
Uma derrota em dezassete jornadas desde início de Dezembro. Desde aí, melhor defesa dos top5 da Europa, com oito golos sofridos – sete clean sheets nas últimas dez jornadas. Será, obviamente, um registo conseguido por Luis Enrique e o seu PSG, não? Não, errado. Tanta estabilidade foi conseguida por um inglês de 40 anos que do currículo só pode apresentar a quase qualificação para o play-off de acesso à Premier League. Liam Rosenior, despedido do Hull City por isso mesmo, foi visto pela BlueCo, os donos do Chelsea, como o treinador perfeito para o Estrasburgo, que serviria como clube satélite dos blues. Na mouche.
A sua história começa em 2022. Dum Hull em risco de queda para a League One, consegue-o meter em 15.º na tabela final; Ufa, quão aliviado se deve ter sentido Acun Ilicali, o excêntrico turco dono dos Tigers. Na época seguinte, Liam Rosenior continuou o seu trabalho de reformulação da equipa, estabilizando-o a nível de resultados: a equipa andou sempre às portas do top6, constantemente a intrometer-se numa luta que supostamente não era sua – Kieran Mckenna mandava no Ipswich Town, Enzo Maresca num formidável Leicester, Daniel Farke pegava no Leeds. Tudo gente habituada ao alto nível, com plantéis extensos e de contexto acima. Liam Rosenior apostava sobretudo no rigor tático, apesar da sua tripla de ataque se compor com Fábio Carvalho e Philogene no apoio a Liam Delap. Chegados à ultima jornada, bastava ganhar ao Plymouth Argyle, um dos aflitos na cauda da tabela.
A derrota (1-0) impossibilitou o sonho da subida. Acun Ilicali não se fez rogado – quatro dias depois, vinha a público revelar a sua decisão para o futuro. «Trata-se sobretudo duma diferença de opinião. O Liam é um excelente treinador e será imensamente bem-sucedido. É jovem e tem um grande carácter, a equipa gosta muito dele. Há imensas coisas positivas a retirar do seu trabalho, mas no final do dia eu e a minha equipa temos um sonho para este clube e há um estilo específico que queremos ver no campo. Não consigo dizer qual é a maior diferença que nos distancia. A filosofia do Liam tem as suas qualidades e conseguirá certamente ter sucesso, mas não a interpretámos como a mais indicada para o futuro que queremos no clube.»[1]
A decisão tornou-se controversa, naturalmente. Muitos em Kingston Upon Hill reconheceram a evidente melhoria competitiva apesar da desilusão final. Muita gente confiava no processo de Liam Rosenior. O futuro provou que tinham razão: o Hull City é, ao cabo de 43 jornadas de 2024-25, o 20.º classificado. Está a dois pontos da linha de água.
As capacidades humanas de Liam Rosenior, visto como alguém inteligente e muito próximo dos jogadores, colocaram-no no radar de projectos com outras ambições e sensibilidades. Na Alsácia, o Estrasburgo, comprado em 2023 pela BlueCo, tropeçava pela Ligue 1 sob comando de Patrick Vieira. A coisa deu-se e não foi preciso pensar muito.
Liam Rosenior percebeu desde cedo as condicionantes do seu posto: trabalhar os jovens e prepará-los para a Premier League, fazendo rentabilizar os activos que Todd Boehly ia descobrindo e comprando, açambarcando o talento que não cabia todo em Londres.
Por isso, é natural que o plantel do Estrasburgo seja o plantel com menor média de idades da Ligue 1 (22,7) e que, logo numa das primeiras jornadas, Liam Rosenior tenha conseguido começar um jogo com um onze totalmente sub21, um recorde do futebol francês, que se torna recorde europeu quando olhamos a minutos dados a jogadores dessa faixa etária: com os de 17 220 minutos que o Estrasburgo conseguiu, só o Barça chegou perto (16 373); Leipzig e PSG andam na casa dos 10 000.
Mais brilhante se torna então a caminhada da equipa do Estrasburgo, que engrenou totalmente nesta segunda metade. Quando Liam finalmente percebeu que era o 3-4-3 a arrumação ideal para o talento que tinha à disposição, os resultados foram estabilizando: com um gigante Petrovic na baliza, com a tripla Doukoure-Sarr-Doué a controlar toda a zona defensiva, com Diego Moreira e Valentín Barco a dar magia a partir do lado esquerdo, com Bakwa – melhor assistente do conjunto de Estrasburgo – a cavalgar do lado direito e Emegha a assumir-se homem do golo, com 13 até agora; mas sobretudo com Andrey Santos na intermediária, quem tudo dá e tudo controla no jogo alsaciano, com raio de acção suficiente para se ver a falta que faz em Stanford Bridge.
Por enquanto, a equipa senta-se no sétimo lugar da tabela, com 51 pontos, a dois do primeiro em zona Champions, o Lille. Daqui a duas jornadas, no fim-de-semana de 3 de Maio, a prova de fogo: recepção ao já campeão PSG, no mesmo dia que Lille defronta o segundo lugar, o Marselha de De Zerbi. O que reserva o futuro para Liam Rosenior?
[1] https://www.bbc.com/sport/football/articles/crgyx2ne089o