Todos os olhos estão na Pensilvânia nas presidenciais de 5 de novembro. Se me permitem, é um foco um bocadinho exagerado. Ora, se Joe Biden ganhou seis dos sete estados decisivos na última eleição, Donald Trump tem de ganhar pelo menos mais quatro para voltar à Casa Branca. Isso exige vencer nos dois estados em que o ainda Presidente surpreendeu no Sul (Arizona e Geórgia), defender com êxito a última vitória na Carolina do Norte e ganhar um dos três swing states do Norte. Pode ser a Pensilvânia, mas também pode ser o Wisconsin, onde Trump perdeu por metade da margem.

Apesar de achar que falta lógica à ideia de que a Pensilvânia vai “decidir a eleição”, pois nunca o fará sozinha, uma coisa não lhe podemos tirar. É o maior de todos os estados decisivos. Sendo o quinto mais poderoso do país, vem logo a seguir a dois gigantes em queda relativa que são esmagadoramente democratas (Califórnia e Nova Iorque) e a dois gigantes em crescendo onde os republicanos têm margens saudáveis, mas não super seguras (Texas e Florida).

Os treze milhões de habitantes da Pensilvânia têm servido para encher páginas de jornais sobre eleitores indecisos, devido às características únicas deste território, que vamos ficar a conhecer melhor. Para começar, é importante dizer que foi aqui que se fundaram os Estados Unidos da América, sendo Filadélfia (maior cidade do Estado) o palco da Declaração de Independência e o berço da Constituição. Desde então, nunca deixou de estar no centro da ação.

Em 1780, a Pensilvânia foi o primeiro estado a abolir a escravatura. Em 1791, o primeiro a levantar armas contra impostos federais, na famosa Revolta do Uísque. Por estas bandas, não foi tão evidente a expulsão e extermínio das comunidades indígenas, já que o fundador da primeira colónia britânica na região (que ocupou o lugar de colónias holandesas e suecas), William Penn, era um quaker.

Esta religião pacifista criou uma relação mais saudável com os nativos americanos, que sempre viram respeitados os tratados que tinham negociado com os colonos e, depois, com o estado. Nem a expansão da indústria madeireira na gigantesca “floresta de Penn” (Pennsylvania em latim) levou a que as relações com a comunidade nativa ficassem mais tensas, à medida que o estado ia recebendo mais migrantes que procuravam oportunidades económicas e tolerância religiosa.

Cultura, finança e indústria

Este espírito de abertura levou a Pensilvânia a ser, desde cedo, centro de cultura, tendo sido ali fundada uma das primeira universidades dos Estados Unidos, por Benjamin Franklin, ainda antes da independência; de finança, com Filadélfia a ser a primeira casa do banco central da nova federação; e de indústria, com Andrew Carnegie a começar em Pittsburgh o seu império de produção de aço e John Rockefeller a iniciar na zona ocidental do estado o seu domínio na produção de petróleo.

Durante a Guerra Civil, o estado teve momentos de glória e de infâmia. James Buchanan, democrata conservador que presidiu à dissolução da União por estar demasiado indeciso sobre o tema da escravatura, era nativo da Pensilvânia. Em 1856, foi em Filadélfia a primeira convenção do Partido Republicano; em 1863, foi no centro do estado, em Gettysburg, que a União virou o destino da guerra e Lincoln fez um dos seus mais famosos discursos. Também era da Pensilvânia o general George B. McClellan, democrata defensor do fim da Guerra Civil e de cedências ao Sul, candidato em 1864 para tentar (em vão) travar a reeleição de Lincoln.

Assim se vê a histórica dualidade na cultura política da Pensilvânia. Sempre teve um forte movimento conservador e uma forte tendência progressista, e os números de um lado e de outro nunca foram muito diferentes. Só nos momentos mais desastrosos de um dos dois partidos é que algum candidato passou dos 55%, tendo essa distinção recaído mais vezes nos republicanos, que dominaram enquanto foram o partido que melhor representava o eleitorado social e economicamente moderado do Norte industrial.

Palco de grandes greves

Apesar de ser um dos treze estados fundadores, tem uma percentagem de acerto (voto no vencedor das presidenciais) de 83%, só tendo votado no candidato derrotado dez vezes na História. Entre a primeira eleição do Partido Republicano, em 1856, e a segunda (!!) eleição de Franklin Delano Roosevelt, em 1936, a Pensilvânia nunca votou num democrata. Entre 1988 e 2016, nunca votou num republicano. Sendo um Estado decidido por margens curtas, já teve sequências muito fortes de ambos os partidos. Como no Michigan, a relação dos dois partidos com a ideia de comércio livre acabou por ir guiando as tendências neste Estado hiperindustrializado.

