Manuela Pintado, investigadora e diretora do Centro de Biotecnologia e Química Fina (CBQF), conta, em entrevista ao SAPO, como as proteínas alternativas têm feito caminho, num mundo com população e preocupações ambientais crescentes. E se a sustentabilidade é uma meta, há já muito investimento a dar vida a alimentos criados a partir de insetos, algas, plantas e fungos.
Pioneira em Portugal no ensino da Análise Sensorial e na sua aplicação ao desenvolvimento de novos produtos alimentares e bebidas, aos 40 anos de vida, a Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica Portuguesa tem contribuído com investigação aplicada e estudos fundamentais em colaboração com a indústria e em parcerias internacionais através do Centro de Biotecnologia e Química Fina. Sendo a CATÓLICA-LISBON School of Business and Economics líder na investigação fundamental e aplicada em comportamento do consumidor em Portugal, com destaque para os estudos e projetos nacionais e internacionais desenvolvidos na área do comportamento alimentar no seu Food Behaviour Lab, a escola marca ainda estas quatro décadas a fazer a diferença nesta área com mais uma conquista: a apresentação pela Royal Society of Chemistry do Reino Unido do livro "Sensory Evaluation and Consumer Acceptance of New Food Products".
O SAPO quis saber de que forma se faz a investigação nesta área e como as novas proteínas têm ajudado a criar produtos alimentares. Em entrevista, Manuela Pintado, investigadora e diretora do Centro de Biotecnologia e Química Fina (CBQF), docente e diretora adjunta para a investigação da Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica Portuguesa, conta como se produzem e o papel fundamental que podem ter num momento em que a sustentabilidade e o crescimento da população mundial são desafios.
Como é que surgiram estas novas proteínas?
A crescente procura global por alimentos, juntamente com a escassez de recursos naturais, tem impulsionado o desenvolvimento de proteínas alternativas, como as de origem vegetal, insetos, micro-organismos e carne cultivada, para assegurar a segurança alimentar e minimizar os impactos ambientais da produção alimentar convencional.
É então uma resposta às necessidades alimentares crescentes de uma população mundial que se estima atinja 8,5 mil milhões de pessoas, em 2030?
Sim, as novas proteínas alternativas, como as provenientes de plantas, insetos, micro-organismos (sobretudo microproteína), carne cultivada e marinhas, têm sido propostas como uma solução sustentável para garantir a segurança alimentar à medida que os recursos naturais se tornam mais escassos. No entanto, apesar dos benefícios ambientais comprovados das proteínas vegetais, de insetos e marinhas, os impactos das proteínas derivadas de alguns microorganismos e da carne cultivada ainda não foram totalmente avaliados, o que levanta desafios no desenvolvimento de produtos alternativos com perfis nutricionais e sensoriais semelhantes aos convencionais. A falta de avaliações de segurança completas e diretrizes regulamentares claras continua a dificultar o progresso na adoção de proteínas alternativas, o que é essencial para alcançar um sistema alimentar global mais sustentável.
Em Portugal há boa aceitação deste tipo de produtos?
No mercado português, o uso de proteínas alternativas está a crescer, abrangendo várias fontes inovadoras, como proteínas vegetais, de insetos, microproteínas e marinhas. As proteínas vegetais, provenientes de leguminosas, cereais e outras plantas, têm vindo a ganhar destaque em produtos como hambúrgueres, snacks e bebidas. As proteínas de insetos, ainda em fase de expansão, já começam a ser utilizadas em alimentos como barras energéticas, farinhas e suplementos alimentares, devido à sua elevada concentração de proteínas e baixo impacto ambiental. As microproteínas, extraídas de microrganismos, também são uma tendência crescente, sendo usadas em produtos alimentares como alternativas à carne tradicional, incluindo proteínas para substitutos de carne e bebidas vegetais.
Há mais tipos de novos produtos alimentares e bebidas?
