A um mês das eleições legislativas, o Partido Socialista enfrenta um problema estrutural e profundo: perdeu o eleitorado jovem. As sondagens mostram um dado difícil de ignorar — entre os 18 e os 34 anos, o PS surge atrás da AD, do Chega, e até dos indecisos, de acordo com uma “sondagem das sondagens” publicada pela Rádio Renascença esta segunda-feira. Para um partido que governou quase uma década, que se apresenta como força de estabilidade e progresso, a falta de jovens deveria ser um alerta existencial. Não é apenas uma tendência, mas sim um sintoma.

O mais irónico? O PS tem, no papel, um currículo razoável de políticas dirigidas aos jovens: descontos nos transportes, estágios profissionais, creches gratuitas, incentivos ao arrendamento jovem, reforço do apoio à saúde mental. A intenção existe — mas não tem colado aos mais jovens. Chega tarde. Perde-se na burocracia. Parece desencontrada da vida de quem vive com rendas impossíveis, salários mínimos e uma ansiedade difusa e crónica.

O problema não é apenas o que o PS faz — é o que já não consegue representar.

Tudo indica que o eleitorado jovem decide mais tarde o seu sentido de voto — os dados mais recentes confirmam uma subida da percentagem de indecisos nesta faixa etária no último mês. Este cenário representa uma oportunidade, mas também um teste à capacidade de mobilização política.

O PS tem procurado responder com um conjunto de propostas direcionadas aos jovens, com foco na habitação, educação, emprego, fiscalidade e mobilidade.

Entre as medidas apresentadas, destaca-se a criação de instrumentos permanentes de financiamento para habitação pública acessível, especialmente para jovens deslocados, estudantes e classe média, com financiamento anual assegurado por parte dos dividendos da Caixa Geral de Depósitos.

A redução progressiva das propinas até à sua extinção, volta a ser uma prioridade, no prazo de uma década. A nível fiscal, a criação de um “Ano Zero” no IRS Jovem, garantindo isenção fiscal plena mesmo para quem entra no mercado de trabalho a meio do ano, sem penalizar trabalhadores-estudantes com rendimentos até 14 salários mínimos.

A área do emprego é fundamental, e o programa “Agentes da Mudança” visa a garantir o apoio à contratação de jovens qualificados em setores estratégicos como a transição digital e energética.

Contudo, hoje, a esquerda, e em particular o PS — é vista por muitos jovens como a voz do sistema. Sinónimo de poder, estabilidade… e imobilismo. Uma imagem impensável há dez anos, quando ser de esquerda significava estar do lado da mudança, da coragem política, da transformação social. Agora, essa energia evaporou-se. A esquerda soa institucional, cansada, previsível. E esse vazio simbólico foi rapidamente ocupado.

A direita soube aproveitar esse espaço. Hiperbolizada pelo fenómeno Trump e pelos movimentos globais de contestação antissistema, conquistou algo impensável: a rebeldia. Fez-se cool. Apropriou-se da linguagem do humor, da crítica mordaz, da ousadia performativa. Fez do TikTok, Twitch, X e Youtube campos de batalha. Não seduz tanto pelo conteúdo — mas pelo tom. Pela estética do contra, pelo apelo ao “eu contra todos”, pela ilusão da liberdade plena através do hiperindividualismo.

Enquanto isso, a esquerda ficou encurralada. Perdeu tração emocional. Não consegue traduzir os seus valores — comunidade, solidariedade, justiça social — em algo que mobilize, que emocione, que se torne parte da cultura popular. Parece distante, muitas vezes paternalista. Fala de forma programática num tempo que exige autenticidade. A política não vive só de soluções técnicas — vive de narrativas. E a esquerda, hoje, não está a contar nenhuma que os jovens queiram ouvir.

O desafio é gigantesco. E urgente. A esquerda precisa de recuperar a sua relevância cultural. Precisa de se reinventar, de falar de novo com honestidade, com frescura, com presença. Isso não se faz apenas com mais TikToks ou com jovens nas listas. Faz-se com ideias ousadas, rostos novos, coragem para mudar a forma como se comunica e, sobretudo, como se governa.

Este é o momento em que mais precisamos da esquerda. De uma esquerda capaz de inspirar, de mobilizar, de imaginar um futuro comum, num tempo em que tudo empurra para o isolamento e para o egoísmo. Precisamos de uma esquerda que saiba governar — sim — mas que também saiba emocionar. Que crie comunidade. Que transforme descontentamento em proposta, e proposta em ação. Que não tenha medo de ser popular. Que seja capaz de errar, de tentar, de fazer diferente.

Votar à esquerda, hoje, não é um ato de rotina. É um gesto de resistência lúcida. É dizer que não aceitamos o cinismo como destino, nem o ressentimento como resposta. É recusar as soluções fáceis da direita, mesmo quando parecem empacotadas com humor e estilo. É acreditar que a política ainda pode servir para unir, não para dividir. Que a empatia ainda tem lugar. E que no final do dia, o coletivo ainda importa.

Tudo começa com o voto. Mas não acaba aí. É tempo de escolher não só quem governa, mas que país queremos ser.