Conhecido pelo seu trabalho de promoção de práticas de seguros sustentáveis, Butch Bacani lidera esta área no Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA) e tem trabalhado para a construção de comunidades e economias mais resilientes, inclusivas e sustentáveis no quadro dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável do Acordo de Paris sobre alterações climáticas e da Iniciativa para a Redução do Risco de Catástrofes.

Como diretor desta área no PNUA, Bacani esteve em Lisboa esta semana para o lançamento do “Impact Center for Climate Change” (ICCC), um centro dedicado ao estudo das alterações climáticas, com o objetivo de mitigar riscos e propor adaptações perante os cenários de eventos extremos, como a subida do nível do mar, inundações, secas, ondas de calor ou incêndios.

O projeto da Fidelidade, conta com um investimento de cinco milhões de euros para os próximos cinco anos, e foi lançado na segunda-feira, no Pavilhão do Conhecimento. O ICCC envolve parcerias com universidades, centros de investigação, entidades públicas e privadas e consórcios internacionais e pretende desenvolver conhecimento científico sobre as alterações climáticas e o seu impacto na sociedade, em particular no sector segurador.

Em entrevista ao Expresso, Butch Bacani falou sobre este centro, de cujo conselho consultivo faz parte, e da realidade global das alterações climáticas e da gestão de risco.

Com a pandemia de Covid 19 e as guerras em curso, considera que as alterações climáticas deixaram de estar sob os holofotes mediáticos e da atenção das pessoas?
Olhando para o aqui e agora é certo que há acontecimentos que estão a ocupar a mente das pessoas. Mas percebemos que as alterações climáticas estão a afetar cada vez mais a humanidade em termos de perdas económicas e sociais. Vemos isso no meu país natal, as Filipinas, ou nos Estados Unidos, com os furacões recentes, ou com os incêndios em Portugal. Há eventos extremos a chamar a atenção das pessoas e há uma linha muito clara traçada pela ciência sobre o que estamos a viver e as ações necessárias a ter, como as definidas no Acordo de Paris.

Referiu que a ciência é “amoral”, depende apenas de factos, mesmo que ainda haja quem negue as alterações climáticas (como há quem negue a lei da gravidade). É o medo que impede a constatação do risco?
Sendo amoral, a ciência não está preocupada com a correção ou a bondade de nada. Limita-se a relatar os factos. E, neste momento, a ciência diz-nos que estamos a atingir vários limites planetários. Também diz que há duas coisas que tornam possível a vida no nosso planeta: um clima estável e uma biodiversidade rica. Pode haver um certo pânico das pessoas, mas somos a primeira geração a descobrir que a verdadeira causa das alterações climáticas é a atividade humana e somos a última geração a poder fazer alguma coisa em relação a isso. Se não atuarmos com base na ciência, com a urgência e a ambição necessárias, será muito difícil as gerações futuras terem a mesma qualidade de vida que nós temos agora.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, tem alertado para o risco de continuarmos a acelerar na “autoestrada para o inferno”. Apesar de os dirigentes políticos e económicos assumirem a importância de agir, a ação continua lenta e com retrocessos. Quando é que as ações valem mais do que as palavras?
Todos podemos fazer mais. O que a ONU mostra é que, para resolvermos problemas globais, necessitamos de soluções globais e uma das respostas a isso é o multilateralismo, a solidariedade com todos à volta da mesa. Vemos crescer o compromisso em alcançar “emissões líquidas nulas” (“Net zero”) em todo o mundo. Quando avançamos na adaptação e na mitigação temos de pensar nas gerações presentes e futuras e a ação tem que falar mais alto do que as palavras. Na cimeira do clima do ano passado, no Dubai, pela primeira vez ficou escrito que precisamos de fazer a transição dos combustíveis fósseis. E isso é importante.

Não estamos a fazer o suficiente para lidar com as alterações climáticas e a perda de natureza e podemos fazer muito mais.

Foram precisas três décadas para pôr no papel essas palavras.
Estas palavras são um sinal importante sobre o que temos de fazer a nível global. Estamos a falar de uma questão geracional perante a qual precisamos de ter uma visão a longo prazo. Mas é verdade que, perante o que observamos, não estamos a fazer o suficiente para lidar com as alterações climáticas e a perda de natureza e podemos fazer muito mais. É urgente agir com ambição e visão. E por isso é tão importante o conceito de equidade intergeracional, a pensar nas gerações futuras. Perante esse sinal, muitos países e empresas do sector privado, incluindo instituições financeiras como as companhias de seguros, estão agora a dizer que têm a ambição de chegar a emissões líquidas zero até 2050.

São reais essas ambições ou mero “greenwashing”?
Há empresas a adaptar o seu modelo de negócio à transição global para uma economia sustentável que lhes permitirá não só sobreviver, como prosperar num mundo diferente. Estamos a passar de um mundo com elevado teor de carbono para um mundo com emissões líquidas nulas. E mesmo nessa linha temos também de nos adaptar aos impactos das alterações climáticas e estas já estão a acontecer.

