
Bruno Lage apetrechou-se com um bloco de notas para que não lhe escapasse nenhum detalhe do que queria transmitir na antevisão ao jogo com o Santa Clara. A cábula continha não mais do que um calendário com sublinhados a fluorescente. Fazia lembrar o aluno com os melhores apontamentos da turma e a quem os colegas pouco frequentadores das aulas pediam a partilha do material de estudo.
Por mais elogios que se pudessem tecer ao sentido estético, os verdadeiros segredos estavam nas páginas que o treinador do Benfica não mostrou em frente das câmaras. Lage até assumiu que Leandro Santos ia fazer a estreia no lado direito da defesa. Com a divulgação do onze inicial percebeu-se porque é que o fez.
Vasco Matos podia achar que tinha ali uma ponta por onde pegar e erguer um Santa Clara numa, ainda que mínima, situação de vantagem. Se assim pensou, foi uma pena. Se não, ainda bem. A presença de Leandro Santos entre os titulares do Benfica foi apenas o sinal para uma revolução bem maior do que a anunciada.
O Benfica encasacou-se com os reforços de inverno. Todas as contratações feitas no último mercado, exceto o lesionado Manu Silva, foram incluídas no onze. À esquerda, Samuel Dahl estreou-se de forma absoluta. Já Bruma e Belotti foram titulares pela primeira vez.
Ao contrário do que o clima insular, de amplitudes térmicas singelas, sugere, Bruno Lage foi extremo na abordagem fazendo oito mudanças no onze inicial em comparação com o último jogo do campeonato, contra o Moreirense. Di María e Schjelderup nem na ficha de jogo constaram.
Apesar da vitória do Benfica (0-1), Bruno Lage foi sobranceiro. Escolher a visita ao terreno da equipa sensação do campeonato para ostentar uma profundidade de plantel de cuja capacidade nem o próprio era conhecedor foi uma atitude altiva. Se perdesse pontos, algo que o desenrolar dos acontecimentos mostrou possível, não podia dizer que foi o mais ambicioso treinador do mundo. Isto acreditando que o primeiro lugar do campeonato é algo em que ainda pensa.
Para se superiorizar na primeira fase de construção, o Benfica recrutou quatro elementos para participarem nesse momento. Como consequência, Samuel Dahl lançou-se para regiões avançadas. Além disso, a equipa da Luz povoou o centro do terreno com Bruma, Belotti e Amdouni, empurrados por Leandro Barreiro. A tentação do trio mais adiantado para atacar a grande área ocultou cenários de ligação que poderiam surgir nas costas dos médios do Santa Clara. A Leandro Santos e a Samuel Dahl, os mais profundos de ambos os flancos, sobrou-lhes pouco mais do que largarem a bola na área sem grande proveito para a criação de oportunidades de golo.
Com afincada devoção ao plano, o Santa Clara mantinha-se convicto de que os desleixos que têm levado o Benfica a uma época minimalista iam surgir a qualquer momento. A prontidão de Gabriel Silva para sobre eles baloiçar as correrias era imensa. Calhou um lapso de Carreras ter ficado nos pés do velocista brasileiro que, como quem entrega o testemunho, passou a Ricardinho, o último a tocar-lhe antes de Trubin amuralhar o percurso para a baliza. Mais uma vez, tal como tinha feito quando Vinícius Lopes lhe apareceu na cara, o guarda-redes ucraniano ostentou a amplitude do seu corpo.
A ação decorria a dois ritmos: o supersónico imposto pelo Santa Clara após recuperar a posse e o do Benfica que era na imobilidade que sobressaía. As bolas paradas concentraram as oportunidades dos encarnados. Belotti, em esforço, desviou para defesa de Gabriel Batista, o guarda-redes brasileiro que foi rendido pela barra na hora do Santa Clara evitar que António Silva marcasse.
Neste enfrentamento entre velozes e parados, se havia do lado do Benfica quem fosse capaz de igualar o fulgurante ritmo do adversário era Bruma. Não só equiparou a rodagem como se superiorizou a ela ao fazer o 1-0 nos Açores. Amdouni começou a diversificar mais os espaços que pisou e surpreendeu o Santa Clara pelo lado esquerdo da defesa insular até aí rigorosamente protegido pelo mordaz Diogo Calila.
O Santa Clara ficou reduzido a dez jogadores depois da expulsão de Sidney Lima que viu dois amarelos num quarto de hora. Paradoxalmente, a equipa de Vasco Matos teve mais duas aproximações perigosas. Frederico Venâncio esteve perto do empate, mas a bola acabou por seguir outro caminho que não a baliza. No minuto seguinte, Gabriel Silva ultrapassou um desgastado Leandro Santos e fez um cruzamento venenoso, mas em relação ao qual não recebeu aviso de entrega ao destinatário, pois Trubin assaltou o carteiro.
A revolução encarnada, mesmo que empurrando alguns jogadores para dentro de uma banheira de água gelada sem que eles estivessem a contar, teve um resultado (previamente incógnito) positivo ao nível do marcador. Em termos exibicionais, foi mais um jogo insosso. Essa parte não é culpa da falta de relações entre os protagonistas pouco habituais a que Lage recorreu na ida a S. Miguel, mas sim de uma modorra crónica instalada sobre o Benfica.