Quarta-feira. Munique. 15h26 (na hora local). Schneider Brauhaus. A três minutos a pé da Marienplatz. Faltavam pouco menos de seis horas para o reencontro entre Bayern e Benfica na Allianz Arena. O zerozero partiu em busca das sensações encarnadas.
Antes do jogo da prova milionária, a missão em Munique era uma: a procura pelas histórias de alguns das centenas de benfiquistas que se encontravam na Marienplatz durante a concentração dos adeptos do Benfica.
O zerozero seguiu pelas ruas da Baviera e, num pub muito próximo da praça central que serviria de meeting point, a porta abriu. Ao fundo da sala, eis que surgiu uma possível solução: um grupo de benfiquistas rodeados da famosa cerveja alemã e com muitas histórias para contar. O encontro foi informal e genuíno. Ouvir falar português por aquelas ruas parecia mito até então e, aí, a conversa surgiu naturalmente.
«Deram-nos pulseiras da sorte em Barcelona»
Filipe Carvalheira tem 22 anos. Já viveu em Norwich, mas regressou a Portugal pouco depois da pandemia. Voltou para Lisboa, de onde é natural. Esta terça-feira, no dia anterior ao encontro, o jovem e o grupo de amigos embarcaram rumo a Munique, com escala noturna em Barcelona.
«O nosso voo para aqui era de madrugada. Entre dormir no aeroporto e ir para as Ramblas, decidimos pela segunda», afirmou, no início da conversa, antes de referir o que viria a ser superstição para o jogo.
«Por lá, encontrámos um senhor que nos viu vestidos com camisolas do Benfica. Falámos do jogo e, do nada, deu-nos três pulseiras da sorte em Barcelona. Ele só nos dizia 'É de graça, Levem convosco. Vão ver que vai dar sorte'. E trouxemos - pelo menos dois de nós. Um dos nossos amigos deitou-a fora». De fundo, ouviu-se um «Não acredito em superstições» em jeito de resposta.
A conversa fluiu dentro da Schneider Brauhaus e as horas foram passando a relembrar histórias de velhas deslocações a exteriores europeus para apoiar o Benfica. Algumas delas antigas.
«Apareço na foto da crónica do zerozero!»
«Ainda me lembro daquele 4-1... O Klinsmann... Que gajo inacreditável!», diz um. «Com o Inter, há dois anos, deu para sonhar», diz outro. Pelo meio, Filipe recordou-se de Anfield - por várias ocasiões -, mas trouxe um facto à mesa.
«Na crónica do zerozero do jogo em Anfield, sou eu que apareço na foto!» Fomos prontamente confirmar e é verdade: é mesmo Filipe quem aparece em destaque na foto. «Eu nem reparei que a câmara estava lá, mas, quando acabou o jogo, decidi ir ler a crónica, reparei na foto e fiquei completamente chocado.»
E passou a recordar o jogo. «O árbitro foi ao VAR nos três golos. Parecia impossível. Mas nós estávamos lá e acreditávamos que era mesmo possível. Quando o Darwin marcou... Parecia mesmo possível. Estava um ambiente incrível, estávamos todos a puxar pela equipa.»
O Benfica - na altura, treinado por Nélson Veríssimo - acabou eliminado da Liga dos Campeões, enquanto o Liverpool seguiu para as meias-finais.
«Estou a chorar por causa de uns gajos que se juntaram há 120 anos»
A hora da ida para o estádio aproximava-se a passo lento e as conversas deslocaram-se para o centro da Marienplatz, junto da restante concentração benfiquista. Entre cervejas, abraços e recordações, houve espaço para reavivar memórias.
Um dos elementos do grupo que o zerozero acompanhou foi Filipe Inglês - cronista do nosso portal. Ao acaso, no centro da praça, acaba a ser abordado por outro adepto.
A conversa relevou emoções e esse mesmo adepto que se aproximou começou a recordar o passado - e recorreu mesmo aos momentos de Anfield.
«Nós estávamos lá e eu estava a chorar, arrepiado pelo que estava a acontecer. Eu nem consigo falar bem disto agora, está-me a dar vontade de chorar. Naquele momento, eu só pensava 'Estou a chorar por um grupo que se decidiu juntar e criar isto'. Eu estou a chorar agora por causa de uns gajos que se juntaram há 120 anos e fundaram o Benfica. Eu amo isto.»
Enquanto as lágrimas de felicidade escorriam pelo rosto, esse mesmo adepto começou a mostrar os vários panos que levou ao jogo. «Modéstia à parte, este vai ser o mais bonito que vai entrar no estádio». E mostrou um pano alusivo a maio de 1961, a primeira Taça dos Campeões Europeus conquistada pelo Benfica.
Depois da emoção, nova história surgiu - e bem peculiar. «Uma vez, fui sair à noite e conheci uma americana. Estávamo-nos a dar bem e a coisa estava a rolar. Só que eu ando sempre com autocolantes do Benfica no bolso. Enquanto estava com ela, tirei um, olhei para a cara do José Águas e desfoquei. Pensei para mim, ‘a minha paixão é outra’.» «Então e a americana?», questionou-se. «Pá, foi à vida dela. O meu amor é só um.»
«Quem não acredita não é Benfica»
Aproximava- se a hora do jogo e a concentração de adeptos benfiquistas na Marienplatz ficava cada mais repleta. Ao grupo que acompanhámos, juntaram-se mais três pessoas e os prognósticos começaram a aparecer.
Filipe Carvalheira mostrava-se confiante - afinal, tinha as pulseiras da sorte oferecidas em Barcelona -, mas outros já não se mostravam tão otimistas, pelo menos a olhos vistos.
«É óbvio que tenho de acreditar. Acredito sempre. Fiz estes quilómetros todos, vim até cá e por isso mesmo é que tem de ser assim», referiu. Do outro lado - os que acreditavam que poderia haver uma surpresa, mas não demonstravam a viva voz - refletiam: «Por isso é que estamos cá também. Porque acreditamos que poderá ser possível, mas para não partir o coração como em outros tempos, é preferível resguardarmo-nos e manter expectativas em baixo.»
«Então e se fizermos o 0-1 primeiro? Já acreditas mesmo?» «Vamos ver, vamos ver...» E seguiu-se para a cerveja seguinte, enquanto a hora de arrancar para a Allianz Arena não chegava.
A multidão amontoava-se, os cânticos impunham-se e a festa começou ali mesmo, com vários convívios espalhados ao longo de uma das praças mais míticas de Munique. Ao fundo, ouvia-se «Quem não acredita não é Benfica». E esse foi o mote para os milhares de benfiquistas que se deslocaram a solo germânico.
De tempo quase esgotado e depois dos mais variados temas explorados, chegou a hora. No entanto, as televisões do metro da Marienplatz emitiam a mensagem de que as estações ficaram interrompidas durante algum tempo após pirotecnia nas instalações.
Com o tempo a apertar, foi preciso arranjar solução. Táxi? Seguia-se a pé para a próxima estação? O que fazer? Poucos minutos depois, novo aviso. Linha aberta. É para seguir caminho e os caminhos desviaram-se. Os Filipes e o restante grupo seguiram para o local designado para os adeptos visitantes, o zerozero seguiu para a entrada Media. Mas, no final, restou o convívio e os 90 minutos seguintes.
Depois de tudo, a pulseira da sorte oferecida em Barcelona não passou de uma superstição azarada, mas acabou por se tornar uma nova história para contar.
Esta quinta-feira, regressaram a Lisboa, depois de outra escala na Europa, onde - mesmo apesar do resultado conseguido pelo Benfica e do cansaço inerente - reinou o sentimento de dever cumprido.