Palco de algumas das maiores greves da história dos Estados Unidos, nos sectores do carvão e dos caminhos de ferro, dominou a produção nacional em áreas tão diversas como os chocolates ou os molhos, sendo a casa da Hershey e da Heinz. Isto levou a que a Pensilvânia também fosse pioneira na abertura de departamentos dedicados a mediar as relações laborais e a criar um estado social e até uma agência dedicada à construção de autoestradas. Este território foi a primeira ponte entre as colónias originais e o enorme território do Oeste.

Filadélfia pertencia à grande área urbanizada que ia de Washington a Boston, mas o centro do estado era muito mais próximo, cultural e economicamente, da cordilheira rural dos Apalaches, que se estende até aos confins do Sul. Já a zona ocidental de Pittsburgh entrou no espírito de fronteira do Midwest. Este é dos poucos estados que pertencem claramente a duas regiões, no oriente à Costa Leste e no ocidente à cintura industrial hoje conhecida como “Rust Belt”.

Motor económico do país, com porta para o Atlântico através do rio Delaware e para os Grandes Lagos através de Erie, a Pensilvânia atraiu milhões de migrantes da Europa empobrecida a Sul e a Leste, mas também os milhares de negros que fugiam da segregação a Sul. A sua população cresceu mais de 20% por década durante todo o século XIX e pelo menos 10% por década até 1930. A partir daí, e tirando uma expansão no Baby Boom dos anos 50 e 60, tem tido uma história de estagnação relativa. Esta migração produziu fortes comunidades de ítalo-americanos e americanos de origem alemã ou irlandesa que marcaram a História do estado.

Biden recuperou o Partido Democrata, Harris conservá-lo-á?

A forte comunidade católica na Pensilvânia marcou a identidade do Partido Democrata, que por aqui tem tendência historicamente mais conservadora. O ex-governador Bob Casey, pai do atual senador com o mesmo nome (que vai a votos este ano para a sua quarta eleição), foi um dos democratas que mais lutaram a favor de restrições ao aborto, tendo perdido um famoso caso no Supremo Tribunal em 1992. Por outro lado, a tendência da Pensilvânia para apoiar a ação estatal na economia propiciou republicanos mais moderados, como o ex-senador Arlen Specter (que mudou para o Partido Democrata em 2010, antes de ser derrotado nesse ano) ou o herdeiro da fortuna Heinz, o senador John Heinz, que morreu tragicamente num acidente de avião e deixou viúva Teresa, portuguesa nascida em Moçambique que depois se casou com John Kerry.

Esta tradição de moderação vinha na genética de outro democrata católico, Joe Biden, nascido na industrial cidade de Scranton, no nordeste do estado. Apesar de se ter mudado para o vizinho Delaware, não largou a ligação à terra natal, onde jogou sempre em casa. Conhecido como middle class Joe ou union Joe (Joe da classe média, ou Joe do sindicato), o atual Presidente foi sendo visto como demasiado “terra a terra” para um partido crescentemente ligado a elites culturais urbanas, à medida que a sua carreira avançou. Barack Obama escolheu-o para equilibrar um pouco a natureza revolucionária da sua candidatura, com uma espécie de símbolo do “velho” Partido Democrata.

Casa em Scranton, na Pensilvânia, onde Joe Biden viveu durante a infância
Casa em Scranton, na Pensilvânia, onde Joe Biden viveu durante a infância Robert Nickelsberg/Getty Images

Depois de velho, foi mesmo Biden que teve de vir recuperar esta peça da preciosa “Blue Wall”. Agora, passou a tocha a Kamala Harris, que procurou recuperar a dinâmica de Obama com Tim Walz, o seu candidato a vice-presidente. Veremos se chega para estancar perdas neste estado, que é 73% branco e onde Harris só tem 12% de afro-americanos e 8% de latinos para explorar a sua vantagem junto das minorias.

Trump tem sido sinónimo de perdas dos republicanos nos subúrbios moderados e mais ricos da Pensilvânia, mas foi buscar muitos trabalhadores dos sectores primário e secundário para compensar. Habituada a estar partida ao meio (ou em três), a Pensilvânia terá de decidir se é desta que dá a vitória à primeira mulher a nível estadual, ou se vai voltar para o primeiro republicano que ajudou a eleger em 30 anos.