Andar pelas ruas de Roma é tropeçar em história. Literalmente. A cada passo dado parecemos encontrar algo relacionado com o histórico império romano e a cidade trata de proteger essa história. Por vezes, sem darmos por isso, damos por nós em cima de um vidro no chão, que protege escavações dessa antiga civilização, que dominou o mundo.

Além da história, para os amantes de comida, é uma cidade idílica, porque opções não faltam, especialmente no que toca a Gelatarias e osterias. Contudo, há que ter cuidado ao andar pela rua, porque os italianos não são conhecidos pelas suas aptidões como condutores, mesmo que as suas famosas motas «populem» cada canto desta alaranjada cidade.

De resto, esse laranja surge misturado, por vezes, com pormenores relativos à histórica AS Roma, grande figura clubística da cidade e rival do FC Porto esta quinta-feira. Contudo, basta uma pequena viagem pela cidade, especialmente para os arredores da mesma, que o cenário muda um pouco e esse laranja começa a ser substituído pelo azul claro da sua rival Lazio.

Mas de onde vem esta rivalidade? E por que é que é considerada uma das mais acérrimas de Itália? Passamos a explicar

Nascimento da maior rivalidade

Durante os seus primeiros anos de existência, a Lazio - a história completa - conseguiu dominar e ser o principal porta-estandarte de Roma ao nível do futebol, mas nunca o suficiente para acabar com o domínio dos gigantes do Norte do país. Por isso mesmo, em 1927, Italo Foschi, um secretário do Partido Fascista, iniciou um processo de fusão de três clubes romanos: o Roman FC, o SS Alba-Audace e o Fortitudo-Pro Roma SGS, com o objetivo de dotar a «Cidade Eterna», e capital do país, de um clube capaz de rivalizar com os potentados futebolísticos do norte de Itália.

A Lazio seria o único clube a escapar à fusão graças à intervenção do General Vaccaro, diretor dos laziale, que conseguiu mover as suas influências no regime, para a Lazio não ser incorporada no novo clube romano.

@Getty Images

Enquanto todos os clubes de Roma se uniam na nova equipa a Lazio parecia ficar fora da cidade onde nascera... Aos poucos a cidade apaixonava-se pelo novo clube e os adeptos da Lazio refugiavam-se fora da cidade. Desde então, um dos desígnios da Lazio é voltar a conquistar o coração da cidade em que nasceu.

Desde aí, a rivalidade entre Lazio e Roma e a luta pelo domínio da capital italiana tem vindo a crescer e adquiriu desde cedo até contornos políticos – conheça melhor a história desta rivalidade -, com a Lazio e os seus adeptos a serem desde cedo conotados à extrema-direita devido ao apoio que deram a Benito Mussolini, pai do fascismo italiano, e a este tipo de movimentos antidemocráticos em várias ocasiões. Além disso, os ultras da Lazio tiveram vários episódios de antissemitismo e racismo ao longo dos anos.

Contornos históricos e políticos

Mais antiga, e inspirada nas Olimpíadas de Atenas de 1896, a Lazio escolheu o azul da Grécia como a sua cor e optou pela águia, animal sagrado de Júpiter, o principal deus do panteão romano. A águia imperial romana seria mais tarde recuperada pelo movimento fascista italiano.

Por outro lado, a Roma escolheu o vermelho e o amarelo, respetivamente as cores da Roma Imperial e da Santa Sé, unindo no seu escudo o império terreno e o império celeste. Como símbolo os romanistas optaram pela Loba, o animal associado a Marte, o deus da guerra dos romanos, a amamentar os gémeos Rómulo e Remo.

A loba está associada ao mito fundador da cidade em 753 a.C., quando reza a lenda que Rómulo traçou com uma charrua de bois um sulco em volta do Palatino que marca a fundação da cidade. Ao apoderar-se dos símbolos e cores da cidade a Roma assenhoreou-se da mesma, deixando a Lazio como que órfã de berço.

O festejo de Di Canio @Getty Images

Politicamente, os dois clubes também se encontram em lados distantes da barricada. A Lazio há muito que é um clube com adeptos de direita. A sua claque há muito que está ligada a movimentos de extrema-direita. Paolo di Canio, um dos ídolos do clube e da sua massa associativa, publicamente defendeu Benito Mussolini e o fascismo em diversas ocasiões.

Num famoso dérbi festejou o golo sobre a Roma fazendo a saudação fascista em direção aos adeptos giallorossi. Noutro dérbi que ficou na memória horrorizada dos adeptos de futebol numa gigantesca faixa levantada pelos adeptos da Lazio podia ler-se: «Auschwitz é a vossa terra, os fornos são as vossas casas.»

O antissemitismo dos adeptos da Lazio sempre preocupou as autoridades, especialmente depois dos adeptos da Lazio terem utilizado cânticos anti-semitas em partidas com os ingleses do Tottenham (0-0) nas competições europeias, clube famoso pelas suas ligações à comunidade judaica.

Para os adeptos mais radicais da Lazio a cor da pele também tem lugar na rivalidade entre os dois clubes. A Roma sempre teve mais jogadores de cor que a Lazio e os adeptos da Lazio lembram isso com cartazes e gritos de guerra como " Roma clube de pretos, apoiado por judeus".

"Roma black juden club" é outra tarja que recorrentemente apareceu entre a claque biancoceleste. O clube sempre se distanciou destas manifestações racistas, mas a verdade é que com o tempo os exemplos de racismo vão se sucedendo com assustadora regularidade.

Por sua vez os tradicionais adeptos romanistas há muito que estão identificados com o centro-esquerda, separando-se assim não só da rival Lazio mas também do norte do país, normalmente mais associado à direita berlusconiana. Contudo, as principais claques da Roma não estão tão politicamente afastadas da Lazio como se podia julgar e muitos dos seus adeptos mais radicais também estão associados a movimentos de extrema-direita. Há quem diga que os radicais dos dois clubes odeiam ainda mais o governo (seja ele de centro-direita ou centro-esquerda) que os próprios adversários.