Tinha que ser no Catar, precisamente em Doha, o descalçar de mais uma bota da pezuda FIFA. Apanhada na auto-imposta curva de ter inventado, para a mesma época, uma nova cara para o Mundial de Clubes e obrigada a retroceder a prova original até ao nome que durante anos teve, a conveniência forçou-lhe a ação. Nesta terça-feira, véspera da final da velhinha Taça Intercontinental, mas rebatizada como tal a bem da prova que se jogará entre junho e julho para que não haja, cruzes credo, um verão sem futebol, houve a gala dos prémios The Best em versão apressada.
Quando Gianni Infantino apareceu sorridente, como não, em palco pela terceira vez na noite para ser ele, o presidente da FIFA, a fazer as honras de abrir o envelope mais valioso e em concomitância o mais previsível. Quando leu o nome de Vinícius Júnior e soltou um “parabéns” em português, a noite tinha a sua versão muito própria de clímax, um apogeu muito meh, assim mesmo onomatopaico, pois até que ponto era fazível inflacionar de entusiasmo uma cerimónia cujo maior galardão tinha um vencedor tão expectável quanto previsível?
Vestido a rigor formal, o talentoso jogador brasileiro do Real Madrid caminho para o palco, encostou cada bochecha sua às de Infantino no meio de um abraço, recebeu o troféu, olhou para ele por um segundo e coube-lhe falar. “Nem sei por onde começar, era tão distante que parecia impossível chegar aqui”, começou. “Era uma criança que jogava descalça nas ruas, perto da pobreza e do crime, chegar aqui é muito importante para mim, estou a fazê-lo por muitas crianças”, completou o endiabrado driblador que distribuiu obrigados e deixou um desejo: “Quero continuar por muito tempo no Real Madrid, o melhor clube do mundo.” O mesmo clube que há meses fez pirraça.
Aquando da gala da Bola de Ouro, em outubro, correram muitas palavras sobre a desfeita que aos olhos de Florentino Pérez virou afronta quando, supostamente, o clube soube que o vencedor da distinção mais prestigiante, reconhecida e afamada do futebol não iria para Vinícius Júnior. Nenhum jogador do Real se aperaltou para ir à cerimónia no que ficou percecionado como um amuo coletivo perante o prémio ter calhado a Rodri Hernández, médio espanhol do Manchester City.
Passaram uns meses, passaram os aborrecimentos, passou o Real Madrid a querer estar numa gala que calhou, por coincidência, ser na terra onde vai disputar uma competição.
Nesta cerimónia, a distinção inaugural calhou a Alejandro Garnacho, o pontapé acrobático com que marcou um bestial golo pelo Manchester United a ser votado o melhor de 2024. Ao longe, do frio de Inglaterra, gravou um vídeo para agradecer o Prémio Puskás com cara de pouco ou quase nenhum entusiasmo. Pouco antes, assistiu-se a outra gravação, captada na entrada de um hotel algures em Doha, com Carlo Ancelotti em manga curta, na cavaqueira com Arsène Wenger, hoje assalariado da FIFA enquanto chefe para o Desenvolvimento Global do Futebol, cada um a esticar o braço para cumprimentar os jogadores do Real Madrid que por ali iam desembocando.
Um momento lúdico de constatação de passou-bens, caso houvesse dúvidas da razão de ser desta gala feita um quanto à pressa - constrangedor foi o corte abrupto e antes de tempo do vídeo de Alyssa Naeher, logo no início, quando a americana agradecia algures em Chicago, onde joga pelos Red Stars, a distinção de melhor guardiã de balizas do ano. Ou de Farra Williams, internacional inglesa chamada ao palco para ser a cicerone de apresentação de outro prémio, chegar ao palco, darem-lhe o microfone e limitar-se a dizer “e as nomeadas são”.
Seguindo, os vencedores sucederam-se numa cerimónia insonsa não sem que antes Gianni Infantino, o inaugurador de qualquer evento com selo FIFA, dar as boas-vindas no serão explicando aos incultos ou incautos, fosse a distração espreitar, de que “se querem saber quem é o melhor jogador do mundo, têm de saber pela FIFA”. Mais um finca-pé do presidente da entidade que entre 2010 e 2016 partilhou o patrocínio da Bola de Ouro, mais antiga das distinções individuais no futebol, com a revista France Football, separando depois as águas e criando o seu próprio prémio do zero. Ao contrário dos galardões, o prestígio não se funda por decreto.
Na toada de uma noite vaticinada à falta de surpresas, o Prémio Marta ficou condizentemente com Marta, lenda brasileira que logo se completou a ela própria no futebol e, aos 38 anos, ainda está para as curvas de marcar o golo do ano. A melhor jogadora, com Infantino de novo em palco a domar o microfone, foi Aitana Bonmatí, repetindo com o hipnotismo sob o qual domina a bola a vitória de 2023. Apareceria o saudoso Pepe, engravatado e de fatiota, para ser mais um a proclamar um vencedor com o menor número de palavras possível - no caso, Guilherme Gandra, rapaz brasileiro que torce pelo Vasco da Gama e sofre de uma doença rara de pele, distinguido como o Adepto do Ano.
Os prémios sucederam-se diligentemente, sem veleidades ou demoras, até uma pessoa galardoada calhar estar lá. Para espanto de ninguém, o primeiro a destoar das caras agradecidas a revezarem-se no ecrã gigante e a surgir em palco foi Carlo Ancelotti, eleito melhor treinador do ano pelo que voltou a fazer no Real Madrid e no futebol europeu, onde “após 48 anos” se congratulou por “ainda estar vivo”. Seu foi o discurso mais longo da noite, presencial ou longínquo, o mais bem-disposto também, vindo de um homem cuja aparente leveza na vida e por arrasto na sua profissão o têm cimentado no carinho do futebol.
Ele e Vinícius Júnior foram os únicos galardoados a marcarem presença física no evento. Quando imagens do evento começaram a circular, viu-se que Florentino Pérez lá estava, igualmente a posar para fotografias numa cerimónia que, pelo sorriso na sua cara, lhe terá agradado. A gala da FIFA para os seus prémios The Best bateu quase certo na hora de duração, sem protelamentos ou entusiasmos de maior. Pelo meio, houve distinções para o que o futebol sempre foi, um esforço coletivo, traduzido nas distinções para as equipas do ano.
Equipa masculina do ano: Emiliano Martínez; Dani Carvajal, Rúben Dias, Antonio Rüdiger e William Saliba; Toni Kroos, Rodri e Jude Bellingham; Vinícius Júnior, Erling Haaland e Lamine Yamal.
Treinador do ano: Carlo Ancelotti (Real Madrid)
Equipa feminina do ano: Alyssa Naeher; Ona Battle, Naomi Girma, Irene Paredes e Lucy Bronze; Patri Guijarro, Aitana Bonmatí, Lindsey Horan e Gabi Portilho; Salma Parajuello e Caroline Graham Hansen.
Treinadora do ano: Emma Hayes (seleção dos EUA)