A epopeia do Vitória SC na Europa terminou com um sabor amargo e resignado de quem, depois de uma surpresa em Sevilha num jogo em que poderia mesmo ter vencido, foi vergado em casa num dos dias mais importantes para o clube e para a própria cidade de Guimarães, imbuída no espírito vitoriano e alentando uma ilusão que, não sendo impossível, era muito difícil. O Real Bétis, muito mais estrelado e com maior responsabilidade na eliminatória, goleou os vimaranenses (4-0) em pleno D. Afonso Henriques.

Ter conseguido competir tão bem e com tamanha superioridade em campo em Sevilha, principalmente na primeira parte com os médios do Vitória SC a roubar o protagonismo aos criativos que coabitam no Real Bétis, trouxe o jogo vivo para Guimarães, mas levou a uma partida diferente.

O deslumbramento do Real Bétis deu lugar a cautelas redobradas na estratégia de Manuel Pellegrini que recuou linhas e compactou a equipa num bloco médio que retirou espaço aos médios do Vitória SC. O que poderia ter sido aproveitado pelos vimaranenses para se imporem e ganharem algum conforto teve o efeito contrário e a entrada em campo do conjunto de Luís Freire acabou por ditar o rumo do jogo.

A ansiedade e o desconforto iniciais fizeram notar-se em abordagens erradas. Tomás Handel, habitualmente um dos mais certinhos jogadores do Vitória SC, falhou vários passes no início do jogo e os centrais vimaranenses, a jogar muito subidos em campo fruto da postura mais recuada do adversário, cometeram erros nos duelos.

Mesmo numa postura mais passiva, o Real Bétis conseguia ameaçar em transição com Cédric Bakambu e Antony em evidência. Na primeira oportunidade com espaço, o avançado congolês aproveitou a abordagem errática e insegura de Toni Borevkovic para correr meio-campo e desviar a bola de Bruno Varela. Num segundo lance, foi Antony quem galgou metros e, perante a má proteção da área por parte da defensiva do Vitória SC, com Mikel Villanueva a perder a referência, encontrou o avançado solto de marcação.

O Vitória SC acabou por crescer na partida e contou com Hevertton Santos na primeira parte e Telmo Arcanjo como principais desequilibradores, mas nunca conseguiu voltar a trazer o jogo para si. O ambiente propício a uma noite épica e a sensação de igualdade que o Vitória SC trouxeram aos Conquistadores uma sensação de responsabilidade e ambição que não existiam e que justificam a entrada em falso.

Como Luís Freire acabou por confessar em conferência de imprensa, era preciso um golo para reentrar em jogo e, entre o final da primeira parte e o início da segunda, este andou a pairar, com o Vitória SC a crescer na partida e a aproximar-se da baliza adversária. O problema para a equipa portuguesa, a última resistente na Europa, esteve no espaço ainda maior que ficou para explorar nas costas dos médios e na solidez defensiva sevilhana que contou com Marc Bartra e, principalmente, Diego Llorente a um nível assinalável.

Depois de uma primeira parte jogada ao sabor de Cédric Bakambu com pinceladas ocasionais de Isco e Antony, os dois jogadores mais criativos e mediáticos do Real Bétis não tiveram qualquer problema ou timidez para ser protagonistas e segurar a bola para si.

O extremo brasileiro está a recuperar os melhores índices de confiança. A qualidade técnica de Antony não desapareceu em Manchester, mas a ousadia e a irreverência do futebol de rua perderam-se no meio da chuva inglesa. Era preciso uma mudança de contexto e radical para Antony voltar a brilhar e Manuel Pellegrini, perito em recuperar talentos, foi o melhor encaixe que o esquerdino podia ter pedido. Em Guimarães desfilou com a bola colada ao pé, mudando de velocidade e enganando adversários.

