Em junho de 2024 vivia-se um ambiente agridoce nos Campos de Sport de El Sardinero. O Racing Santander tinha realizado uma temporada positiva, desenvolvendo uma série de atletas, mas falhara o derradeiro objetivo (não inicial) da temporada: a presença nos play-offs de promoção à La Liga. A turma da Cantábria tropeçara contra o já despromovido Villarreal B e o Sporting Gijón não desperdiçou a oportunidade e ultrapassou o histórico espanhol na última curva, depois de bater o Eldense.

Esta situação não é uma novidade no mundo do futebol. Inúmeras equipas realizaram campeonatos positivos e acabaram por não aceder a uma promoção. O primeiro desafio vem logo em seguida: manter o espírito para a temporada seguinte e aí nem todos têm estofo.

A La Liga Hypermotion é conhecida pelo seu equilíbrio e pela presença de emblemas históricos nas suas fileiras. Racing Santander, Real Zaragoza, Levante, Real Oviedo, Málaga ou Deportivo de La Coruña são algumas das equipas que fazem parte da presente edição da competição e que reconhecemos de presenças em patamares mais acima, onde alcançaram inclusivamente o sucesso.

O Racing Santander não tem rival na sua região, é dono e senhor da Cantábria, mas teria a difícil missão de melhorar o que fizera em 2023/24. A primeira tarefa que havia a fazer era trabalhar bem o mercado. Os verdiblancos, pelas mãos de José Alberto López, contaram com vários atletas que demonstraram ter as condições necessárias para dar o salto. Jokin Ezkieta transformou-se num dos melhores guarda-redes da La Liga Hypermotion, ao mesmo tempo que Íñigo Vicente (melhor jogador do escalão), Peque, Artiz Aldasoro ou Juan Carlos Arana passaram a ser elementos de luxo para a divisão.

Apontando maioritariamente para as cláusulas de rescisão (obrigatórias nas duas primeiras divisões do futebol espanhol), o Racing Santander perdeu Peque por quatro milhões de euros para o Sevilha, além de outras saídas de menor impacto. O verão deu algum trabalho a Mikel Martija, que sabia que tinha de se mover por objetivos concretos, de maneira a que a qualidade da equipa aumentasse. Assim sendo, não hesitou em investir os quatro milhões de euros que recebeu por Peque, de maneira a apetrechar a equipa.

Com isto, chegaram nomes interessantes ao El Sardinero, que têm produzido resultados imediatos pela capital da Cantábria. André Martín, atleta que pode atuar como ponta de lança ou extremo, trocou o Rayo Vallecano pelo Racing Santander em definitivo, por dois milhões de euros. Juan Carlos Arana (ponta de lança por natureza) fez o mesmo tipo de movimento, deixando o Eibar por um milhão e meio de euros. Mikel Martija conseguiu assim manter dois jogadores que já estavam na equipa em 2023/24, mas com o passe a passar a pertencer à instituição. Duas aquisições inteligentes, já que os atletas não precisaram de período de adaptação.

Para dar opções à defesa, o Racing Santander conseguiu três nomes a custo zero: Javi Montero (que em 2023/24 esteve no Arouca), Javi Castro e Clément Michelin (proveniente do malogrado Bordéus). A direção desportiva decidiu investir em mais dois jogadores, que se estão a revelar tiros certeiros: Suleiman Camara, extremo que representava o Ibiza (400 mil euros), e Marguette Gueye, médio que vestia a camisola do Partizani (500 mil euros). Por fim, três elementos vieram para o El Sardinero por empréstimo: Unai Vencedor (Athletic), Pablo Rodríguez (Lecce) e Jon Karrikaburu (Real Sociedad).

José Alberto López passou assim a ter à sua disposição um plantel bastante completo, com qualidade para todas as posições, antecipando qualquer tipo de lesão (como a que aconteceu com Íñigo, capitão de equipa, que ficará de fora até ao próximo verão). O projeto desportivo engloba igualmente uma aposta na formação, com vários elementos da turma principal a serem produto da cantera: Mario García, Jeremy, Álvaro Mantilla ou Íñigo, com muitos jovens da equipa B a treinarem com os A e a somarem minutos como os casos de Jorge Salinas, Marco Carrascal, Daniel González, ou Aitor Crespo. A equipa técnica não tem receio em dar uma oportunidade aos mais jovens, com um plantel com uma média de idade inferior aos 25 anos.

