
Se fosse outro agente qualquer, dir-se-ia que tinha caído de paraquedas no futebol português, numa missão de altíssimo risco e sem a mais pequena garantia da consumação dos objetivos.
Tratando-se de Pedro Proença, o voo há muito planeado para a Cidade do Futebol merece um enquadramento especial e em primeiro lugar o reconhecimento de uma dose de coragem tão elevada quanto a sua ambição.
O facto de ter sido anos a fio árbitro de elite consolidou no novo presidente da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) uma robustez e experiência que cedo lhe proporcionaram amplo favoritismo nas corridas eleitorais (quando teve concorrência...), constituindo desde logo predicados essenciais para o ajudar a disfarçar as insuficiências e a pequenez de um campeonato com propagandeado talento e sem verdadeira expressão internacional.
Uma das gigantescas diferenças entre os desafios que Proença enfrentou enquanto líder dos clubes profissionais e aqueles que a partir de ontem terá formalmente pela frente traduz-se no facto de agora vestir a camisola de um dos candidatos à escala universal, um recém-campeão europeu que entra em todas as provas para ganhar e que não se satisfaz com um quinto lugar no ranking.
Nos últimos 10 anos, na qualidade de n.º1 da direção da Liga, os momentos marcantes de uma gestão em crescendo ficaram circunscritos a uma dimensão doméstica, sem desprezar o óbvio impacto na imagem e no grau de competitividade expostos em contexto uefeiro e nem sempre pelos melhores motivos.
Ao ser investido nesta segunda-feira como o rosto principal de uma FPF que pela voz do selecionador assumiu a conquista do título mundial como meta para 2026, Pedro Proença sabe que vai ter de subir a fasquia das responsabilidades e que muitos dos que o aplaudiram de pé na sala são os mesmos que fora dela começaram já a puxar-lhe o tapete, proporcionando-lhe uma derrota na estreia.
Como se fosse pequena a tarefa de não desbaratar a herança assumida, o ex-árbitro testemunhou no próprio dia da tomada de posse o inacreditável à vontade com que certos protagonistas mandaram para o lixo um discurso que fazia apelo a um comportamento ético irrepreensível e em nome de uma nova era. “Que a união que buscamos seja regada todos os dias. Que a vossa disputa seja exclusivamente em campo e que esta nova geração de dirigentes não falhe às pessoas e ao País”, leu Proença, antecedendo uma troca de impressões de Frederico Varandas com os jornalistas que serviu para o Sporting responder com contundência aos comunicados de véspera de FC Porto e Benfica.
Confrontado com o teor das referidas publicações, que não se esqueceram de fazer referências irónicas à beatificação da sua pessoa e críticas à “pressão constante e desmesurada sobre a arbitragem”, o responsável leonino desferiu uma resposta de nível idêntico, acusando uns de “só estarem a ver bandidos e santos” e outros de “atirar areia para os olhos das pessoas”, tratando-as como “estúpidas”.
A circunstância de os três grandes do desporto nacional não se terem poupado na linguagem e de terem escolhido o dia 1 da passagem de testemunho na Cidade do Futebol para recuperarem o pior das últimas quatro décadas apenas reforça a comicidade e a artificialidade que marca o sentido de voto num único sistema, um sistema que obedece em exclusivo à doutrina de ganhar a qualquer preço.
Presidente da European Leagues, candidato a um dos sete assentos que vão compor o novo Comité Executivo da UEFA nas eleições de 3 de abril e 32.º presidente da história da FPF, o sucessor de Fernando Gomes tem muito com que se ocupar daqui em diante e talvez seja do seu maior interesse começar a fazer a recontagem das espingardas no que diz respeito às linhas-mestras do mandato, centralização dos direitos televisivos incluída.
Como deve ter percebido com toda a clareza nas últimas 24 horas, a qualquer momento pode escutar um sopro de traição e desrespeito, até porque ninguém tem dúvidas de que hoje, como ontem, como anteontem e como amanhã, o que acima de tudo preocupa e orienta os crónicos candidatos ao título relaciona-se com os donos do apito.
A revolução na arbitragem prometida pelo homem que esmagou nas urnas Nuno Lobo não se faz confiando cegamente nas novas gerações só porque estas nasceram mais tarde. Ficar resumido a esse critério é a mesma coisa que saltar do avião sem paraquedas.