Nos últimos anos, o poder, em Bruxelas, tem estado sobretudo na Comissão. E vai continuar a estar. Até porque no Conselho (onde estão os governos) faltam lideranças fortes e estáveis nos países mais importantes (sim, todos os países são iguais, mais há uns mais iguais que os outros). À excepção de Itália.

Na Comissão, o poder está hiper-concentrado no 13º andar do Berlaymont, onde está a presidente da Comissão e o seu super poderoso chefe de gabinete, Bjoern Seibert. E vai continuar ali. As pastas e competências foram distribuídas pelos Comissários de maneira a criar tantas zonas de sobreposição e potencial conflito que tudo terá de ser decidido pela Presidente Von der Leyen.

O Conselho, leia-se os Estados membros, não acha muita graça a este excesso de poder, mas não teve, até agora, como o travar. Veremos como serão as relações entre Úrsula e António Costa. Começam amistosas e com sorrisos. Mas a sinceridade é duvidosa. Uma Europa mais forte não implica necessariamente uma Comissão Europeia muito mais forte, mas é o que tem acontecido. E os Estados não são sinceros quando dizem que querem mais Europa. Nem sempre querem. E menos ainda uma Comissão que mande em si.

António Costa é dos socialistas que mais conta, até porque é dos poucos à volta da mesa no Conselho Europeu. E vão ser menos ainda, quando não houver socialistas alemães à mesa do Conselho. Nem italianos, nem franceses, nem espanhóis (quando isso acontecer), nem belgas, neerlandeses ou luxemburgueses. O que significa que daqui a menos de um ano os Socialistas podem olhar para a Comissão e para o Conselho e sentirem que são parte da oposição, não do governo da Europa. Isso seria uma enorme alteração das circunstâncias políticas europeias.

No Parlamento Europeu a situação não é mais tradicional. O Partido Popular Europeu (PPE) não manda em nenhum dos grandes países anteriores ao alargamento de 2004. Não governa na Alemanha (por enquanto), em França, em Itália ou em Espanha (por enquanto, acham os PPEs há vários anos), mas sem eles não há maioria (coerente) no Parlamento Europeu.

Do lado dos Liberais europeus, que em alguns anos e temas faziam toda a diferença, França perde peso. E no Parlamento já não decidem para que lado a balança tomba. Mas estão suficientemente ao meio para poderem ter as propostas que reúnam mais apoios. Dependerá do caminho que decidam seguir.

A esquerda queria que os conservadores de Meloni (mas do PiS polaco também. E em tempos dos conservadores britânicos) fossem proscritos dos acordos políticos. Não foram. O PPE salvou a Vice-presidência do comissário italiano para poder ter os Conservadores como legítimos aliados em algumas votações. Mas sem os votos dos que ficam à direita dos Conservadores, esse apoio dificilmente será suficiente para construir maiorias sem o centro e o centro-esquerda. E até pode não haver maiorias nenhumas e o Parlamento entrar em bloqueio.

Não haverá à esquerda, porque Liberais, Socialistas e Verdes querem que o PPE ceda muito mais do que o maior partido está disposto a ceder. Mas também não haverá com o outro lado, porque os partidos à direita dos Conservadores não fizeram parte das maiorias que elegeram Von der Leyen, Metsola e o colégio de Comissários, nem quiseram fazer. Podem ajudar a viabilizar propostas do PPE que Liberais, Socialistas e Verdes não estejam dispostos a aprovar, como já aconteceu, mas os partidos à direita do PPE concordam com o PPE sobretudo em discordar da esquerda. Sobre a Europa concordam em muito pouco.

Nas políticas, depois de Sustentabilidade, de Crescimento e Emprego, de Transição Verde e Digital, a palavra chave é Competitividade. Tudo tem de contribuir para a competitividade. E, consequentemente, para a (re)industrialização. E tem de continuar a contribuir para descarbonizar. Mas já não se diz verde, é limpo. O grande desígnio, agora, é o Clean Industrial Deal. Reindustrializar sem sujar nem cheirar mal. E mantendo empregos. Protegendo e subsidiando a economia europeia. Com a indústria automóvel em destruição e as expectativas de liderança nas novas indústrias da economia verde, como as baterias, de rastos, as perspectivas não são luminosas.

A Bíblia da Fé na Competitividade é o Relatório de Mario Draghi. Mas cada um escolherá as passagens que professa. De resto, o risco de contradição é grande. A Europa de Draghi precisaria de muito dinheiro europeu, que não é fácil fazer aparecer, de despesa pública europeia mas déficits controlados, de investimento na defesa e de mais europeização que os governos e partidos nacionais não parecem estar com vontade que aconteça. E de uma Alemanha que não estivesse em crise, e uma França que não tivesse as contas públicas espatifadas. E de uma situação na Ucrânia resolvida. A favor dos ucranianos e da Europa. Pelo menos não contra. E de uma relação com os Estados Unidos que não fosse de total e permanente guerra comercial e política. E assim começa o novo ciclo político europeu.