Certo é que o elenco principal do clube não tem espaço para todos os jogadores, o que fez com que se optasse pela cedência de certas promessas a outros emblemas, de maneira a que prossigam o seu crescimento. Yeray Cabanzón, uma das figuras de proa da cantera, está emprestado à Ponferradina, já Neco Celorio rumou ao Algeciras. Na Primera RFEF, os talentos poderão somar mais minutos e destacar-se de maneira a mostrarem-se opções validas já para 2025/26.

O Racing Santander passou a ser um óbvio candidato à subida (não direta), por intermédio dos play-offs, já que o favoritismo à promoção direta era dado às equipas que tinham descido de escalão: Cádiz, Almería e Granada. Apenas a turma de Rubi está a cumprir o antecipado.

Porém, a turma nortenha está a fazer um campeonato fantástico liderando a divisão, mesmo com duas derrotas consecutivas (conta com três em 2024/25). São 37 pontos em 18 jogos, com mais cinco pontos que a primeira equipa fora da zona de promoção direta (Almería, em clara recuperação). Apenas o surpreendente Mirandés está a conseguir acompanhar os cantábricos. A equipa é uma das cinco que conseguiu chegar aos 30 pontos à décima terceira jornada, durante este século (somente o Xérez não logrou a promoção, em 2006/07).

Uma das grandes forças do Racing Santander são os seus aficionados. O El Sardinero conta com uma capacidade de 22 mil espetadores e a média de assistência é superior às 19 mil pessoas, ocupando o terceiro posto deste ranking, somente atrás de Málaga e Deportivo de La Coruña, que contam com arenas maiores.

José Alberto López procura um futebol direto, com uma base sólida ao nível defensivo (apenas 16 golos sofridos em 18 encontros). A pressão alta é uma constante, não dando grande margem de erro aos adversários no começo das jogadas. Os avançados demonstram uma elevada capacidade física e os médios prestam auxilio nesta fase, o que ‘obriga’ o oponente a jogar direto para os seus avançados. Pontos fracos? Há poucos, mas a qualidade dos laterais não acompanha o nível dos restantes, embora elementos como Mario García tenham espaço de manobra para crescer. A linha atrás do ponta de lança (geralmente composta para Andrés Martín, Íñigo Vicente e Pablo Rodríguez) é muito forte, especialmente os dois primeiros nomes, que funcionam com avançados interiores, permitindo mais elementos no interior do terreno e abrindo espaço para os alas.

O Racing Santander é um dos exemplos de projeto desportivo. Em vários casos, a solução não passa por mudar tudo e Mikel Martija apercebeu-se disso, mantendo uma linha de continuidade que está a produzir os seus frutos. Mesmo batendo na trave em 2023/24, era reconhecida qualidade ao plantel existente, que apenas necessitava de algumas peças, além de substitutos de possíveis saídas. A ideia de jogo é a mesma e o objetivo passa por continuar a crescer.

O clube está há vários anos longe da La Liga, passando inclusivamente pelo inferno do terceiro escalão algumas épocas. Esta é a sua terceira temporada consecutiva na la Liga Hypermotion e os resultados estão à vista, sem entrar em grandes loucuras. A última vez que o Barcelona e o Real Madrid visitaram o El Sardinero foi na longínqua temporada 2011/12, seguindo-se duas descidas de escalão consecutivas, um destino que poderia ter sido fatal. Mikel Martija cresceu nos braços do Eibar, mas em 2023 rumou à Cantábria para transformar uma instituição, que passou de olhar para baixo na tabela a espreitar os lugares de cima, podendo 2024/25 ficar marcado por um regresso ao máximo escalão.

O próximo repto para todos será o mercado de janeiro. Vários jogadores estão a ser analisados por equipas da La Liga, depois de uma primeira metade de temporada com resultados bem acima da média. Mesmo que Mikel Martija continue a apontar para as cláusulas de rescisão, há saídas que podem mesmo acontecer. Íñigo Vicente tem uma cláusula de seis milhões de euros, o que não é muito para o craque do escalão, que encaixaria perfeitamente em planteis como o do Real Bétis ou o do Athletic, onde fez a sua formação. Não seria a primeira vez que uma estrela daria o salto em janeiro, pelo pagamento da multa. Carlos Vicente trocou o Ferrol pelo Deportivo Alavés no último inverno e produziu resultados imediatos.

Quem fica a perder nestas situações são os clubes que perdem peças e o Racing Santander contará com um plano B e a direção desportiva terá que continuar a demonstrar que tem um olho clínico.

A época ainda não vai a meio, mas os verdiblancos, que outrora contaram com Vítor Damas, Quinito ou Zé António, são candidatos a ser uma das surpresas da temporada, considerando-se uma turma a acompanhar nos escalões secundários.