A menos de um ano de autárquicas, e com o partido a sofrer uma erosão eleitoral acentuada, o secretário-geral do PCP repetiu um apelo para que os chamados “renovadores” regressem ao partido, considerando que perante a situação em que o país está "todos são bem-vindos", independentemente das opções que tomaram no passado. Em entrevista à Lusa antes do XXII Congresso, que se realiza a 13, 14 e 15 de dezembro, em Almada - o primeiro em que participa como líder dos comunistas -, Paulo Raimundo defendeu que esse apelo feito há dois anos contribuiu para "movimentos interessantes de gente a reaproximar-se", a envolver-se de forma organizada, "como independentes, como apoiantes", sobretudo no quadro da CDU nas eleições legislativas e europeias.

"Alguns deles vieram ao partido, outros não, mas penso que foi um contributo", afirmou. Sobre o regresso dos chamados renovadores, sublinhando o que dissera ao ser eleito secretário-geral pelo Comité Central, quando o partido organizou uma conferência nacional, e apelou a que todos os que viessem para o combate "eram bem-vindos".

"Independentemente das opções que tomaram há 10 anos, 15 anos, na semana passada. Todos aqueles que viessem para este combate eram bem-vindos. Fiz esse apelo, renovei-o entretanto, renovo-o aqui hoje. Aproveito a oportunidade. Aliás, hoje se calhar até de forma mais viva, porque hoje é mais evidente para essa gente toda o que nós dizíamos há dois anos e que se estava a trilhar", sustentou.

Paulo Raimundo, que viveu a discussão interna que opôs ortodoxos e renovadores e a considera "uma escola de formação política, ideológica, de combate", recusou, contudo, o termo renovador e faz questão de apontar que "houve razões muito diferenciadas pelas quais alguma gente saiu do partido".

"Umas por opções de fundo, porque queriam um partido diferente, uma opção. Outras porque foram arrastadas nesse processo. Outras até por questões, às vezes, que surgiram em debates mais acalorados que, de um momento para o outro, passaram a ser questões a roçar as questões pessoais e não tanto só políticas", ilustrou.

"Não dá para classificar de uma forma a opção porque é que o A, B ou C saiu nessa terminologia de renovador ou não renovador. Porque aqui queremos todos andar para a frente", acrescentou.

A crise interna que se acentuou nas vésperas do Congresso de 2000 opôs os que defendiam a abertura do partido e novos métodos de funcionamento e aqueles, que ficaram conhecidos como ortodoxos, que defendiam a manutenção do centralismo democrático e da matriz marxista-leninista. Nesse debate interno, com momentos dramáticos, foram instaurados processos disciplinares a alguns dos rostos mais conhecidos do movimento pela renovação do PCP, como Edgar Correia e João Amaral, já falecidos.

Partido não fez "tudo ao seu alcance" para diminuir “perceções erradas”

Na mesma entrevista à Lusa, o secretário-geral do PCP admitiu ainda que o partido não fez "tudo ao seu alcance" para diminuir "perceções erradas" que existem sobre os seus posicionamentos a nível internacional e prometeu procurar encontrar novas formulações para as mitigar. Paulo Raimundo diz que o partido "não enfia a cabeça na areia" e reconhece que "não fez tudo bem" nas eleições que disputou no último ano, em que perdeu sempre eleitores, com exceção das regionais na Madeira nos Açores.

No entanto, o dirigente comunista considerou que também "seria injusto atribuir apenas ao PCP a responsabilidade" pelos resultados eleitorais, perguntando o que é que mudou na postura do partido que explique que tenha conseguido aumentar o seu eleitorado na Madeira e nos Açores, mas não o tenha feito nas legislativas e nas europeias.

"Foi por causa dos candidatos? Acho que não, acho que os nossos candidatos ao Parlamento Europeu e à Assembleia da República (...) não ficam atrás de nenhum dos outros partidos desse ponto de vista. É por causa do nosso projeto? Ou é a perceção?", perguntou, considerando que "há aspetos de perceção sobre o PCP que não ajudam".

