
* por Rodrigo Costa
Numa realidade em que não são os clubes que adquirem os jogadores, mas sim os jogadores quem compram os clubes, desvaloriza-se cada vez mais o papel de intervenção do adepto habitual nas decisões da equipa. Neste momento procurar um clube em que os adeptos tenham uma voz ativa é quase como encontrar uma agulha num palheiro mas, assim como em tudo, há sempre uma exceção à regra e, por isso, fomos conhecer o Exeter City...
Fundado em 1904, a partir da fusão entre o St Sidewwell´s United e o Exeter United, o Exeter City representa um caso único no futebol. Totalmente gerido pelos adeptos, o emblema da cidade de Exeter – como o próprio nome indica – conta com uma larga história de desafios que o deixaram perto da extinção.
De qualquer forma, como um bom conto, o percurso da equipa que atualmente disputa a EFL League One (terceira divisão inglesa) tem o dever de ser narrado a partir do início.
Dez anos após a fundação e seis depois de competirem pela primeira vez em competições nacionais, os gregos – alcunha do clube – viajaram para a América do Sul numa viagem que tinha sido recusada pelo Tottenham e fizeram história, história que se reflete nos cânticos vindos das bancadas do clube.
Pedro Borges tem 19 anos, pertence aos quadros do Exeter [está cedido ao Weston Super Mare] e ajuda o zerozero a conhecer a riquíssimo história dos homens do sul inglês.
A primeira equipa de sempre a jogar contra o Brasil
Parece mentira, mas é mesmo verdade. Depois do Exeter ter disputado nove partidas em 14 dias na Argentina sob condições precárias e debaixo de ameaças políticas, os jogadores, inconformados com a situação, resolveram viajar para a Inglaterra, com uma breve paragem no Brasil.
Uns dias em Copacabana bastaram para fazer chegar à equipa alguns convites para jogos, mas desta vez com melhores condições. Naturalmente, a formação britânica não rejeitou a oferta e, depois de um encontro com os ingleses que viviam no Rio e outro com os melhores jogadores de toda a cidade, acabaram mesmo por enfrentar a primeira seleção brasileira!

Ainda se pergunta qual a relação com os cânticos atuais da equipa? Em qualquer encontro no velho – e bem estimado – St.James Park, os adeptos da equipa entoam um habitual «Vocês já jogaram contra o Brasil?» para as equipas rivais, recordando o mítico momento.
Denote-se que, apesar de não manter relação com a Confederação Brasileira de Futebol, o Exeter continua com excelentes relações com o clube que deu casa ao encontro, o Fluminense.
O Tricolor das Laranjeiras é de tal forma ligado ao clube inglês que não só é possível ver uma bandeira brasileira pintada na bancada do estádio, como ainda há um camarote nomeado «Fluminense», contando vários artigos do clube carioca nas paredes.
Apesar deste «início de pé direito», a história do clube seguiu por caminho tortuosos
A montanha-russa sem luz ao fundo do túnel
Entre 1920 e 1990, o Exeter City saltitou habitualmente entre o terceiro e o quarto escalão do futebol britânico. Apesar de certa consistência, em 1994 seguiu-se o momento mais negro da equipa.
Após uma época notoriamente negativa, os gregos foram despromovidos pela primeira vez na história do clube à Conference National – atual quinto escalão -, isto é, fora da Football League, que engloba as três divisões abaixo da Premier League.

