Patrick Smith/Getty

Não podemos esconder: há uma crise no dirigismo desportivo em Portugal e a capacidade de recrutamento de dirigentes para o setor desportivo é cada vez menor. Muitos de nós já ouvimos falar da dificuldade que os clubes desportivos das nossas localidades estão a atravessar para reunirem pessoas disponíveis para a vida associativa. Estes vazios são caminho aberto e muito tentador para atraírem para o sistema aqueles que não estão comprometidos com os valores fundamentais do desporto.

Segundo os dados do último Inquérito ao Trabalho Voluntário publicado pelo INE, apenas 7,8% da população nacional participa em atividades de voluntariado e Portugal encontra-se no terceiro lugar da UE dos países onde se faz menos voluntariado.

Para inverter esta realidade atual, há um conjunto de medidas que podem ser tomadas no imediato, com custos nulos ou muito reduzidos para o Estado. As ideias que se seguem são um contributo para o debate público de uma causa que nos deve mobilizar a todos.

1. Portugal está há décadas sem proceder a qualquer atualização do Estatuto do Dirigente Associativo Voluntário (Lei n.º 20/2004) ou do Estatuto do Dirigente Desportivo Voluntário (Decreto-Lei n.º 267/95), este último muito útil a definir os deveres dos dirigentes, mas praticamente inútil a definir os seus direitos. Estas são algumas das alterações que poderão ser feitas:

a) Aumentar o número de dirigentes, em funções executivas, com acesso a crédito de horas para dispensa da sua atividade profissional (atualmente é um direito exclusivo dos presidentes das direções das associações desportivas que pode, no entanto, ser utilizado por outro dirigente associativo, por deliberação da direção);

b) Garantir que o acesso dos trabalhadores do setor privado a este crédito de horas não implica perda de remuneração (um direito apenas garantido pela lei aos trabalhadores da Administração Pública);

c) Reforçar os benefícios fiscais, em sede de IRC, às empresas que tenham nos seus quadros trabalhadores nestas condições;

d) Categorizar os diferentes níveis do dirigismo desportivo (organizações de cúpula, federações desportivas, associações regionais/distritais e clubes desportivos), ajustando as medidas de apoio à realidade de cada nível;

e) Criar nestes diplomas a figura do dirigente desportivo jovem, com direitos especiais em matéria de revelação de faltas às aulas, acesso à época especial de exames e adiamento de entregas de trabalhos, indo ao encontro do Estatuto do Dirigente Associativo Jovem (apenas em vigor para associações juvenis);

2. Segundo o já referido Inquérito ao Trabalho Voluntário, publicado pelo INE, as mulheres são as que fazem mais voluntariado em Portugal (55%). No entanto, no que diz respeito ao desporto nacional, as mulheres representam 32% do número total de praticantes desportivos, 20% do número total de dirigentes e 5% (!) do número total de presidentes de federações com utilidade pública desportiva (dados publicados pelo IPDJ, em 2023). Fica por demais evidente que a percentagem de mulheres que participam em atividades de voluntariado e a percentagem de mulheres que são praticantes desportivas não se está a traduzir, em igual escala, no número de mulheres que são dirigentes desportivas.

Esteve bem o Governo quando, no novo Regime Jurídico das Federações Desportivas, publicado no início deste ano, instituiu a obrigatoriedade da proporção de pessoas de cada sexo, para cada órgão de administração e de fiscalização das federações e ligas, não ser inferior a 33,3%, mas é necessário alargar esta medida às associações desportivas de base local, que estão a montante, para que os números a jusante não resultem na realidade que verificamos;

3. Uma das problemáticas atuais do dirigismo desportivo (muito bem sinalizada por José Manuel Constantino na sua última entrevista) prende-se com o seu envelhecimento. Se pensarmos que o futuro do desporto nacional está na juventude, é preocupante perceber que o sistema está cada vez menos atrativo para os mais jovens e cada vez mais envelhecido.

Um bom exemplo a seguir nesta matéria é o desporto universitário em Portugal, tutelado pela FADU – Federação Académica do Desporto Universitário, desde 1990. A FADU, que por imposição estatutária é sempre liderada por um estudante do Ensino Superior, tem sido uma autêntica escola de formação de quadros para o desporto nacional. A realidade da FADU vem provar aquilo que tem que ser óbvio para todos: apostar nos jovens dirigentes, dando-lhes espaço para ocuparem cargos com responsabilidade no dirigismo desportivo, é garantir um melhor futuro para o desporto nacional. Se o sistema, por sua iniciativa, não está a ser capaz de entender isso, devemos então refletir sobre a introdução de quotas para jovens nas federações desportivas. Estamos a falar de uma discriminação positiva que gera controvérsias, mas é muitas vezes necessária para combater um sistema enviesado e envelhecido. Simultaneamente, não podemos ter presidentes ou dirigentes desportivos durante décadas em funções. É preciso alargar a limitação de três mandatos consecutivos num mesmo órgão às associações desportivas (atualmente só se aplica às federações desportivas), garantindo desta forma uma renovação do dirigismo desportivo nacional a um rimo muito mais acelerado;

4. O dirigismo desportivo de topo (falo, essencialmente, das federações desportivas) não pode continuar dependente da carolice das pessoas, numa espécie de atividade relegada para o pós-laboral; um autêntico hobby nacional. Não podemos ter medo de abrir o debate sobre a profissionalização destes dirigentes, utilizando a narrativa de que existem outras prioridades no sistema. Estamos a falar dos mais altos decisores do nosso sistema desportivo. As suas opções políticas e estratégicas têm impacto direto no desenvolvimento do desporto nacional. Temos que atrair os melhores, criar condições para isso e aumentar, consequentemente, o escrutínio da sua atividade;

5. Depois de criados todos estes mecanismos de proteção aos dirigentes desportivos, podemos também aumentar as exigências para o exercício desta atividade. Falo, neste ponto, da formação desportiva. É uma das áreas frequentemente menosprezadas no setor desportivo, mas temos que ter consciência que não há desenvolvimento desportivo sem formação dos dirigentes desportivos. No futuro, deve ser estudada a obrigatoriedade de realização de um curso de formação inicial para dirigentes (curto, mas polivalente) dirigido aos presidentes das associações desportivas e a todos os dirigentes com funções executivas nas federações desportivas. Até lá há um longo caminho a percorrer. Atue-se, em conformidade, pelo Desporto Nacional.