As divergências entre Israel e o Hamas em pontos cruciais da proposta de cessar-fogo apresentada pelos EUA estão a bloquear novamente as negociações. Depois de, na quarta-feira, os países mediadores terem adiado a próxima ronda negocial para uma data a definir, representantes israelitas, norte-americanos e egípcios chegaram ao Cairo para prosseguir as conversações, avançou a Israeli Broadcasting Company.

Segundo o ‘Haaretz’, as discussões serão focadas no Corredor de Filadélfia, faixa de terra de 14 quilómetros na fronteira entre Gaza e o Egito que tem sido um dos principais motivos de discórdia entre as partes. Israel pretende prosseguir a sua ocupação militar deste território, mas o Egito opõe-se a qualquer presença israelita a longo prazo, uma vez que a consideram uma ameaça à sua segurança, recorda a ‘Al Jazeera’. O Hamas também rejeita esta opção, já que qualquer acordo de cessar-fogo terá de pressupor, no seu entendimento, uma retirada total das forças israelitas de Gaza, incluindo desta área.

Uma fonte de Telavive disse ao ‘Haaretz’ que a delegação israelita está a ponderar realizar uma nova reunião de alto nível no domingo, “se o Hamas mostrar sinais de movimento [favorável]”. Todavia, a incerteza e a descrença predominam entre os funcionários israelitas envolvidos nas negociações, que consideram “escassas” as possibilidades de se alcançar um acordo para um cessar-fogo em Gaza, segundo relataram ao jornal israelita ‘Yedioth Ahronoth’. Nesta altura, acrescentaram, estão a ser levadas a cabo tentativas “quase desesperadas” para salvar o acordo e realizar uma cimeira no Cairo durante a próxima semana.

Para estas fontes, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, “sabotou gravemente” as hipóteses de realização deste encontro ao anunciar a aprovação de Israel à proposta de cessar-fogo e atirar a bola para o campo do Hamas, tendo em conta que o texto referido acomodou condições israelitas que são linhas vermelhas para o grupo paramilitar palestiniano, como a ocupação do corredor de Filadélfia, da passagem de Rafah e da junção de Netzarim.

Yossi Mekelberg, investigador do think-tank Chatham House, entende que Netanyahu estará a bloquear um acordo de cessar-fogo para assegurar a sua sobrevivência política, dado que os parceiros ultranacionalistas e de extrema-direita da sua coligação discordam do fim da guerra e já ameaçaram, por várias vezes, fazer cair o Governo.

“Este é provavelmente o maior medo [de Netanyahu] – perder a coligação e perder o cargo de primeiro-ministro”, declarou à Al Jazeera. Nesse sentido, defende Mekelberg, a principal prioridade do chefe do Governo israelita não é salvar os reféns, caso contrário “provavelmente já teria chegado a um acordo de cessar-fogo há algum tempo”.

O especialista refere, ainda, que a taxa de aceitação de Netanyahu melhorou substancialmente com o crescendo das tensões na região, “porque quanto mais ameaças surgem [do Irão e do Hezbollah], mais ele se posiciona como alguém que enfrenta essas ameaças”.

Por outro lado, Aluf Benn, chefe de redação do ‘Haaretz’, afirmou que o primeiro-ministro israelita está a “atrapalhar” as negociações porque tem como objetivo uma “ocupação progressiva” e “prolongada” da Faixa de Gaza.

Um outro funcionário israelita admitiu, ao jornal ‘The Times of Israel’, que mesmo que o Hamas dê o seu aval ao acordo para um cessar-fogo, a guerra vai prosseguir. “Claro que, se houver um acordo, haverá um abrandamento dos combates na primeira fase. Mas continuaremos a lutar até atingirmos todos os nossos objetivos de guerra”, declarou, fazendo eco do discurso do próprio Netanyahu, que rejeita um cessar-fogo permanente e vem insistindo na erradicação do Hamas.

A dúvida instalada entre os responsáveis israelitas contrasta largamente com o otimismo demonstrado pelos EUA. Linda Thomas-Greenfield, embaixadora norte-americana na ONU, assegurou ao Conselho de Segurança que “o acordo está próximo”, instando aquele órgão a pressionar o Hamas para que aceite a proposta.

Outras notícias que marcaram o dia:

As forças israelitas continuam a expandir as operações em Deir al-Balah e Khan Younis, no centro e sul de Gaza, respetivamente, e emitiram novas ordens de evacuação para várias zonas. Milhares de palestinianos foram forçados a fugir a pé com apenas alguns bens essenciais nas mãos, muitos deles depois de já terem sido deslocados várias vezes, relatou a Al Jazeera. Deir al-Balah tinha sido previamente designada como “zona humanitária” por Israel e estava sobrelotada. Uma parte substancial das infraestruturas sanitárias e de abastecimento de água da Faixa de Gaza estavam nas zonas agora sujeitas a evacuação, advertiu a UNRWA (Agência da ONU para os Refugiados Palestinianos).

⇒ Os seis reféns cujos corpos foram recuperados esta semana apresentavam ferimentos de bala, de acordo com os resultados preliminares da autópsia realizada pelo Instituto Forense Abu Kabir. A informação foi comunicada às famílias de Alex Dancyg, Yagev Buchstav, Chaim Peri, Yoram Metzger, Nadav Popplewell e Avraham Munder, mas as autoridades reiteraram que as conclusões são preliminares, não sendo possível ainda precisar as causas das mortes, escreveu o ‘The Times of Israel’.