Invadidos por uma crise desportiva e também económica, os diretores do clube à data vigente procuraram soluções para equilibrar as contar, surgindo assim a ideia de vender o estádio.
Em 1996 a venda foi realizada com as premissas de que a empresa Barrat Homes iria construir um novo estádio e, até que estivesse preparada a nova casa do Exeter, o clube iria continuar a jogar no St. James, mas algo correu mal...
Problemas da empresa de construção em viabilizar a construção de um novo estádio e falta de cláusulas para garantir a construção, deixaram o clube numa posição vulnerável e a pagar uma renda para continuar a jogar em casa.
A isto acrescentou-se, entre muitas outras situações, uma fraude cometida pelos dirigentes. Numa transferência de Darren Rowbotham para o Bristol City, no mesmo ano, os líderes do clube fizeram um negócio com o agente do jogador para que o Exeter apenas recebesse 120 mil libras de um total de 150 mil, ficando o resto do dinheiro para os três intervenientes.
Pouco a pouco os cofres dos gregos foram-se esvaziando cada vez mais, até ao ponto de ficarem com dívidas a superar os quatro milhões de libras – mais de cinco milhões de euros -, mas eis que surgiu uma possibilidade para pegar no leme deste barco «quase naufragado».
O novo brilho de um apagado
Em 2003, quando o clube atingiu a maior dívida de sempre, um grande grupo de adeptos não ficou de braços cruzados e assumiram o comando do complicado Exeter City, através do chamado Exeter City Supporter’s Trust (ECST).
Com uma economia totalmente gerida por este grupo de simpatizantes, o clube começou a reerguer-se de forma lenta e gradual.

O destino assim quis e, depois de um 0-0 na partida em Old Trafford, seguiu-se um 0-2 sorridente para os red devils na cidade costeira de Exeter, num confronto que contava com um jovem Cristiano Ronaldo como titular.
Apesar do resultado negativo dentro das quatro linhas, o encontro com uma das equipas mais emblemáticas da Inglaterra permitiu um grande encaixe financeiro nas contas do clube que, no ano seguinte, pôde comprar de volta o simbólico St. James Park.
Com estabilidade dentro e fora das quatro linhas e mais próximo que nunca dos adeptos, os gregos marcaram a promoção à League One em 2021/22, onde se encontram até aos dias de hoje, mas agora com um português pelo meio.
Importa dizer que toda a gestão (finanças, futebol profissional, futebol de formação) é realizado pelo ECST, sendo que todas as nomeações apontadas saem deste grupo de adeptos. Estamos a falar de um grupo com 3600 elementos, todos contribuintes de uma parcela anual a rondar os 25 euros.
O único luso de Exeter e a visita do Rei da Pop
Natural de Canidelo e com formação dividida entre o SC Coimbrões e o Boavista, Pedro Borges é o único – e primeiro – português de sempre a jogar no Exeter City.

«Quando eles veem um jogador mais novo ou um jogador da formação, eles veem futuro e falam muito bem de ti», conta o jovem luso que rumou a Inglaterra em busca de patamares maiores a nível profissional e pessoal.
Com apenas 17 anos, Pedro Borges estreou-se como sénior ao serviço dos gregos, na EFL League One, e relembra o jogo com carinho: «A estreia foi um momento emocionante para mim e para a minha família, talvez mais para o meu pai.»
Motivado a seguir os passos de Sandro Luís, o médio dá a conhecer as condições do clube inglês: «Uma equipa da 3ª divisão aqui consegue ter infraestruturas e centro de estágios tão bons quanto os grandes em Portugal.»

Dizendo que «todos os dias aprende algo novo sobre o clube», Pedro relembra aquela que pode ser uma das histórias mais surreais vividas em Exeter: a visita de Michael Jackson.
«A primeira vez que me contaram isso eu disse: 'Não, tu estás a mentir! O que é que o Michael Jackson veio cá fazer?' Mas depois vi fotos dele num carro no meio do estádio e é uma história muito engraçada», disse entre risos o jovem que já fez 23 jogos no escalão sénior nesta época.
A «aleatória» visita do rei do pop deu-se em 2002, sendo uma das tentativas de enfrentar os problemas financeiros. Apesar das intenções, o auxílio foi demasiado fugaz para as necessidades do clube.
Pedro fecha a conversa explicando que os adeptos não esquecem o passado, numa tentativa de que não se volte a repetir o mau momento no futuro: «A crise do clube é algo muito abordado e que faz com que os adeptos amem tanto o clube e vivam tanto o clube.»
Entre glórias e episódios mais obscuros, a extensa e intensa história do clube continua a escrever-se nos livros escritos pela mão dos adeptos que reconstruiram um clube a navegar contra a maré.