Bruno Lage: Prefácio

Ele que há exatamente 20 anos deu os seus primeiros passos como treinador de formação no Sport Lisboa e Benfica, regressa agora para voltar a servir a casa que tanto marcou o seu percurso pessoal e profissional. Uma segunda (ou terceira) oportunidade que não é de todo consensual entre a opinião pública mas que, internamente pelos corredores da Luz, corredores esses que já haviam sentido a sua paixão de forma mais íntima, quiseram reavivar um sentimento que se havia perdido em tempos e que se torna, a partir deste momento, o único sentimento a ter em conta no futuro.

Conhecedor da instituição como poucos, foi o homem escolhido por Rui Costa para assumir o leme da equipa, e do clube até, que leva neste momento um rumo imprevisível, que nutre uma necessidade de ação a pronto. Entre incógnitas de resposta relevante e cenários de inconstante percepção, é Bruno Lage o responsável absoluto pela definição dos próximos passos do Benfica.

Dito isto, o que é que se pode esperar desta nova realidade que junta novamente Bruno Lage ao clube da Luz? Comecemos pelo início.

Capítulo 1

Bruno Lage entrou para os quadros do Benfica como treinador de formação já depois de ter somado experiências em clubes como Vitória de Setúbal, 1º de Maio, Fazendense, Estrela FC ou Sintrense. Em 2004 começou a sua jornada como elemento da instituição encarnada ao orientar o escalão de sub-11 e ser treinador adjunto dos sub-17B. Uma jornada que foi continuando e progredindo até 2012, onde acaba por deixar os sub-17, já como treinador principal dos mesmos, para rumar aos Emirados Árabes Unidos e encerrar assim o primeiro capítulo da sua história com o Benfica, ao fim de oito anos.

No médio oriente Lage assumiu o comando técnico dos sub-19 do Al-Ahli na época 2012-2013, acabando mesmo por assumir posteriormente o leme da equipa B do clube na temporada seguinte, registando 57 vitórias em 68 jogos ao longo dos dois anos que esteve ao serviço do clube.

Uma passagem curta mas vitoriosa nos Emirados, levaram Lage até terras de Sua Majestade para fazer parte da equipa técnica de Carlos Carvalhal no Sheffield Wednesday do segundo escalão do futebol inglês, em 2015. Após três anos ao lado do agora treinador do SC Braga, Lage acabaria mesmo por regressar ao Seixal em 2018.

Capítulo 2

Naquele que era o segundo capítulo da história que unia o treinador ao clube da Luz, Bruno chegou para assumir o comando técnico da equipa B depois da saída de Hélder Cristóvão do comando técnico da mesma. Uma equipa que contava com nomes como Florentino Luís, Jota, Gonçalo Ramos, Ferro, Nuno Tavares, Tomás Tavares e Tiago Dantas, entre muitos outros. Foi com jovens como esses, que em certos casos já havia conhecido anos antes nos escalões de formação, que trabalhou durante 13 jogos no Seixal até que o eterno dia chegasse.

O tal dia, 4 de janeiro de 2019, ditou o início de uma caminhada que viria a mudar por completo a sua vida até então, ao assumir o cargo de treinador principal da primeira equipa do Benfica. Um estatuto de alto valor que recompensava então Bruno Lage por todo o trabalho efetuado pelo técnico no clube. Ainda assim, o conto de fadas em que Lage se inseria naquele momento não era de todo o mesmo que a atmosfera do clube vivia.

Lage assume o comando da equipa principal quando a mesma se encontrava a sete pontos do primeiro lugar, já depois de ter sido eliminada da Liga dos Campeões com uma campanha verdadeiramente paupérrima. O contexto não era de todo favorável, tal como não o é agora, mas o técnico mostrou estar completamente à altura e isso evidenciou-se.

Com um futebol puro, digno, ofensivo, dominante e atrativo, Lage colocou de novo o contexto à sua volta esperançoso e positivamente emotivo. O Benfica recuperou a liderança aos poucos e acabou mesmo por se sagrar campeão em maio, reconquistando novamente o tão esperado título que havia sido perdido no ano anterior. Para além de o ter feito e conseguido, fê-lo potenciando a equipa e jogadores individualmente. São os casos de Florentino e, principalmente, João Félix. Foi com Lage que o menino da luz se tornou uma das peças mais influentes da equipa, ajudando o clube de forma imediata a nível desportivo e posteriormente a nível financeiro.

