Tanto quanto tem dado nas vistas pelas fintes, dribles e baldrocas no campo, Vinícius Júnior não se tem calado fora dele, em Espanha. Com epicentro num jogo de 2022/23,em que o Real Madrid visitou o Valência, o brasileiro ouviu vários adeptos insultarem-no pela cor da sua pele. “Foste tu! Foste tu! Está a chamar-me macaco”, disse então ao árbitro assistente, irado pelo que ouvira. Nessa época, era pelo menos o 9.º estádio onde o jogador escutara insultos racistas e em entrevistas, nas redes sociais ou em intervenções com o respaldo do clube, Vini Jr. não se cansa, desde então, de criticar um dos piores e estúpidos preconceitos da existência humana.

O internacional brasileiro chegou a escrever, no X, que “o racismo é normal na La Liga” e em setembro último, aliás, sugeriu que “se a situação do racismo em Espanha não mudar antes de 2030, o Mundial terá que ser noutro lugar”. Sem filtros, aparentemente despido de hesitações, Vini Jr. virou nos últimos anos a mais afincada voz contra este tipo de insultos, galvanizando o apoio do Real Madrid e dos seus respetivos adeptos. Não de todos, porque na noite de sábado, dentro do Santiago Bernabéu, bastou estarem a perder contra o maior rival para vociferarem o tipo de coisas que o jogador cujos golos festejam repudia sempre que pode.

Durante a vitória, por 0-4, do Barcelona na casa do Real, houve pelo menos dois momentos em que adeptos merengues acharam por bem gritar impropérios centrados na cor de pele de Lamine Yamal e Raphinha, no caso de ambos do mesmo tom da que veste Vinícius. “Negro de mer**” ouve-se num vídeo publicado nas redes sociais, “vai vender lenços para os semáforos” escuta-se noutro. “Mena de merd**” também, com o depreciativo termo calão usado em espanhol para identificar quem nasceu nos países do Magrebe - o pai de Yamal é um emigrante marroquino que se fixou na Catalunha.

A La Liga não demorou a reagir. Este domingo condenou “energicamente” e informou que se “mantém firme no compromisso de erradicar” as “intoleráveis condutas racistas e de ódio” registadas, desta feita, no estádio do Real Madrid, tendo a entidade denunciado os insultos à “Secção de Ódio da Brigada de Informação” da polícia espanhola. Na mesma manhã, o Conselho Superior do Desporto, órgão governativo, revelou que o caso será investigado pela Comissão Estatal contra a Violência, o Racismo, a Xenofobia e a Intolerância.

Também o Real Madrid, com um curto e sucinto comunicado à semelhança da entidade que gere a liga espanhola, condenou “de maneira rotunda qualquer tipo de comportamento que implique racismo, xenofobia ou violência no futebol”. Lamentando “profundamente” os insultos que “uns poucos adeptos proferiram num dos cantos do estádio”, o clube anunciou que “abriu uma investigação a fim de identificar os autores” e poder “adotar as medidas disciplinares e judiciais pertinentes”. Até à hora de almoço deste domingo, o Barcelona nada dissera oficialmente.

O El País escreve, citando fontes blaugrana, que o clube catalão “está a estudar como vai proceder” após o ocorrido no estádio onde, em março, foram audíveis os aplausos prestados a Lamine Yamal, um imberbe de 17 anos, virar o menino-bonito do futebol espanhol, ao ser eleito o melhor jogador jovem do Euro 2024 conquistado pelo país. No sábado, um vídeo gravado perto da bandeirola de canto, captou os insultos e mostrou as reações na cara do adolescente, sugestivas de alguém que captou o que lhe estavam a chamar.

Se chegarem a ser investigados judicialmente, estes insultos seguir-se-ão à via inaugurada este ano de serem, por fim, proferidas sentenças em casos de racismo e xenofobia ocorridas nos estádios de futebol em Espanha. Em junho, três adeptos do Valência que insultaram Vinícius Júnior foram condenados a oito meses de prisão, além de obrigados a assinar uma carta de desculpas ao jogador. Depois, a mesma pena foi aplicada a outro adepto por insultar Antonio Rüdiger, defesa do Real Madrid, nos comentários a uma notícia no jornal Marca. E em setembro, outro homem soube que vai passar um ano na prisão e outros três proibido de entrar em recintos desportivos após dirigir insultos a Vini Jr. e a Samu Chukwueze, do Villarreal.