passadiços do Paiva e acabou a resgatar animais numa quinta cujo dono não queria abandonar o local.

No centro do concelho do distrito de Aveiro e da Área Metropolitana do Porto, Avelino Vieira é uma figura conhecida, de tanto que trabalha a registar eventos de empresas e instituições locais, e esta tarde já a sua história se contava na vila. Começou por volta da meia-noite, quando o fogo que alastrou de Castro Daire já ardia em Arouca, na margem de Canelas do rio Paiva, e o fotógrafo conduziu 20 minutos desde a sede do concelho até ao Areínho, no lado oposto às chamas, para acudir a um amigo.

Lembrando-se de tudo o que ardeu no grande incêndio local de 2016, o seu objetivo era ajudar a proteger o bar daquela praia fluvial, mas, quando lá chegou, já o amigo se tinha ido embora, deixando bem molhadas as paredes de madeira do estabelecimento e a mata em volta.

Foi ao preparar-se para regressar a casa que Avelino se lembrou de que, pouco antes, vira um senhor a caminhar por aqueles lados, perto de uma quinta pouco visível a partir da estrada. Perguntou aos bombeiros de serviço naquela zona se o tinham visto e eles responderam que não.

"Pus-me a correr até à quinta, para ver se o encontrava, e o homem estava lá sozinho com os animais. O fogo via-se do outro lado do rio, mas acho que ele nem tinha bem noção do que estava a acontecer - não queria deixar as suas coisas, como acontece a tanta gente nestas alturas", contou à agência Lusa.

O resto teve que ser à bruta: "Dei-lhe uns berros, disse-lhe 'Você tem que vir embora! O fogo está a chegar aqui!' e, como o homem não queria deixar os animais, propus-me ajudá-lo a trazer os que podia".

"Mas ainda lá havia um pónei e eu não estava a ver onde é que o ia enfiar"

Avelino não sabe bem quantas cabras ficaram para trás, até porque são daquelas que gostam de andar à solta pela serra, empinadas nos declives da encosta, mas sabe que salvou nove cabritos. "Eram os mais pequeninos" e os que se deixavam apanhar; pesavam uns 15 quilos cada e foram ao colo dois de cada vez, apertando-se com o jeitinho possível na carrinha da quinta.

"Depois apareceu um labrador preto, com uma perna aleijada, e também o trouxe", confessou o fotógrafo, com 42 anos. "Mas ainda lá havia um pónei e eu não estava a ver onde é que o ia enfiar", acrescentou, com o olhar abatido de quem não vai à cama há mais de 30 horas.

A sorte foi outra carrinha quase esquecida na quinta, uma Ford Transit bem alta atrás, na qual o dono dos animais nem pensara até Avelino lhe pedir a chave. Quando o pónei lá acedeu a entrar na mala do carro, já no ar voavam fagulhas e as primeiras chamas começavam a alastrar pela segunda margem do rio, gerando num ápice quatro ou cinco focos de incêndio perto dos passadiços.

"Nisto os bombeiros começaram a gritar 'Temos que ir! Temos que ir!' e nós cumprimos. Já nem eu tinha força para mais, nem os bombeiros nos deixavam ficar ali mais tempo."

Imagens desses momentos não captou nenhuma. Tem um pequeno vídeo do fim da aventura, já longe de perigo, mas nada que o seu brio profissional deixe partilhar. Avelino entregou os cabritos, o cão e o pónei à família do senhor que ajudou - e cujo nome muitos conhecem, mas preferem preservar - e só sossegou quando o sénior ficou à guarda da filha, menos preocupada com os problemas pulmonares do pai do que com a sua inquietação quanto ao destino dos animais.

"O Avelino salvou os animais que pôde e, com isso, se calhar também salvou o meu pai"

Com a estrada para o Areínho e Alvarenga cortada, esta quinta-feira de manhã Avelino meteu-se por uns quelhos isolados para ir verificar a quinta e encontrou alguns animais à solta, aparentemente bem. A filha do dono ainda não pôde verificar o local, mas está menos otimista e receia o impacto de eventuais perdas no estado de espírito paterno.

Certezas, nesta altura, tem só uma: "O Avelino salvou os animais que pôde e, com isso, se calhar também salvou o meu pai".

Sete pessoas morreram e cerca 120 ficaram feridas, das quais 10 em estado grave, devido aos incêndios que atingem desde domingo as regiões Norte e Centro do país, nos distritos de Aveiro, Porto, Vila Real, Braga e Viseu, que destruíram dezenas de casas e obrigaram a cortar estradas e autoestradas.

A área ardida em Portugal continental desde domingo ultrapassa os 106 mil hectares, segundo o sistema europeu Copernicus, que mostra que nas regiões Norte e Centro, já arderam perto de 76 mil hectares.

O Governo declarou situação de calamidade em todos os municípios afetados pelos incêndios nos últimos dias e alargou até quinta-feira a situação de alerta, face às previsões meteorológicas.