Parecia imbuída no espírito de missão, a cara fechada, o olhar vidrado no vazio ao entrar em court sem que a cara destapasse um sentimento. Madison Keys chegou à Rod Laver Arena, pousou a trouxa, tirou a raquete do agasalho e até no aquecimento estava em fúria controlada que a impeliu mal o jogo começou: a tomar por martelo o que segurava na mão direita, cedo transformou a sua quota-parte da final numa questão pneumática, batendo na bola com uma força brutal e cada uma cheia de vontade de ser um winner. Apareceu pressionante, cheia de poder de fogo. E Aryna Sabalenka acusou a postura.

Logo no jogo inaugural a bielorrussa pareceu atormentada por fantasmas antigos, com duas duplas faltas a contribuíram para uma quebra de serviço madrugadora. A pressa de Keys entrava-lhe na cabeça, virando o feitiço para o outro lado. Em 2017, quando a norte-americana perdeu a final do US Open, julgava-se estar na presença de uma futura concorrente a ganhar Grand Slams apesar de os nervos e as ânsias, confessaria depois, a terem congelado nessa partida em que se desmoronou perante Sloane Stephens. Tinha 20 anos. Só agora, perto dos 30, regressou com o seu jogo heavy metal a uma decisão.

A carapaça com que surgiu na final de Melbourne desconjuntou Sabalenka, uma sombra dela própria durante o parcial inaugural. As duplas faltas sucederam-se e a sua resposta era murcha perante uma adversária que colocava praticamente todos os primeiros serviços. A bola da bielorrussa, por hábito temível por parecer um Lamborghini com licença para acelerar sem limite de velocidade, limitava-se a tentar resistir. À segunda ou terceira pancada, Aryna ficava a reboque nos pontos, raramente os liderava.

Um semblante de si apenas se viu após enfrentar um set point com 1-5 no marcador. Escapou a essa ameaça, quebrou o até então impecável saque de Madison Keys e mesmo errática, invulgarmente a atirar imensas bolas contra a rede, regressou por momentos à discussão. Mas, com outra dupla falta num 30-30, presenteou a norte-americana com outra oportunidade quando ela parecia estar a ceder o ímpeto na final. Ao fim de 35 minutos, a órfã de títulos em majors levava um 6-3 contra quem procurava o seu quarto triunfo, o terceiro na Austrália.

Quinn Rooney

Confirmado o cambalacho, Sabalenka ocorreu ao WC no descanso, foi resfriar as ideias, confrontar-se com o próprio reflexo. Quando a brutal tenista regressou, 1,82 metros de altura, feita para arriscar uma bola estonteante em qualquer pancada, precisamente a postura destemida que as adversárias mais evocam da panóplia de dificuldades em defrontar a bielorrussa, foi clara a sua vontade em encavalitar-se no que é para entrar na final. Mas isso não se sobrepôs à constância da estratégia de Madison Keys.

A norte-americana que começou esta época a dar um safanão aos seus hábitos, trocando de fornecedor de raquetes, manteve a intenção de bombardear Sabalenka com serviços dirigidos ao corpo e bolas depois apontadas aos seus pés, exigindo-lhe leveza de movimentos e afinado tempo de reação. O desconforto da bielorrussa era evidente. Bolas continuavam a ir à rede, outras para lá das linhas e a sua postura de desalento, baixando os ombros, amolecendo o pescoço para a cabeça cair, reapareceu no break sofrido novamente no primeiro jogo do set.

Os mesmo carris de desgraça pareciam realinhar-se diante da líder da hierarquia mundial. Perante a repetição do castigo, o tino pelo qual a bielorrussa suplicava visitou-a, por fim, nos jogos seguintes. A sua bola obteve o peso que lhe é característico, as chapadas furiosas de raquete já iam parar perto da linha de fundo. A final conheceu o poderio de Aryna Sabalenka, já capaz de pressionar Keys, de lhe roubar o serviço e ser ela a encurtar as trocas de bola com mísseis fulminantes. Os gestos de desespero rumaram para o lado da norte-americana, falível sobretudo quando a adversária carregava contra a sua esquerda. Seriam 11 os erros não forçados na sua pancada a duas mãos a partir do fundo do campo durante o segundo set.

Era a fúria confiante da bielorrussa a tomar conta da final.

Tomado o segundo parcial, por 6-2, o tigre tatuado no antebraço de Sabalenka libertou-se, abanando o seu pêlo no court e gritando pela tenista que tratou de soltar direitas brutais para fechar pontos e até à rede já subia para barrar ambições à adversária. Subindo o seu nível, obrigou Madison Keys a tomar uma decisão. E a norte-americana escapou ao encosto na parede, aumentando também a sua bitola para o decisivo set ser o mais renhido, logo o mais entretido.

A partida teve momentos do que se antevia que fosse: excelsas pancadas de cada uma das tenistas, winners a serem tentados de todo o lado e ignorantes das condições em que a bola chegasse, pontos consequentemente rendidos à pressa e alérgicos a serem longas conversas entre as jogadoras. Tanto Keys como Sabalenka, até à final, registavam médias perto das três pancadas por ponto. Faziam questão de mostrar a Melbourne os porquês.

Neste jogo relâmpago, com as raquetes a produzirem trovões pela vontade de ambas as tenistas em quererem resolver tudo à força, a proximidade ao erro era uma constante. Querendo ambas arriscar tanto, reduzindo a maioria dos pontos literalmente às três pancadas, era uma questão de quem iria ceder primeiro. O parcial foi roído pelas tenistas até às últimas e o primeiro sintoma, mesmo que ligeiro, de cedência veio de Sabalenka, que enfrentou um 15-40 a servir com 5-6. Os nervos que toldaram as aptidões de Keys em 2017 estavam em parte incerta. Ao segundo championship point, a norte-americana projetou os braços para o céu australiano.

Depois acenou ao público, limpou as lágrimas com as mãos e foi ter com o treinador, também marido e fiel ajudante para que a tenista se libertasse do colete de forças dos nervos, sempre ávidos a visitarem quem joga nos momentos de pressão. Enquanto a frustração de Aryna Sabalenka a fazia arremessar a raquete contra o chão, tapando depois a cabeça com uma toalha, Madison Keys celebrava a conquista do Open da Austrália. Sobretudo, festejava a tomada das suas ansiedades. Desde 2005 que ninguém ganhava líder e vice-líder (Iga Swiatek) do ranking em Melbourne.

A norte-americana passou os últimos oito anos a “pensar infinitamente” na final que perdera. “Estive tão consumida pelos nervos que nem me dei hipótese de realmente jogar”, admitira na véspera desta partida. Madison Keys descobriu, finalmente, o segredo para domar o seu nervosismo.