As proteínas marinhas, extraídas de algas e outros organismos marinhos, estão a ser exploradas em produtos como snacks, pastas e bebidas, oferecendo uma alternativa rica em nutrientes essenciais e com propriedades benéficas para a saúde. Estas fontes de proteínas estão a ser cada vez mais valorizadas pela sua contribuição para a sustentabilidade alimentar, ao reduzir a dependência de recursos terrestres e a pegada ecológica dos produtos. Ao mesmo tempo, a carne cultivada, especialmente em países como Singapura, já começa a ser comercializada em forma de frango cultivado, trazendo uma nova abordagem para o consumo de proteínas animais de forma ética e sustentável. No entanto, na União Europeia, a carne cultivada ainda não foi aprovada, embora esteja a ser avaliada para aprovação futura.
E que papel tem assumido, nessa revolução alimentar, o Centro de Biotecnologia e Química Fina (CBQF) da Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica Portuguesa?
O Centro destaca-se pela investigação em proteínas alternativas, abrangendo diferentes fontes como leguminosas, leveduras, algas, microalgas, insetos e de fungos (micoproteínas). Estas proteínas são estudadas pelas suas propriedades nutricionais, funcionais e aplicações alimentares e impacto ambiental. No caso das leguminosas (ervilhas, soja, feijão-de-lima), os resultados têm-se focado no desenvolvimento de análogos de carne e bebidas vegetais, enfrentando desafios de digestibilidade e perfil sensorial. As leveduras, frequentemente aproveitadas como subprodutos industriais, são transformadas em ingredientes funcionais ricos em proteínas e sua aplicação em alimentos. Os estudos sobre microalgas, como Chlorella e Spirulina entre outras, sublinham a sua riqueza nutricional e versatilidade, com aplicações em suplementos e snacks funcionais. As macroalgas são analisadas pela sua bioatividade, incluindo propriedades antioxidantes entre outras e têm sidos aplicadas em vários novos alimentos. Insetos como fonte de proteína são explorados, principalmente em farinhas para panificação e snacks proteicos, oferecendo soluções sustentáveis, embora ainda enfrentem resistências culturais e regulamentares.
E essas resistências justificam-se?
Os estudos realçam os benefícios ambientais dessas fontes, promovendo práticas circulares e sustentabilidade. Estas descobertas estão a impulsionar o desenvolvimento de alimentos inovadores, alinhados às exigências de saúde e sustentabilidade no mercado europeu.
Mas como é que se formam ou fabricam estas alternativas?
As proteínas alternativas, podem ser produzidas de formas muito diferentes, dependendo das fontes, mas é fundamental o papel da biotecnologia na produção de muitas das proteínas ou, em alguns casos, no seu processamento. As proteínas vegetais são extraídas de fontes como ervilhas, soja e grão-de-bico, e processadas através de técnicas como extrusão e texturização, podendo também ser usadas em bebidas, como leites vegetais à base de soja ou aveia, como alternativas ao leite animal. As proteínas cultivadas provêm de células animais cultivadas em laboratório, permitindo a produção de carne sem a necessidade de abate. Além disso, as proteínas de fermentação são geradas por microrganismos, como fungos, leveduras ou bactérias, que são modificados para produzir proteínas de interesse, por exemplo como proteína de leite. Estas proteínas são depois purificadas e podem ser incorporadas em vários alimentos e bebidas. A proteína microbiana, como a micoproteína, derivada de fungos, é uma excelente alternativa proteica produzidas em substratos de baixo custo e sustentáveis por fermentação sólida ou líquida. A micoproteína é rica em aminoácidos e tem baixo impacto ambiental, sendo usada em produtos alternativos à carne. Outra fonte importante de proteínas alternativas é a proteína de insetos, extraída de insetos, que são criados em substratos vegetais (geralmente subprodutos) e em condições controladas. Esses insetos são altamente nutritivos e podem ser usados em alimentos e suplementos, sendo uma opção de alta eficiência e baixo impacto ambiental.
E as algas?
As proteínas marinhas, extraídas de algas e microalgas, também desempenham um papel importante. Algas como por exemplo a espirulina e a clorela, cultivadas em sistemas fechados e controlados, são ricas em proteínas, aminoácidos essenciais e minerais, e são frequentemente utilizadas em suplementos, snacks e bebidas. Estas fontes marinhas são particularmente sustentáveis, pois requerem poucos recursos naturais.
