
Os últimos dias de mercado mostraram algo que já se adivinhava com a chegada de Martín Anselmi, mas que ficou consolidado com o tipo de operações feitas e/ou negociadas pelo FC Porto.
Por um lado, por força de uma tesouraria asfixiada e de contas acorrentadas a um rasto de operações pesadas no passado, a SAD dos azuis e brancos não teve dúvidas em relação à possibilidade de faturar mais de 100 milhões de euros só em janeiro com as saídas de Wanderson Galeno e Nico González.
Por outro lado, pela necessidade de remodelar um grupo de trabalho que funcionará à luz de uma outra ideia de jogo, foi apontando a vários alvos típicos de gabinetes de scouting com perspetiva de valorização e rentabilização desportiva e financeira. Pelo meio, o jogo dentro de campo. E um jogo que seria “desleal” para o treinador argentino em várias perspetivas.
Apresentado exatamente há uma semana, na ressaca do empate do FC Porto no Dragão com o Santa Clara, Anselmi viveu mais do que provavelmente poderia imaginar. Teve um par de treinos antes da viagem para a Sérvia, arriscou experimentar um novo modelo tático sem a consolidação que advém do trabalho diário, teve um triunfo fulcral pela margem mínima para assegurar entrada no play-off da Liga Europa. Viu Galeno sair por 50 milhões de euros, lidou com os sintomas dos últimos dias de mercado com o namoro do City a Nico González à cabeça, teve de assumir decisões sem o tempo necessário de convivência acreditando naquilo que era passado pelos responsáveis (como Iván Jaime), enfrentava agora uma deslocação sempre complicada a Vila do Conde para defrontar o Rio Ave pressionado pelos triunfos dos rivais e antes do clássico.
Era nesse contexto que chegava o jogo frente a um Rio Ave capaz de discutir uma partida com qualquer adversário jogando em casa, mas que também teve exibições falhadas em tempos recentes como, por exemplo, na derrota com o Sporting.
No final, sobrou sobretudo o bom da exibição e tudo menos o resultado. O FC Porto recuperou a alegria de jogar futebol, o 3-4-3 consegue potenciar o melhor que Rodrigo Mora, Gonçalo Borges ou os laterais/alas podem fazer (já em relação a Samu, faltam movimentos de rutura que consigam colocar o avançado mais na sua zona de conforto), mas deixa demasiados expostos centrais que não estão habituados a sair a construir a partir de trás sem apoio dos médios, algo corrigido em parte com o recuo de Eustáquio.
Assim, a pouco e pouco, o FC Porto de Martín Anselmi começa a dar sinais do que quer e de como quer. Os primeiros 30 minutos nos Arcos foram de total sufoco da formação portista.
O técnico argentino entregou o corredor esquerdo a Francisco Moura e colocou Rodrigo Mora mais por dentro. Do lado contrário, o papel inverteu-se: o ala João Mário foi quem surgiu mais por zonas interiores e Gonçalo Borges, o extremo, conferiu a largura.
Comparativamente ao jogo europeu, o treinador azul e branco mudou no trio defensivo e optou por três defesas centrais “puros” e que tiveram as referências no trio ofensivo vilacondense – Tiago Morais, Kiko Bondoso e Clayton – para os duelos individuais que praticamente sempre estancaram as tentativas de saída dos anfitriões na primeira meia hora. Com bloco alto e com os centrais a saltar sempre na pressão, o FC Porto empurrou o Rio Ave para trás e fez de Cezary Miszta o melhor em campo na etapa inaugural.

A troca de um médio por um defesa na linha de três foi, contudo, um problema para os dragões noutro departamento. Anselmi entregou a construção ao trio composto por Tiago Djaló, Nehuen Pérez e Otávio Ataíde e deixou Stephen Eustáquio mais perto de Alan Varela. Os defesas centrais, contudo, tiveram várias falhas no momento da construção e foi na mais clara de todas, da parte de Nehuén, que o Rio Ave se adiantou.
Nehuen Pérez saiu a construir a partir de trás, perdeu a bola perante a zona de pressão alta de Clayton e o avançado brasileiro só teve de fintar Diogo Costa, que, ainda por cima, foi atrapalhado pelo central argentino, para encostar para a baliza deserta.
Oferecer um golo desta maneira, por pura displicência, depois de 30 minutos fantásticos, e assistir ao colapso mental de alguns jogadores, que decidiram começar a discutir uns com os outros, é revelador das limitações e bloqueios que assombram esta equipa. Uma dura chamada à realidade.
O intervalo iria, assim, chegar com os portistas em desvantagem e com os vila-condenses muito cientes do que tinham de fazer no encontro.