Menos evidente no vídeo de melhores momentos de jogo, mas com um protagonismo igual ao maior que o brasileiro, Isco fez um jogo de médio total na segunda mão. Desde logo do ponto de vista defensivo, procurando constantemente importunar adversários e correndo por todas as bolas, mas principalmente com bola onde atuou em todas as áreas. Quer lateralizando à esquerda, lado preferencial da construção do Real Bétis (com Ricardo Rodríguez mais baixo), procurando suportar a saída de bola espanhola, como em zonas de criação, nas costas dos médios vitorianos para definir no último terço, o internacional espanhol e figura maior do emblema de Sevilha exibiu-se ao melhor nível. Com 32 anos tem qualidade para jogar noutros palcos, mas o Real Bétis, pela valorização dos médios (Nabil Fekir, Canales, agora Isco) e pela possibilidade de ser uma estrela é o cenário ideal para o futebol do espanhol.

A magia dos pés de Antony e Isco retirou o Vitória SC do jogo numa altura em que os homens de Guimarães ainda procuravam nele reentrar. A ilusão de uma campanha europeia histórica existia e era sustentada por 13 jogos de invencibilidade e por um caminho que, até às meias finais, teria o modesto Jagiellonia como adversário. O sorteio madrasto dos oitavos de final acabou por ditar as chances do Vitória SC seguir em frente, mas o mote está dado para a próxima temporada quer sejam os vitorianos ou outro qualquer clube português (Santa Clara e Casa Pia ainda podem sonhar) a terminar no quinto lugar da Primeira Liga. O percurso passará por campanhas como a do Vitória SC: primeiramente que ultrapassem os playoffs e cheguem à fase de liga e, numa segunda fase, que não se inibam de jogar perante os adversários que estiverem pela frente.

BnR na Conferência de Imprensa

Bola na Rede: Um dos segredos no jogo da primeira mão esteve na forma como o meio-campo do Vitória se impôs e foi capaz de dominar o jogo. Taticamente e a nível mental o que mudou de um jogo para o outro que explique a incapacidade do Vitória em ter a minha postura e acutilância com bola?

Luís Freire: Penso que os médios não pressionaram tão alto, ficaram um bocadinho mais fechados na expectativa de um erro que poderia surgir e nas primeiras duas ou três saídas faz dois golos. Conseguiu logo aproveitar algumas perdas de bola da nossa equipa e ser muito eficaz no início do jogo. Não deu para equilibrar. Quando estamos aos cinco minutos a perder não dá para equilibrar a equipa. Estávamos a pedir calma, mas do outro lado estava uma equipa que quando acelera de frente para o jogo acaba por fazer a diferença. Eles com um bloco muito fechado, tínhamos de atacar mais as costas e fomos pedindo isso à equipa. A partir da meia hora fomos uma equipa mais perigosa e objetiva, a conseguir descobrir bem os espaços e com a bola a chegar ao último terço. Podíamos ter feito o 2-1 e não fizemos, depois podíamos ter feito o 2-1 e não fizemos e sofremos o terceiro. O jogo só seria diferente se o abríssemos e não o conseguimos abrir. Se abríssemos o jogo o estádio ia ajudar, os jogadores iam ganhar mais confiança, o Bétis ia ter mais cautelas e provavelmente íamos ganhar mais duelos. Nunca conseguimos dar esse passo como fizemos no Bessa e como fizemos em Sevilha.

Bola na Rede: Do Fekir ao Canales agora ao Isco ou ao Fornals, são vários os médios que o Bétis conseguiu recuperar e valorizar nos últimos anos. Na sua ideia de jogo, qual a importância de conjugar jogadores mais criativos e com toque de bola, especialmente diante de um adversário que na primeira mão foi capaz de se evidenciar precisamente por reter a bola.

Manuel Pellegrini: Pessoalmente creio que para falarmos dos cinco anos como técnico e de várias equipas é preciso ter uma ideia futebolística na criação. Tentar ser protagonista com bola desde o começo, procurar a baliza contrária e defender de uma determinada maneira. Nestes cinco anos demos um passo em frente para jogar competições europeias todos os anos ou frequentemente. Todavia, podemos continuar a exigir mais um passe em frente. Muito contente pelo que conseguimos fazer hoje, por este resultado, mas temos de procurar continuar a melhorar tanto na Liga como na Conference League.