Que investimento existe nesta área a nível europeu?
Com base nos dados do Good Food Institute (GFI) e GFI Europe, o setor de proteínas alternativas tem recebido investimentos substanciais nos últimos anos. Em 2023, os financiamentos públicos globais somaram 523 milhões de dólares (aproximadamente 476 milhões de euros), elevando o total histórico para 1,67 mil milhões de dólares (cerca de 1,53 mil milhões de euros). Apesar do crescimento expressivo, o setor ainda precisa de mais investimentos para alcançar a competitividade com as proteínas tradicionais. No setor privado, os investimentos chegaram a 1,6 mil milhões de dólares (cerca de 1,47 mil milhões de euros) em 2023, com um adicional de 899 milhões de dólares (aproximadamente 826 milhões de euros) arrecadados até o terceiro trimestre de 2024, apesar da desaceleração económica global. Na Europa, a Alemanha continua a ser a líder no mercado, com vendas de 1,9 mil milhões de euros (cerca de 2,05 mil milhões de dólares) em 2022. Por outro lado, na região Ásia-Pacífico, países como Singapura continuam a mostrar forte apoio governamental, incluindo a ambiciosa meta de produzir 30% do abastecimento alimentar local até 2030.
Prova de que esta área é cada vez mais vista como essencial é o facto de ter sido precisamente aqui que se revelou o Prémio Nobel da Química neste ano...
A biotecnologia desempenha um papel crucial no avanço das proteínas alternativas, essenciais para a segurança alimentar e a sustentabilidade ambiental. Com os recentes progressos do Prémio Nobel da Química neste ano, sobre a previsão de estruturas de proteínas e no design computacional, a criação de novas fontes de proteína, como plantas, insetos e microalgas, tornou-se mais eficiente. A inteligência artificial tem facilitado a produção de proteínas específicas para responder às necessidades nutricionais e sua funcionalidade no nosso organismo. Este progresso é essencial para o futuro das proteínas alternativas, tornando-as viáveis e indispensáveis para a construção de um sistema alimentar mais sustentável. A utilização de técnicas avançadas, como a inteligência artificial no design de proteínas, também permite melhorar a eficiência e a personalização das alternativas alimentares, abrindo caminho para um futuro mais sustentável e menos dependente da produção tradicional de proteínas de origem animal.
Que papel tem assumido a UCP nesta área?
A Universidade Católica Portuguesa (UCP), através do Centro de Biotecnologia e Química Fina, tem-se destacado na investigação de proteínas alternativas, abordando uma ampla gama de fontes inovadoras e sustentáveis. A universidade tem explorado as proteínas de leguminosas, que são fontes ricas em nutrientes e com grande potencial para substituir as proteínas animais, particularmente em dietas baseadas em plantas. Além disso, há um foco na valorização de subprodutos ricos em proteínas, como resíduos da indústria alimentar, transformando-os em novos ingredientes alimentares de valor acrescentado, alinhando-se com os princípios da economia circular.
Há também o lado da investigação nas algas...
O estudo das proteínas de algas e microalgas também tem sido um ponto forte da investigação na Católica, com projetos que visam explorar o seu elevado valor nutricional e as suas propriedades funcionais para a produção de alimentos inovadores e sustentáveis. Além disso, a proteína de insetos, tem sido objeto de estudos para o desenvolvimento de novos ingredientes hidrolisados e de novos produtos alimentares com menor impacto ambiental. Esses estudos refletem o compromisso da UCP com o desenvolvimento de novos alimentos e soluções alimentares inovadoras que respondem à crescente procura por alternativas mais sustentáveis e nutritivas e com promoção da saúde. A universidade também tem investido fortemente na formação de profissionais altamente qualificados, capacitando-os para enfrentar os desafios globais da biotecnologia e da alimentação sustentável, consolidando-se como um centro de excelência no setor. O trabalho diversificado e multidisciplinar da UCP tem gerado impactos significativos, posicionando a instituição como uma referência no avanço das proteínas alternativas e na transformação do setor alimentar.