Nikola Popovic é treinador do Atlético CP e esteve à conversa com o Bola na Rede. O técnico de 51 anos nasceu em Belgrado mas cresceu em Lisboa e desde cedo foi habituado ao futebol. Trabalhou em 10 países diferentes fora de Portugal, e orientou uma das melhores gerações da história da formação do Benfica. Um exclusivo Bola na Rede.
Bola na Rede: Nikola Popovic, antes de mais obrigado pela disponibilidade para falar conosco. O Nikola cresceu em Lisboa mas não sei se o futebol fez sempre parte da sua vida, como é que decide que quer ser treinador de futebol?
Nikola Popovic: Foi sempre uma paixão desde pequeno, lembro-me que o meu pai me levava ao antigo Estádio da Luz e era impressionante as 120 mil pessoas, lembro-me das meias-finais da Liga dos Campeões contra o Marselha, são coisas que me marcaram. Também o meu pai era jornalista, e muitos futebolistas da altura jugoslavos passaram lá por casa e fui-me apaixonando pelo futebol. Em Portugal ainda cheguei a jogar não a um grande nível, joguei no Pinheiro de Loures e no Agualva-Cacém e depois apareceu a paixão pelo treino e pela vontade de estudar mais aprofundadamente a parte teórica técnico/tática do futebol e a paixão foi surgindo cada vez mais até aos dias de hoje.
Bola na Rede: Como é que as coisas se desenrolaram desde essa paixão inicial até que surgiu a oportunidade no seu primeiro trabalho, no Olivais e Moscavide?
Nikola Popovic: Sim, fui-me formando, fui a Londres tirar um curso também e quando regressei tive oportunidade de estagiar primeiro com o professor Rui Dias, que na altura estava no Olivais e Moscavide e depois passado um ano de estágio surgiu o convite para integrar a equipa técnica, e a partir daí as coisas foram se desenvolvendo. Fui sempre estudando e tirando os cursos, tirando depois o UEFA A aqui na Federação Portuguesa de Futebol, depois o UEFA Pro e foram aparecendo várias oportunidades, que eu fui agarrando e fui treinando pelo mundo fora.
Bola na Rede: Seguindo aquilo que foi o seu percurso, queria realçar esta passagem como adjunto na seleção de Cabo Verde. Queria perguntar-lhe como é que surge esta oportunidade e acima de tudo quais foram as principais diferenças que encontrou entre o trabalho de clubes e o trabalho de seleção, que certamente é diferente.
Nikola Popovic: Exatamente, esse convite surgiu do professor João de Deus, quando eu tinha acabado de estar duas épocas com o professor Rui Dias no Varzim e obviamente que o trabalho de seleção é um trabalho bastante diferente. Não estamos diariamente com os jogadores, há primeiro um processo de observação e de procura de jogadores que podem encaixar bem no modelo que se pretende desenvolver. Tentar encontrá-los, observá-los e depois quando tínhamos algumas semanas treinávamos e aplicávamos bem esse tempo para poder preparar e desenvolver o modelo de jogo que o professor João de Deus queria desenvolver na altura, mas depois apareceu a tal proposta para ir para Espanha, e fomos para Ceuta.
Bola na Rede: Depois de mais algumas experiências fora, o Nikola regressa então a Portugal e tem o seu primeiro trabalho como treinador principal, sempre foi o seu objetivo chegar a um patamar de treinador principal? Como foi esta experiência no Sertanense?
Nikola Popovic: A minha paixão é o futebol, é o jogo em si e o trabalho. Tanto como treinador adjunto como principal temos sempre de estar no máximo e desenvolver com propósito a tarefa que me dão. No entanto, obviamente depois de tantos anos a trabalhar e a estudar surgiu esta oportunidade no Sertanense, não foi muito longa mas o tempo que estive foi bastante interessante e mais uma vez as culturas de vários países são diferentes e é completamente diferente trabalhar em Portugal, ou numa Seleção ou na Ásia ou nos Estados Unidos da América, mas as experiências são sempre enriquecedoras e no Sertanense foi outra experiência fantástica com pessoas incríveis e um clube muito muito querido.
Bola na Rede: Em 2015/2016 trabalhou com o Hélder Cristóvão como adjunto do Benfica “B”, numa equipa que tinha jogadores como: Éderson, Rúben Dias, Lindelof, Renato Sanches, Nuno Santos, Luka Jovic e podia continuar. Como foi trabalhar inserido na estrutura de um clube com a dimensão do Benfica?
