
O ténis será das poucas costelas do desporto que ainda dá uso à expressão lucky loser, não só vocalmente como na prática. Numa Rio de Janeiro a tresandar a carnaval, enquanto a cidade se aprontava entre purpurinas e disfarces festivos, Jaime Faria mascarou-se como lhe é habitual, pôs o boné na cabeça, a pala apontada à frente, uma raquete em riste e tentou entrar no torneio ATP 500 organizado pelo lugar súbdito aos braços abertos da estátua do Cristo Redentor.
Pela ordenação das posições no ranking mundial de ténis, o português já sabia que teria de fazer pela vida no qualifying, destinado aos jogadores sem entrada direta na prova. Perderia na derradeira ronda, tão perto porém ainda longe, mas a balança da fortuna fez o azar de Lorenzo Musetti ser a sua sorte: o italiano lesionou-se, o seu lugar no torneio ficou disponível e Jaime Faria foi o tal derrotado sortudo, sendo repescado para o quadro principal da competição que por estes dias vibra com a presença de João Fonseca, o novo fenómeno do ténis brasileiro.
O português regressou à terra batida do torneio e o adversário, esta terça-feira, foi o chileno Tomas Barrios Vera, um sobrevivente do qualifying ao qual Jaime Faria não resistiu, mas número 139.º do mundo, menos cotado do que a 107.ª posição do tenista de Lisboa. As forças não deixaram a classificação mentir. Ganhou quem há pouco mais de um mês brincava, entre desabafos, que não tinha passado a ser o Super-Homem ao estrear-se em Grand Slams no Open da Austrália: em dois sets (6-2 e 7-5), a vitória foi para o rapaz que festeja ocasionalmente com outra máscara, a de Viktor Gyökeres, futebolista do Sporting pelo qual torce no futebol.
Ao garantir, no Rio de Janeiro, a segunda ronda de um torneio ATP 500, o lisboeta já deu uma espreitadela à forma como se irá mascarar na próxima segunda-feira, quando sair a atualização do ranking mundial - pelas contas do site “Raquetc”, Jaime Faria terá pontos suficientes para estar entre os 100 melhores jogadores do planeta. Será o oitavo tenista nacional a entrar nesse lote e o segundo mais jovem a fazê-lo, apenas atrás de Nuno Marques. Essa fortuna de perdedor também o deixará superar, provavelmente, o mais alto que Pedro Sousa, o seu treinador que com ele está no Rio de Janeiro, escalou na hierarquia do ténis (chegou a ser 99.º).
Em Melbourne, do outro lado da Terra onde está agora, Jaime Faria jogou contra Novak Djokovic na 2.ª ronda do Open da Austrália. No carnavalesco pó de tijolo do Rio de Janeiro defrontará de seguida Jaume Munar, um espanhol em boa forma e atual 55.º colocado do ranking. É o próximo teste ao embalo de lucky loser de Jaime Faria, que há coisa de um ano se dedicava aos torneios ITF (à base da pirâmide profissional do ténis) em Portugal e nem entre os 400 melhores do mundo estava.