Sentado de perninhas à chinês diante do espelho, João Fonseca escondeu-se do seu reflexo fechando os olhos. Respirou fundo, deixando o ar vagarosamente percorrer as ruelas do sistema respiratório até chegar aos pulmões. Repetiu o processo... uma... e... outra... vez... Durante a meditação, colocou-se no controlo de cada músculo e acalmou a mente.

Subiu em modo zen ao azulado pavimento da Margaret Court Arena confiando na eficácia na rotina pré-jogo para não se diluir à frente do desconhecimento. Já não estava diante do espelho e, com as pálpebras hasteadas, o reflexo abandonara-o para dar lugar a Andrey Rublev, nono melhor tenista da aldeia tenística. João Fonseca “gosta de trabalhar silenciosamente e nem tem redes sociais”. Tem um “controlo mental incomum” e parece estar sempre “pronto para qualquer situação". As denúncias que Bruno Soares, tenista brasileiro que chegou a ser número dois do mundo, fez no “Folha de S. Paulo” escalpelizam porque é que João Fonseca lidou tão bem com o adversário mais cotado da sua a curta carreira.

A cara deserta de barba deixava sobressair as rosáceas que ao fim de 2h23 de encontro tinham forçosamente que se notar. Rublev martelava a raquete no chão, incapaz de acreditar que um fulano de 18 anos que ficaria ainda mais conhecido depois de lhe ganhar – (7)7-6(1), 6-3 e (7)7-6(5) – em três sets na primeira ronda do Open da Austrália.

João Fonseca teve que ultrapassar três rondas de qualificação para estar no quadro principal, tornando-se no brasileiro mais novo de sempre a disputar um Grand Slam, ultrapassando Gustavo Kuerten que participou na edição de 1996 de Roland-Garros com 19 anos. A estreia em torneios desta envergadura, a estreia a jogar contra um jogador do top-10, a estreia numa partida a cinco sets, a estreia a vencer num Grand Slam: todo um mundo novo que o carioca parecia conhecer desde sempre. “Nada mau” foi a expressão que usou para descrever o feito forçando as bancadas a gargalhar.

Hannah Peters

A determinado momento de uma transmissão televisiva que terminou quando na Austrália já passava das 23h e em Portugal algumas barrigas começavam a roncar solicitando almoço, o grafismo alertou para uma direita que atingiu os 181 km/h, até ao momento a pancada mais rápida do torneio, acima até dos 178 km/h a que Carlos Alcaraz conseguiu pôr a bola a andar frente a Alexander Shevchenko. Em comum com o espanhol, João Fonseca tem o título conquistado nas Next Gen Finals, competição da ATP que reúne os melhores jogadores sub-20, e o facto de ambos terem conseguido ganhar na estreia em Grand Slams.

Pesem embora estes registos, foi Novak Djokovic que, em abril de 2024, disse identificar-se com João Fonseca. “Fonseca, o brasileiro. Eu vi-o jogar, joga muito bem. Faz-me lembrar o meu jogo”, comentou junto das plataformas do ATP Tour. A premunição augurava que João Fonseca pudesse aparecer a um nível sólido. Aliás, os sinais estavam todos lá. Da lista de vencedores do Next Gen Finals, além de Alcaraz (2021), saiu também Jannik Sinner (2019), atual número um do mundo.

O quão bom se vai tornar é dúvida para desfazer em breve. Contra Lorenzo Sonego, na segunda ronda do Open da Austrália, eis mais uma hipótese para deslumbrar.