Nikola Popovic: Uma experiência muito enriquecedora, porque realmente à semelhança do Estrela Vermelha são clubes diferentes. Não é por acaso que um Benfica e um Estrela Vermelha são Campeões Europeus. Há realmente uma estrutura de profunda competência, de atenção ao detalhe, e ao pormenor que realmente faz com que estes clube sejam capazes de gerar tanto talento. Como disse, nesse ano nós tivemos jogadores que hoje em dia estão a jogar nas melhores equipas do mundo, mas penso que isso acontece de forma natural quando se trabalha com tanto profissionalismo e com tanta atenção ao detalhe.
«O Renato Sanches ainda está a tempo de se tornar num dos melhores jogadores do mundo».
Nikola Popovic, treinador do Atlético CP
Bola na Rede: Atendendo aquilo que foi o contacto que teve com os jogadores nesta altura, qual era o jogador desta equipa que mostrava mais potencial?
Nikola Popovic: Na altura, era o Renato Sanches, obviamente. Tanto que nessa altura o Rui Vitória chama-o mas que realmente era um jogador com um potencial extraordinário para a idade que tinha. Era todo-o-terreno, um jogador com uma capacidade mesmo fora de série. Tanto que não surpreende que ele depois vai para o Benfica, para a Seleção, para o Bayern Munique. Penso que era o jogador que se percebia claramente que iria fazer parte dos grandes jogadores a nível nacional. Ele na altura era ainda bem jovem, mas eu acho que o Renato, na minha opinião, se não tivesse tido tantas infelicidades a nível de lesões e acho que ainda está a tempo de se tornar num dos melhores jogadores do mundo.
Bola na Rede: Não sei se concorda comigo, mas segue-se aquele que terá sido o seu trabalho de maior relevo como treinador principal que acabou por correr muito bem, não só nos Estados Unidos como depois também na equipa canadiana que atuava na segunda divisão dos EUA. Como é que foi esta experiência na América do Norte, que lhe correu tão bem?
Nikola Popovic: É uma experiência muito interessante porque estamos a falar de uma cultura completamente diferente, onde os clubes são empresas. Há uma abordagem e uma forma de estar completamente diferente. Há tempo para se trabalhar, há uma percepção clara de que há um processo para se atingir objetivos e acho que quando há essa atenção e esse entendimento de que as coisas não podem ser feitas de um dia para o outro e é preciso paciência para se trabalhar, as coisas acabam por acontecer. Foram quatro anos onde consegui alguns títulos, e desenvolver jogadores que chegaram depois às respetivas seleções. Penso que a cultura lá é diferente, é uma forma diferente de ver futebol. O futebol cada vez mais tem qualidade, no caso da MLS é uma liga que está em crescendo e não é por acaso que estão lá jogadores de um grande nível mundial. Mas claramente que é uma forma de estar no futebol bastante interessante e da qual se pode aproveitar muita coisa do que lá se faz.
«Com o Dejan Stankovic tive muita escola e aprendi muito a nível defensivo».
Nikola Popovic
Bola na Rede: Como foi depois regressar à Sérvia, e logo num dos maiores clubes do país como é o caso do Estrela Vermelha, e como adjunto de uma lenda como o Dejan Stankovic?
Nikola Popovic: É outra experiência fantástica à semelhança do que aconteceu no Benfica. São clubes especiais, e não é por mero acaso que esses clubes são campeões e ganham a Liga dos Campeões, a cultura é claramente uma coisa que vai gerar comportamentos que nos vão levar ao sucesso. A cultura no estrela Vermelha é uma coisa que importa e que vai influenciar e vai levá-los ao sucesso. Foram duas épocas onde conseguimos dois Campeonatos, uma experiência na Liga Europa, estivemos no play-off da Liga dos Campeões e ouvimos o hino. Estamos a falar de uma lenda do futebol Sérvio, também muito influenciado pelo futebol Italiano. E penso que na minha vocação como treinador consegui dar um grande salto a nível defensivo, que nós em Portugal muitas vezes damos prioridade ao futebol ofensivo. Ele era influenciado por treinadores como o Gasperini. Tive muita escola e aprendi muito a nível defensivo. Os italianos nesse aspeto da organização defensiva são muito especiais e há muita cosia a aprender com eles também.
Bola na Rede: Foram 10 países diferentes onde trabalhou no estrangeiro, com diferentes condições e culturas como já referiu. O que é que sente que isto lhe deu a nível profissional e pessoal?
