Perto de Sagitário A*, o buraco negro supermassivo no coração da Via Láctea, foi encontrada uma estrela binária. Esta é a primeira vez que um par de estrelas é detetado numa região tão extrema, onde as forças gravitacionais desafiam a estabilidade estelar.

A descoberta, publicada hoje na Nature Communications por uma equipa internacional de investigadores, foi possível graças a dados obtidos pelo Very Large Telescope (VLT) do Observatório Europeu do Sul (ESO). Além de revelar a existência de estrelas que podem sobreviver em condições tão adversas, a descoberta abre caminho à possibilidade de identificar planetas numa região aparentemente hostil.

“Os buracos negros não são tão destrutivos como pensávamos,” afirma Florian Peißker, investigador da Universidade de Colónia, na Alemanha e autor principal do estudo, no comunicado de imprensa.

Uma equipa internacional de investigadores detectou uma estrela binária próxima de Sagitário A*, o buraco negro supermassivo situado no centro da nossa galáxia.

Localização da estrela binária D9 na Via Láctea
Localização da estrela binária D9 na Via Láctea ESO/F. Peißker et al., S. Guisard

Sagitário A* (Sgr A* - pronuncia-se Sagitário A-estrela) é o buraco negro supermassivo que está no cento da nossa galáxia, na constelação de Sagitário e localizado a 27.000 anos-luz da Terra, no coração de nossa galáxia. Foi observado na década de 1990 e a sua presença foi comprovada em imagens em 2022.


Uma estrela binária no limiar da destruição

As estrelas binárias, sistemas em que duas estrelas orbitam uma em torno da outra, são comuns no Universo, mas até agora nenhuma tinha ainda sido encontrada perto de um buraco negro supermassivo, local onde a força da gravidade torna os sistemas estelares instáveis.

D9, nome dado à estrela binária recém-descoberta, foi detectada mesmo a tempo, revelam os astrónomos. Com apenas 2,7 milhões de anos, acredita-se que o sistema irá fundir-se numa única estrela em menos de um milhão de anos dada a forte força gravitacional do buraco negro.

Este facto faz com que tenhamos apenas uma breve janela, em termos de escalas de tempo cósmicas, para observar um tal sistema binário, o que nós conseguimos!” , diz Emma Bordier, coautora do estudo e investigadora da Universidade de Colónia .

A deteção de D9 sugere que afinal podem formar-se estrelas em condições tão adversas como a proximidade de um buraco negro.

O sistema D9 mostra sinais claros da presença de gás e poeira em torno das estrelas, o que sugere que estaremos na presença de um sistema estelar muito jovem que se deve ter formado na vizinhança do buraco negro supermassivo ”, explica o coautor Michal Zajaček, investigador da Universidade de Masaryk, na Chéquia, e da Universidade de Colónia.

O enigma dos objetos G

O sistem binário D9 foi descoberto no aglomerado S de estrelas e outros objetos, uma região densamente povoada que orbita Sagitário A*. Este aglomerado inclui os misteriosos objetos G, que intrigam os cientistas há anos. Estes corpos comportam-se como estrelas, mas apresentam características de nuvens de gás e poeira.

Foi ao estudar os objetos G que os investigadores detetaram um padrão inesperado no comportamento de D9. Dados recolhidos com o instrumentoERIS, montado noVLT, combinados com dados de arquivo do instrumentoSINFONI, revelaram variações recorrentes na velocidade de D9. Este padrão indicava que, afinal, não se tratava de uma única estrela, mas de duas em órbita uma da outra.

“Inicialmente, pensei que a minha análise estava errada,” admite Peißker. “Mas os dados, cobrindo 15 anos de observações, confirmaram que estávamos a ver o primeiro binário no aglomerado S”.

Nova teoria sobre objetos G

Esta descoberta lança também uma nova hipótese sobre os objetos G: a equipa propõe que estes objetos possam ser uma combinação de estrelas binárias que ainda não se fundiram com o material que sobrou de estrelas já fundidas.

Planetas no centro da Via Láctea?

A descoberta de D9 sugere que, além de estrelas jovens, planetas também poderiam formar-se perto de Sagitário A*.

A nossa descoberta permite-nos especular sobre a presença de planetas, uma vez que estes se formam frequentemente em torno de estrelas jovens. Parece-nos plausível que a deteção de planetas no centro da galáxia seja apenas uma questão de tempo ”, conclui Peißker.

Novos instrumentos, como o GRAVITY+doInterferómetro do VLT e oMETISdo Extremely Large Telescope (ELT) do ESO, prometem revolucionar as observações do centro galáctico.

A natureza precisa de muitos dos objetos que orbitam Sagitário A*, bem como a forma como se podem ter formado tão perto do buraco negro supermassivo, continuam a ser um mistério.