Há uns bons anos, este mesmo autor que agora vos escreve gastou umas quantas palavras em mais de um artigo neste espaço sobre o caso de Sun Yang, um episódio bizarro que envolveu amostras destruídas a martelo. Felizmente, desta vez não se chegou aos mesmos extremos, mas o caso Miguel Martins tem, ainda assim, uma dose q.b. de surrealismo.
Comecemos pelos básicos. Miguel Martins é um andebolista português desde muito jovem visto como uma das pérolas nacionais deste desporto. Depois de longos anos ao serviço do FC Porto, acabou por emigrar para a Hungria, onde jogou no Pick Szeged, tendo rumado nesta temporada para o Aalborg, da Dinamarca.
Estava o Mundial para começar quando caiu a notícia de que o jogador havia sido suspenso provisoriamente por ter acusado uma substância proibida (testosterona) num controlo realizado durante o Europeu de 2024. O jogador rapidamente veio reiterar a sua inocência e a Federação de Andebol de Portugal também se colocou ao seu lado.
Desde logo, há que considerar que a tempestividade é um componente fulcral na justiça. E, por isso, os momentos e os prazos do processo merecem o devido escrutínio. Ora, a celeridade é desejável nestes casos e esperar um ano para agir face a um teste é manifestamente desadequado, ainda para mais quando sabemos que o resultado positivo já era conhecido das instituições competentes há vários meses. Além disso, anunciar a suspensão a dias do começo da maior competição de seleções deixa a imagem de que se trata mais de entreter o ciclo mediático do que de administrar boa justiça.
Mais grave ainda é o que se vai sabendo sobre os procedimentos que levaram a este positivo. Particularmente as declarações de responsáveis da Federação Europeia de Andebol a afirmar que a amostra teria sido testada duas vezes, só acusando na segunda e a informação de que a amostra terá sido recolhida em Manheim quando o jogo referente à mesma se disputou em Munique. Um completo caos que traz a público a falta de rigor e transparência que continua a pairar sobre o combate ao doping. Um assunto sério e com grande impacto na vida dos atletas não merecia este amadorismo.
Por último, a resposta da Federação de Andebol de Portugal certamente merece também uma reflexão. Por um lado, parece legítimo que a Federação coloque em causa a demora e a opacidade do processo, cumprindo o seu dever de zelar pelo justo tratamento dos praticantes da modalidade. Todavia, o órgão nacional excede-se quando afirma que “Miguel Martins (…) sempre representou Portugal de forma honesta e íntegra”. Caso se venha a confirmar que este recorreu a substâncias proibidas enquanto representava a seleção, tal não será verdade. Assim, é abusiva esta declaração, devendo a Federação escusar-se deste tipo de comentários – que implicitamente advoga a inocência do jogador – enquanto o processo ainda decorre.
Ou seja, mais um caso pouco claro e que ajuda duplamente a manchar o nome do desporto, quer porque traz a modalidade para a ribalta pelo pior dos motivos, quer porque coloca em causa a credibilidade das instituições a quem foi confiado garantir os direitos e os deveres dos atletas.