Nikola Popovic: A nível profissional é óbvio que ter estado exposto a diferentes metodologias, numa Europa de leste há uma influência mais rígida, depois na Europa central mais integrada e tendo passado por estas diferentes metodologias obviamente que nos enriquece e nos permite trabalhar em diferentes contextos. A nível da cultura todos eles têm diferentes valores se bem que se forem bem aplicados e respeitados todos eles nos vão levar ao sucesso. A nível pessoal, conhecer tantas pessoas com diferentes abordagens e formas de ser e de estar é muito enriquecedor para qualquer ser humano. Eu só tenho a agradecer ter tido essas experiências, e que hoje fazem de mim um treinador diferente, com grande capacidade de adaptação a vários cenários.
Bola na Rede: Agora de volta a Portugal e para assumir o cargo de treinador principal do Atlético CP. Até agora ocupam o 2.º lugar na Série B da Liga 3, e o futebol jogado tem vindo a ser elogiado. As coisas não têm estado a correr nada mal, até agora.
Nikola Popovic: É óbvio que há o 2.ª lugar, e houve a série de vitórias consecutivas, mas nesta fase estamos mais focados no processo. E eu fui contratado para aplicar um modelo de jogo que é atrativo, que é a forma como eu gosto de pôr as minhas equipas a jogar. A ideia é focar no processo, porque estamos a criar alicerces para que depois de uma forma consistente e sustentada poder levar o Atlético CP para onde ele merece que é estar nos melhores campeonatos do futebol nacional.
«Apesar da diferença de realidades, naquele dia as coisas podiam ter sido diferentes».
Nikola Popovic, treinador do Atlético CP
Bola na Rede: Na Taça de Portugal tivemos oportunidade de ver um grande jogo frente ao Rio Ave, queria que nos falasse desse jogo e do quão perto o Atlético CP esteve de eliminar da prova uma equipa da Primeira Liga.
Nikola Popovic: Foi realmente uma pena, levámos a eliminatória a prolongamento e falhámos um penalty ainda antes do prolongamento. Foi um jogo em que tivemos a sorte de conseguir encaixar bem, e foi bem preparado. Tivemos a coragem de querer assumir, querer ter posse e ser arriscados frente a uma equipa de Primeira Liga. Numa situação de contra-ataque sofremos o golo mas a equipa não tremeu e foi atrás do resultado. Apesar de estarmos a falar de uma diferença de dois patamares, naquele jogo as coisas estiveram bastante equilibradas. São realidades diferentes, mas naquele dia as coisas podiam ter sido diferentes. Acho que mais do que o marcador aquilo que nos deixa contentes é a qualidade do jogo que foi capaz de ser apresentada, sabendo que grande parte desta equipa são jogadores que não se conheciam no inicio da época. É uma SAD nova, um treinador novo e jogadores novos, e por isso as coisas vão demorar um certo tempo a serem assimiladas. Haverá momentos altos e baixos, no entanto acho que os momentos altos já demonstram muita qualidade de jogo. Mas sabemos que no inicio de qualquer projeto vão haver oscilações.
Bola na Rede: Como inicio de época que a equipa tem vindo a fazer, incluindo este jogo com o Rio Ave e tendo em conta que na próxima jornada pode passar para a liderança, acredita que o objetivo da subida tem condições para ser alcançado já esta temporada?
Nikola Popovic: Eu, neste momento, estou mesmo focado no processo e em fazer com que os jogadores consigam assimilar o modelo. Em qualquer jogo acredito que vamos dar o máximo, e o que podem esperar de nós é sempre o máximo. Agora toda a gente conhece a competitividade da Liga 3, e não estou a exagerar se disser que o último pode ganhar ao primeiro. É um equilíbrio impressionante. Camisolas históricas como a Académica, o Belenenses ou o Atlético, mas quando as partidas começam é sempre um equilibro gigante. É uma liga muito nivelada e temos de ir jogo a jogo, mas em todos os jogos vamos dar o máximo.
Bola na Rede: Para terminar, perguntava-lhe se os planos para o futuro passam por continuar em Portugal, e eventualmente alcançar um patamar superior como é a Primeira Liga.
Nikola Popovic: Acho que qualquer treinador ambiciona sempre uma Primeira Liga, a Liga dos Campeões. Eu acho que uma pessoa deve-se focar sempre no presente. É aquilo que eu digo aos meus jogadores: Eu o passado já foi, o futuro eu não sei, não consigo controlar, o que eu consigo controlar é aquilo que eu faço hoje. E hoje estou no Atlético CP, estou muito contente, sinto que é um projeto muito aliciante e é aqui que vou dar o máximo. O futuro não sei, eu não consigo controlar. Queremos que o Atlético CP dia após dia cresça com uma cultura e com uma forma de jogar atrativa não só para quem nos vê, mas que também no seio da equipa haja prazer e uma alegria a jogar futebol.