Segundo o documento, esse lucro refere-se ao período entre 2008 e 2019. Na mesma altura, a indústria portuguesa teve lucros suplementares no mercado de carbono de quase mil milhões de euros.
O relatório foi feito pela consultora ambiental independente holandesa CE Delft e divulgado pela organização não governamental "Carbon Market Watch", com sede em Bruxelas e presente em mais de 60 países, que tem como missão assegurar que o preço do carbono e outras políticas climáticas reduzem a poluição e levam a uma transição justa.
A "Carbon Market Watch" tem a associação ambientalista portuguesa Zero como parceira, que em Portugal divulgou hoje o relatório sobre o aproveitamento das empresas do Comércio Europeu de Licenças de Emissão (CELE).
O CELE, como explica a Agência Europeia do Ambiente na sua página oficial, é um mecanismo de regulação das emissões de gases com efeito de estufa (GEE) em atividades que são responsáveis por cerca de 45% das emissões de GEE na União Europeia (como queima de combustíveis, refinação de óleos minerais, metalurgia, cerâmica ou pasta de papel, entre outros).
O CELE define limites de emissão de GEE e permite que as empresas negoceiem entre si as licenças emitidas, dentro do limite global atribuído. Uma empresa que reduza as suas emissões de GEE pode usar as licenças em excesso para cobrir as suas necessidades futuras ou vendê-las para que sejam usadas em outras instalações.
O relatório agora divulgado revela que as empresas, através do CELE, não só não pagam pelo que poluem como ainda têm lucros adicionais.
A investigação foi feita em 18 países da União Europeia (e Reino Unido), um deles Portugal, e indicou que a maioria dos lucros aconteceu na Alemanha, seguindo-se a Itália, a França e depois a Espanha. E as indústrias que mais lucraram foram as do ferro e aço, refinarias, cimento e petroquímica.
As empresas usam três mecanismos para obter lucros, segundo o documento divulgado hoje em Portugal pela Zero.
Receberam licenças de emissão gratuitas em excesso e venderam com lucro no mercado. Esse mecanismo rendeu no setor do cimento 3,1 mil milhões de euros e no setor petroquímico 600 milhões de euros.
Compraram compensações internacionais mais baratas (até 2020) para abater nas suas emissões e venderam licenças que lhes foram atribuídas gratuitamente com lucro no mercado. No setor do aço o mecanismo rendeu 850 milhões de euros e nas refinarias 630 milhões.
Ou passaram os custos das licenças de emissão, obtidas gratuitamente, para o preço dos produtos pago pelos consumidores. "Por exemplo, no setor de ferro e aço esse valor foi de 12 a 16 mil milhões de euros e no das refinarias 7 a 12 mil milhões de euros", lê-se no documento.
Em Portugal (por unidade de PIB é o terceiro país com mais lucros), indica o relatório, o total de lucros especulativos ascende a 975 mil milhões de euros no período de 2008 a 2019.
A maior parte desse dinheiro, 731 milhões de euros, foi obtido passando os custos implícitos para o consumidor (o terceiro mecanismo). A segunda maior fatia de lucros, 188 milhões de euros, foi obtido através da venda das licenças que receberam gratuitamente.
Em termos de empresas, ainda de acordo com o relatório, as que mais lucraram recorrendo a estes mecanismos são a Cimpor (315 milhões de euros), a Petrogal (236 milhões de euros) e a Secil (102 milhões de euros).
Esta situação mostra que há uma "falha no mercado no cerne de uma das principais políticas climáticas da Europa, que tem de ser corrigida", dizem as duas organizações, Zero e "Carbon Market Watch", salientando que as empresas têm de pagar por toda a poluição que geram e não poluir sem pagar e ainda "ser recompensadas por isso".
As organizações defendem que a União Europeia deve deixar de atribuir licenças gratuitas para poluir e em vez disso leiloá-las, investindo as receitas em ação climática.
As indústrias de uso intensivo de energia têm direito a licenças de emissão gratuitas porque alegam estar em desvantagem competitiva face a empresas de fora da União Europeia, em que o carbono não tem custos. E depois uma das coisas que fazem, segundo o estudo, é passar parte dos "custos" das licenças gratuitas para o preço dos produtos.
No documento salienta-se que as alocações gratuitas atribuídas a setores com um consumo intensivo de energia contrastam fortemente com o setor da produção de energia, que paga as suas licenças do CELE desde 2013, e que tem alcançado reduções significativas de emissões nos últimos anos.
As regras do CELE serão revistas este verão.
FP // MLS
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