Globalmente, as emissões de gases com efeito de estufa têm continuado a subir, e dificilmente cumpriremos a meta de 1,5 °C. Não agimos o suficiente na mitigação nem na adaptação?
É verdade. Por isso, cada fração de grau importa em termos de vidas, de modos de vida e de perda de ativos. Um estudo recente mostra que todos os países do V20 (em desenvolvimento) já perderam cerca um quinto do seu PIB coletivo, nas últimas duas décadas devido à crise climática, que perpetua a crise da dívida. Quanto mais se tem de reconstruir infraestruturas, como pontes, estradas e meios de subsistência, mais se tem de pedir emprestado. É um ciclo vicioso, particularmente para muitos países do sul global que foram os que menos contribuíram para as emissões.

As companhias de seguros também ganham com isso.
Nas Filipinas foram feitos seguros inclusivos ou microsseguros para comunidades de baixo rendimento. Uma só empresa segurou mais de 20% da população mais pobre, num país com mais de 110 milhões de pessoas. É um exemplo bom de como a inclusão financeira pode ajudar as comunidades de baixos rendimentos a serem mais resistentes aos impactos das alterações climáticas e a poderem continuar a subir a escada do desenvolvimento.

Há uma grande diferença entre as perdas económicas e as perdas seguradas provocadas pelas alterações climáticas

Os eventos extremos custaram 16 milhões de dólares por hora nos últimos 20 anos. Há fortes lacunas entre o que se perde e o que está segurado?
Sabemos que há uma grande diferença entre as perdas económicas e as perdas seguradas provocadas pelas alterações climáticas. E os custos são maiores porque não nos estamos a adaptar a fenómenos extremos mais intensos e precisamos de nos adaptar, tendo em conta a exposição e a vulnerabilidade. Se as pessoas não forem resilientes aos impactos físicos da crise climática haverá perdas e mortes.

O que se pode fazer para aumentar a resiliência e reduzir a vulnerabilidade?
Podemos fazer muitas coisas, como ter sistemas de alerta precoce, certificarmo-nos de que há proteção contra inundações, garantir que o planeamento e a gestão da utilização dos solos são sustentáveis, que não se constrói em zonas inundáveis. Se for agricultor, pode fazer a rotação de culturas para que, em caso de seca, ter culturas resistentes mesmo em situações extremas. E precisamos de considerar a preparação para a saúde humana, tanto física como mental para reduzir a mortalidade e a morbilidade a ondas de calor, por exemplo.


Se as seguradoras fixarem os preços com base no nível de exposição ao risco, o custo do seguro aumenta ou torna-se proibitivo

O que é que a indústria seguradora pode fazer em casos como construção em zonas inundáveis, na linha costeira ou ribeirinha?
A atividade principal do sector dos seguros é gerir o risco e todo o modelo de negócio se baseia na compreensão do risco, seja para a saúde, para as infraestruturas, ou para a economia. O risco residual é o que está coberto pelo seguro. Se as seguradoras fixarem os preços com base no nível de exposição ao risco, o custo do seguro aumenta ou torna-se proibitivo. Se for inacessível, mostra que não é um risco segurável.

Então, quem é que vai suportar as perdas?
Serão os governos e os contribuintes. No sector dos seguros existe um mecanismo de mercado privado para distribuir o risco, que de outra forma seria suportado pelos governos que funcionam como último recurso.

Apenas um terço das perdas económicas causadas por eventos climáticos extremos na Europa têm cobertura de seguro e em Portugal baixa para um quinto. As companhias de seguros não seguram porque começaram a perder dinheiro?
Sim e não. Depende do que quer dizer com perder dinheiro e quando. Com todos estes acontecimentos extremos no mundo, as seguradoras estão a ver a tendência e podem ajustar os seus preços cobrando mais na renovação da apólice. A indústria seguradora está a adaptar-se aos riscos crescentes associados às alterações climáticas e a alterar o seu modelo de negócio, defendendo a mudança no planeamento e utilização dos solos, nas normas de construção, nos sistemas de alerta precoce, de modo a que os seguros se tornem acessíveis. Foi o que aconteceu quando impuseram os cintos de segurança nos carros e se reduziu a mortalidade nos acidentes.

Qual é o papel do Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA) nesta adaptação do sector dos seguros?
O nosso papel foi criar a maior iniciativa de colaboração com a indústria seguradora global e envolvemos já perto de 300 organizações em todo o mundo, incluindo a Fidelidade. Queremos utilizar os seguros e os investimentos como uma alavanca para ajudar a descarbonizar a economia real e chegar a emissões líquidas zero, por exemplo segurando investimentos em energias renováveis e outras soluções para concretizar a transição. Todas as partes, quer sejam do sector público ou privado ou da sociedade civil, têm um papel a desempenhar.

O lançamento do Impact Center on Climate Change pela Fidelidade é um bom sinal?
É um dos bons sinais do que uma companhia de seguros pode fazer nas suas esferas de influência para promover a mudança junto do sector, dos corretores, dos resseguradores, dos reguladores e dos governos responsáveis pelas políticas públicas.

A sociedade pode desconfiar das boas intenções das seguradoras, sobretudo com tantas letras pequeninas nos contratos?
É por isso que a responsabilização e a transparência fazem parte dos princípios de sustentabilidade. Uma boa governança é importante e não se pode fazer “greenwashing”. Sem uma estratégia de sustentabilidade clara e coerente não serão apenas as letras pequeninas que levam à desconfiança. Há cada vez mais estudos a demonstrar que os jovens não querem trabalhar com empresas sem uma estratégia de sustentabilidade que garanta soluções para um planeta mais sustentável.