"Também é justo sublinhar que talvez nós não tenhamos feito tudo ao nosso alcance para diminuir essa perceção que eu acho que é errada sobre o PCP", admitiu, frisando que o partido precisa de "encontrar as formulações e as formas de não contribuir para aumentar essa perceção errada".

Instado a esclarecer quais são essas perceções, Raimundo salientou que, por exemplo, "generalizou-se a ideia de que o PCP é pela guerra e, como se não bastasse isso, ainda é apoiante do Putin e outras abstrusidades desse tipo".

"Isso é uma perceção que não tem nenhuma razão de ser, pelo contrário. Aliás, se há partido que é pela paz, desde sempre, é o PCP", afirmou, garantindo que o partido vai fazer "tudo o que estiver ao seu alcance para não alimentar essa perceção errada".

"Às vezes são pequenas coisas e temos de fazer melhor, não tenho dúvida", afirmou, reconhecendo também que "há desafios novos aos quais é preciso dar respostas novas", o que o PCP ainda não conseguiu fazer. "Mas eu acho que não se devia menosprezar a dimensão da ofensiva" de que o PCP é alvo, acrescentou.

Sobre a posição do PCP relativamente à guerra na Ucrânia, Raimundo foi questionado se considera que a paz deve passar pela perda de território ucraniano para além da Crimeia, respondendo que "a paz só se pode fazer juntando à mesa aqueles que intervêm na guerra".

"À cabeça: a Rússia, os Estados Unidos, a NATO, a União Europeia e a Ucrânia", disse, afirmando que não sabe qual deve ser o conteúdo de uma "solução política" para esse conflito.

"A única coisa que sei é que é a única solução que se impõe e já devia ter sido. Porque nós podemos chegar a uma situação em que (...) depois de milhares e milhares de mortos e de feridos, de regiões totalmente destruídas, a solução que se encontra é aquela que se poderia ter encontrado sem um único tiro dado neste conflito. Isso é que seria ter desperdiçado meios, recursos e, acima de tudo, vidas humanas", disse.

Interrogado se acha que a eleição de Donald Trump - que prometeu acabar com o conflito em 24 horas - pode ser benéfica para o fim da guerra, Paulo Raimundo respondeu: "Acho que a eleição de Trump não é benéfica para nada".

"E acho que nos deve fazer pensar a todos, porque ele é eleito a partir do quê? Do discurso fácil, da mentira, de um projeto profundamente reacionário. Mas isso só ganha força porquê? Porque há um conjunto de problemas do ponto de vista social e económico que não tiveram resposta e ganham respaldo naquele discurso. E isso é um aviso", disse.

CDU recusa ficar-se pela manutenção das 19 câmaras municipais e quer disputar Loures

Paulo Raimundo, assumiu também que o PCP vai disputar novas autarquias nas eleições de 2025, incluindo Loures, recusando concentrar todas as forças na manutenção das atuais 19 presidências de câmara da CDU. "Com os pés no chão, mas muito confiantes para a batalha, arrisco-me a dizer que nós vamos disputar novas presidências de câmara. Estas 19, vamos fazer tudo por tudo para as continuar e reforçar. Vamos ver o que acontece. Não vamos concentrar as nossas forças todas nessas 19. Nós vamos disputar novas autarquias", afirmou Paulo Raimundo.

Em 11 das atuais 19 câmaras governadas pela CDU, incluindo Évora, os presidentes atingem o limite de três mandatos consecutivos em que podem candidatar-se. Nas eleições de setembro de 2021, a CDU confirmou a sua tendência decrescente em eleições autárquicas: depois de ter obtido o seu pior resultado de sempre em 2017 — com a perda de 10 câmaras municipais, passando a ter 24 —, perdeu outras 5, ficando com a presidência de 19 municípios e largando a mão de bastiões que lhe pertenciam desde 1976, como Mora, Montemor-o-Novo (distrito de Évora) e Moita (Setúbal).

Sobre Setúbal, uma das duas capitais de distrito que governam, a par de Évora, Paulo Raimundo não quis responder se a candidatura da ex-CDU Maria das Dores Meira como independente vai dividir o eleitorado: "Vamos ver como é que o eleitorado vai partir".