Foram meses autenticamente de sonho para todo o envolvimento do clube que, com Lage, parecia ter ganho uma nova e melhorada vida. A verdade é que o ano seguinte passou de sonho a pesadelo.

A equipa começara a temporada com uma vitória estrondosa sobre o Sporting por 5-0 na Supertaça, dando o melhor mote possível para a época que se aproximava. Época essa que se foi revelando esplêndida tendo em conta que os encarnados só viriam a perder dois pontos na primeira volta do campeonato. Um cenário que roçava os limiares da perfeição naquele momento.

Ainda assim, se na primeira época de Lage a felicidade começou em janeiro, na segunda época, por volta da mesma altura, começou a infortuna. Num espaço de um mês o Benfica perde frente ao Porto, frente ao Braga e empata frente ao Moreirense e Vitória de Setúbal. A liderança que parecia confortável deixou de o ser e, à entrada para aquele que viria a ser o primeiro confinamento devida à pandemia em 2020, o Benfica encontrava-se numa situação decadente.

De março a junho não foi possível resolver os problemas que a equipa vinha a sofrer e com a retoma do campeonato o Benfica continuou na mesma maré de maus resultados empatando com Tondela e Portimonense antes de perder com Santa Clara e Marítimo.

A deslocação à Madeira ficava assim marcada como a deslocação que ditou o fim da história que vinha a ser escrita entre Benfica e Bruno Lage. Um término que não se caracterizou pela beleza do mesmo e que colocava novamente o Benfica numa situação de extrema delicadeza no que diz respeito ao próprio futuro.

Já Bruno Lage, saiu com o registo de campeão, de treinador do ano em 2019,de treinador da história do Benfica a chegar mais rapidamente às 25 vitórias (em 27 jogos), de ter vencido todos os jogos fora de casa no ano civil de 2019. Dados que marcam e registam os seus 76 jogos ao leme dos encarnados e que servem de reflexão para o bom trabalho feito antes do desfecho infeliz que ditaria o fim em 2020.

Longe do Benfica, a história de Bruno Lage prosseguiu novamente em Inglaterra. O técnico assumiu o comando do Wolves na época 2021/2022 alcançando o décimo lugar com os Lobos na primeira época. Na seguinte, 2022/2023, Lage viria mesmo a sair depois de nove jogos realizados com apenas dois triunfos somados. Naquela que foi a sua segunda passagem por Inglaterra, Bruno Lage preparava-se para encarar outro desafio, já noutro continente.

Depois da saída de Luís Castro para a Arábia saudita, o Botafogo virava-se agora para outro técnico português: Bruno Lage. Com uma vantagem de 18 pontos sobre o segundo classificado, a situação da equipa brasileira parecia ser completamente ideal para Bruno Lage, que tinha assim grandes chances de voltar a levantar um troféu.

A verdade é que o Brasil não se mostrou um destino de férias para Lage e depois de apenas 10 jornadas em solo brasileiro, Lage já havia reduzido a liderança de 18 para apenas sete pontos, resultando mesmo no despedimento do português. Um cenário em que Lage pode ou não ser culpabilizado, no entanto, mesmo após a sua saída, o Botafogo viria a acabar no quinto lugar da tabela classificativa, evidenciando problemas para lá das quatro linhas. Ainda assim, o que acaba por ficar é a falta de melhoramento e resolução da equipa durante a sua passagem, um dado inevitavelmente negativo.

Capítulo 3

Recapitulada a história, chegamos ao dia de hoje. Passados 20 anos da sua primeira passagem, e quatro desde a última, aquela que só deveria ter acabado contratualmente precisamente em 2024, Bruno Lage retorna à Luz. Tal como em 2019, assume o comando técnico nada equipa numa altura de pressão, de contestação, de incógnita, de mudança. A caminhada de Bruno Lage até aqui foi essencialmente essa. A partir de agora assistiremos à sua continuação.

Se a história tende a repetir-se, as aprendizagens tiradas a partir da mesma podem também funcionar como algo a ter em conta para que não se concretize efetivamente a repetição do passado. Os erros são aprendizagens, as vitórias também, as histórias também, os pequenos detalhes também, as pessoas também.

Não é possível julgar a 100% a escolha sem que a oportunidade seja dada. Só quando essa oportunidade é efetivamente aproveitada, ou não, é que se pode tirar uma conclusão sobre a decisão tomada.

A partir deste momento Bruno Lage é a figura que merece a confiança, a esperança, o apoio, a credibilidade. Momentos diferentes podem trazer consequências diferentes também.

O terceiro capítulo começa agora.