
A Muralha Amarela, a atmosfera indescritível do Signal Iduna Park e a paixão inabalável dos seus adeptos fazem do Borussia Dortmund um dos clubes mais icónicos da Europa. Mas há outro elemento que, ao longo dos anos, ajudou a moldar a identidade dos Borussen: o talento brasileiro. Revisitamos a história dos canarinhos que deixaram marca no clube através dos testemunhos de Evanilson e Ewerthon.
A ligação entre o Borussia e o Brasil não é de hoje. Ao longo das décadas, nomes como Júlio César, Dedê, Amoroso, Felipe Santana, Flávio Conceição e os próprios Evanilson e Ewerthon ajudaram a colorir de verde e amarelo a história do clube. Para Evanilson, que vestiu a camisola aurinegra entre 1999 e 2005, recordar esses tempos é inevitável.
«Cara, nem me fala. Dá uma saudade monstra... Naquela época, a nossa equipa era muito boa. Tínhamos muitos jogadores que queriam vencer, não adianta só um querer», contou, relembrando os dias partilhados com nomes como Rosický, Jan Koller, Lehmann e Weidenfeller.

«Sempre que passava pelo estádio arrepiava-me»
A saudade vai além dos relvados: «Estávamos sempre a encontrar-nos na casa uns dos outros», revelou o ex-lateral, garantindo que a culinária brasileira também fez parte da festa. «Organizava muitos churrascos», admitiu entre risos antes de confessar: «Levava os alemães todos. Uma vez, trouxe carne do Brasil e fiz um churrasco. Foi toda a gente, até o Lehmann e o Sammer foram!». Entre caipirinhas e vinho, a festa era garantida: «Não era nada feito às escondidas», atirou com humor.
Se fora de campo o espírito brasileiro se impunha, dentro das quatro linhas o choque cultural foi uma realidade: «O foco dos alemães era algo inacreditável. Nós, brasileiros, somos mais soltos, mas já tínhamos aprendido o que eles queriam: foco, foco e foco», destacou Evanilson.
O lateral-direito também recordou que, quando o desempenho não era o melhor, a culpa recaía sempre sobre os sul-americanos: «Se perdíamos, o foco eram os brasileiros; se ganhávamos, era mérito dos brasileiros.»
A pressão sobre os jogadores canarinhos era enorme, mas Evanilson e os seus compatriotas souberam transformar essa responsabilidade em protagonismo dentro de campo: «Era um plantel novo, o Sammer era um treinador novo, fomos nós mesmo que 'pegou firme' na equipa», reforçou.
O choque não se resumia às diferenças de mentalidade: «O primeiro ano foi difícil. Quando chegou o inverno, quis vir embora», confessou. "Graças a Deus, deu tudo certo". O ex-lateral não se poupou nos elogios ao ambiente, ao estádio e aos adeptos do clube: «Sempre que passava pelo estádio arrepiava-me. Sei a força que é aquela Muralha Amarela. Com aquela atmosfera, entras sempre para ganhar».
O golo do título e a magia do Dortmund
A mesma paixão é partilhada por Ewerthon, o homem do golo do título alemão de 2001/2002. «Foi inesquecível. Era uma mistura de emoções: sair muito jovem do Brasil, chegar a ser uma peça importante, fazer o golo do título... e a família toda no Brasil. Passa tudo pela cabeça", confessou.
O antigo atacante destacou ainda o apoio incondicional dos adeptos. «Os adversários sentiam o peso. O Dortmund na Alemanha é muito diferente dos outros clubes. É uma torcida muito apaixonada e agarrada ao clube», explicou. «80 mil pessoas a apoiar e a puxar por si. É uma energia muito grande.»
O vínculo entre os brasileiros da equipa ia muito além do relvado. «A nossa equipa era muito unida: alemães, checos, etc. Mas samba e churrasco? Íamos sempre para casa do Evanilson», revelou, entre risos. «Os alemães não sambavam, mas bebiam caipirinha. De certeza que já tinham provado antes, pelo jeito que beberam!», brincou.

Há histórias que ficam para sempre. Ewerthon lembra uma em particular: «O Sammer queria tirar o Amoroso de campo e ele recusou. O estádio começou a cantar: 'Amoroso, ninguém joga tão lindo como você'. Mais tarde, ele acabou por sair, mas falamos sempre disto quando nos encontramos».
Hoje, Evanilson dedica-se a uma escola de futevólei, enquanto Ewerthon é empresário, comentador e dono de uma academia de futebol. O Borussia Dortmund ficou no passado, mas a paixão pelo clube e pela sua história continua bem viva. No final, talvez a grande lição que estes brasileiros tenham deixado em Dortmund seja que, por vezes, uma equipa não precisa apenas de tática e rigor. Um pouco de samba, caipirinha e um bom churrasco também podem fazer a diferença.