A Organização Mundial de Saúde (OMS) irá “muito possivelmente” declarar a atual epidemia de ‘monkeypox’ (mpox), anteriormente conhecida como ‘varíola dos macacos’, como emergência de saúde pública de preocupação internacional na reunião agendada para esta quarta-feira, avalia Tiago Correia, professor de Saúde Internacional e investigador do Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa (IHMT-UNL).
“Se, em 2022, com uma estirpe menos severa, foi declarada esta categoria, eu diria que, face ao que está a acontecer nos países africanos desde 2023 com a clade1b, uma estirpe mais grave, os sinais são de que isto volte a acontecer”, argumenta o especialista ao telefone com o Expresso.
Anteriormente, a OMS tinha acionado o mais elevado nível de alerta em julho de 2022 devido à circulação da variante clade 2 em vários países europeus, tendo sido registados milhares de casos, incluindo em Portugal. O aviso foi levantado em maio de 2023.
Ao contrário do que se verificou, na altura, no continente europeu, onde a propagação do vírus decorria de “contactos de proximidade entre humanos”, a nova estirpe, detetada na República Democrática do Congo em setembro de 2023, “está mais associada à transmissão de animais para humanos”, indica Tiago Correia.
Infeções aumentaram 160% em 2024
O investigador sublinha que, “além de causar doença potencialmente mais grave”, a variante clade1b “merece atenção sobretudo em contextos onde o acesso a cuidados de saúde não pode ser imediato e os recursos de saúde não são significativos”. “Isso também me leva a crer que possa ser classificada como emergência de saúde pública pela OMS.”
Tiago Correia reconhece, no entanto, que uma decisão desta dimensão é altamente influenciada pela geopolítica. Neste caso, “uma vez que a preocupação está em África e não afeta pontos [considerados] nevrálgicos a nível internacional, é possível que haja entidades e especialistas que não considerem que há uma emergência de saúde pública”. “Já aconteceu e levou a situações diplomáticas complicadas”, recorda.
Esta terça-feira, o Centro Africano de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC África) declarou “uma emergência de saúde pública continental” devido à epidemia de mpox. Segundo dados divulgados pelo CDC África na semana passada, desde janeiro de 2022 foram assinalados 38.465 casos e 1.456 mortes em 16 países africanos. Em 2024, houve um aumento de 160% das infeções em relação ao ano precedente.
Epidemia pressiona sistema de saúde “já frágil”
A República Democrática do Congo, país que contabiliza 90% dos casos, registou 14.479 casos suspeitos e confirmados, e 455 mortes, até 3 de agosto, de acordo com a agência de saúde da União Africana, citada pela Lusa. No sábado, aquele organismo tinha indicado que a OMS vai “provavelmente declarar uma emergência de saúde pública” em resposta ao novo surto do vírus em África.
No Congo, o elevado número de casos em recém-nascidos tem sobrecarregado os hospitais, informou a Save the Children. A ONG nota que a epidemia está a dificultar o funcionamento de “um sistema de saúde já frágil, que ainda está a recuperar dos anteriores surtos de Ébola e covid-19 e da escassez de pessoal médico e material”. “Ficarei surpreendido se não for considerada emergência de saúde pública, tendo em conta a pressão que está a causar nos sistemas de saúde pública africanos”, analisa Tiago Correia.
O especialista afirma que, atualmente, o risco de contágio da doença em Portugal “é baixíssimo”, mas destaca a necessidade de portugueses e restantes europeus estarem atentos à evolução da situação epidemiológica em África, “mostrando solidariedade com os países afetados e estando a par dos recursos que necessitem para controlar” a epidemia, sejam “meios de diagnóstico e tratamento ou de vigilância epidemiológica”. “Além de ajudar esses países, isto evita que haja um efeito em cadeia da doença noutros”, sustenta.
Ao contrário das estirpes anteriores, que provocavam erupções cutâneas e lesões localizadas na boca, no rosto ou nos órgãos genitais, a clade 1b causa este tipo de problemas de pele em todo o corpo. Outros sintomas podem incluir febre, fortes dores de cabeça e fadiga, enumera a Lusa. Algumas crianças também podem experienciar problemas respiratórios e dificuldade em engolir, tornando-se mais vulneráveis a infeções bacterianas secundárias e, em casos graves, a doença pode causar sépsis.