Ao intervalo, Anselmi optou por não trocar jogadores, mas mudou dinâmicas e movimentações atrás e no último terço, com Eustáquio a dar outras soluções de passe aos centrais na construção a partir de trás e com Gonçalo Borges e Rodrigo Mora a caírem mais vezes nas alas para deixarem Samu como referência entre os centrais.
Já agora, se há ilações para tirar deste jogo é que Francisco Moura não poderá continuar nessa função que lhe exige demasiado física e tecnicamente. Além disso, Gonçalo Borges é demasiado curto em termos de recursos para ser um titular neste Porto.
A convivência com o João Mário não deu qualquer vantagem, antes pelo contrário, já que se perdeu a voracidade ofensiva do lateral (mais limitado por dentro), a capacidade em condução e, sobretudo, a qualidade nos cruzamentos intencionados.
Continuando, de facto, até foi assim que o FC Porto recuperou o domínio do encontro sem margem para saídas dos visitados e chegou mesmo ao empate de bola parada, com Nehuen Pérez a aproveitar uma bola que ficou a pingar na área após canto à direita para desviar para o 1-1, à passagem do minuto 52.
Contudo, o gás foi-se acabando, Anselmi mexeu com as entradas de Fábio Vieira e Pepê para as saídas de Eustáquio e Gonçalo Borges. O encontro voltava a complicar-se para o conjunto azul e branco, com Samu a ter o único remate num desvio de cabeça fraco na área entre o “encaixe” que o Rio Ave voltava a fazer sem bola e com a defesa a voltar a cometer um erro capital que por pouco não deu mais um golo a Clayton, com Otávio a passar sem ver e o avançado brasileiro a passar por Nehuen Pérez, mas a atirar ao lado com Diogo Costa de forma momentânea fora da baliza.

Não foi aí, foi pouco depois: o início do fio de jogo do FC Porto foi o seu fim. Nehuen Pérez e Otávio entraram num despautério que impede qualquer treinador – chame-se Martín Anselmi, chame-se Vítor Bruno, chame-se José Mourinho ou Pep Guardiola – de ganhar jogos.
Que não se tenha dúvidas: o que se viu nesta segunda-feira no Estádio dos Arcos é do pior da história do FC Porto em termos de linha defensiva. Absolutamente caótico. Nehuen Pérez é uma das maiores deceções desta liga. No caso de Otávio, o descalabro foi sendo anunciado na quezilenta atitude demonstrada ainda antes de regalar a Ole Pohlmann o segundo golo dos 10.º classificados da Primeira Liga.
É inacreditável como o clube que teve Aloísio, Geraldão, Celso, Ricardo Carvalho, Fernando Couto e Jorge Costa anda a jogar com o imprevisível Otávio Ataíde e o apático Nehuen Pérez, algo impensável. Anselmi precisava urgentemente de centrais e eles não vão chegar ao FC Porto para já.
É que Nehuen e Otávio, além dos crassos erros individuais, puxaram sempre a equipa para baixo em termos anímicos. Completamente expostos ao erro e sem qualquer capacidade para dar a volta por cima. No caso de Otávio, vai constantemente do 8 ao 80, recorde-se, por exemplo, a exibição em Belgrado. Na minha ótica, o central brasileiro não podia estar em campo desde a primeira parte, período em que já tinha falhado por um par de vezes, muito porque já não tinha condições emocionais, sendo que muitos há outros em registo semelhante.
A verdade é que, diga-se, a defesa portista foi protagonista para bem e para o mal. Três minutos depois, Otávio também se redimiu e assinou o empate num remate de meia distância que ainda desviou num adversário.
Nova igualdade abriu a porta para o “assalto final” dos azuis e brancos em busca dos três pontos, mas o jogo descaraterizou-se. Mais com o coração do que com a cabeça, os portistas perderam alguma clarividência no último terço e as aproximações mais perigosas até pertenceram ao Rio Ave, mas o resultado não voltou a mexer.
No fundo, Martín Anselmi preferiu empatar, que, num clube como o FC Porto, é praticamente a mesma coisa que perder, com uma ideia do que ganhar sem ela, mas isso não serve de consolo aos adeptos de um clube como o FC Porto.
Os dragões foram, assim, mais uma vítima do Estádio dos Arcos, onde só o Sporting é que passou. Como prejuízo a varrer após quatros jogos sem ganhar para o campeonato, o FC Porto encerrou a 20.ª jornada a oito pontos da liderança (e na próxima jornada há clássico com os leões).
Com a saída de Galeno para o Al Ahli e de Nico González para o Manchester City, o FC Porto fecha o mercado de inverno com os cofres mais afagados, mas com o projeto desportivo desmoronado para o que resta da época.