Semana de Taça da Liga, caro leitor. Dia de Sporting - FC Porto no Estádio Dr. Magalhães Pessoa. O jogo que marca o início de mais uma final four em Leiria.

Leiria – a famosa cidade «que não existe», pode ler AQUI – reserva-nos três escaldantes encontros entre aquelas que, ao momento, serão as quatro melhores equipas do nosso país. Mas não só.

Leiria, capital de distrito, terra de várias lendas, costumes, tradições e que, entre o «rio Lis e o Castelo, nasceu e cresceu». Mas não só.

Quisemos ir mais fundo e perceber o que só a terra dos leirienses possui. E eis que demos de caras com algo não só único em Leiria, mas também no mundo. O museu de Bernardes Dinis.

E sim, caro leitor. O museu do Sr. Dinis havia de ser o único no mundo quanto mais não fosse pela coleção ser exclusivamente sua, mas não é apenas isso que lhe oferece tal estatuto singular. O Museu do Sporting de Leiria faz com que o clube leonino seja o único do mundo com dois museus oficiais – um, lá está, na cidade da região Centro e o outro em Lisboa.

Sr. Dinis com César, colaborador do Museu @Renato Soares/zerozero

«O meu pai metia-me de castigo, graças a deus»

«A minha paixão pelo Sporting CP foi motivada pelo próprio Sporting CP, não teve interferência de ninguém», assim começa a nossa conversa telefónica com um super acessível, e bem-disposto, Bernardes Dinis.

«Nasci em 1945, uma época fantástica em termos de futebol para o Sporting CP. Tínhamos aquela equipa fantástica dos 5 violinos. Ganhámos sete campeonatos em oito anos», relembrou.

qTinha 12 anos e fazia as colagens com água e farinha de trigo, não havia cola. Sentia uma magia tão grande a fazer aquilo... já só queria estar de castigo!
Bernardes Dinis

Intrigados por um amor tão cego e puro, questionámos o Sr. Dinis sobre o «nascimento» da sua coleção aliada à sua maior paixão: o Sporting CP.

«O Museu nasce porque o meu pai, graças a deus, metia-me de castigo.» «Como?», questionámos. «Chumbei sempre na primária, era um péssimo aluno então ficava fechado no quarto a fazer colagens», concluiu.

A infância - dura – de Bernardes Dinis foi passada, muitas vezes, entre prisioneiros. A sua casa ficava «por cima da cadeia» e, portanto, a convivência com os condenados era praticamente diária. Como estes apenas podiam ler jornais desportivos, acabavam por oferecê-los a um jovem Sr. Dinis que os levava para casa para poder fazer recortes e colagens de tudo o que respirasse «Sporting».

«Recortava tudo, não era só futebol!», reforçou. «Tinha 12 anos e fazia as colagens com água e farinha de trigo, não havia cola. Sentia uma magia tão grande a fazer aquilo... já só queria estar de castigo!», admitiu entre risos.

'Autêntico hino de louvor à grandeza perene do campeão do desporto português'

Os anos passaram, seguiu-se a tropa, o casamento e, de repente, o «museu», em vez de encher o armário do seu quarto, passara a ocupar toda a garagem da sua casa. Mas quando é que tal coleção passa a ser do conhecimento do público?

«Em 1977 a equipa de boxe do Sporting veio a Leiria disputar os campeonatos nacionais e eu fui ter com o Vítor Cândido - seccionista - à receção do hotel e disse-lhe que gostava que a equipa visitasse o meu museu», começou por dizer.

«Eles foram lá de camioneta e quem ficou atónico e perplexo fui eu... com o entusiasmo deles. Nunca imaginei que um espaço tão limitado, provocasse neles uma felicidade tão transcendente», revelou-nos.

Camisola assinada por Nelson Mandela, sócio de mérito do Sporting CP @Renato Soares/zerozero

As sensações deixadas na equipa de boxe do clube de Alvalade fizeram com que o Dr. João Xara Brasil, à época Diretor do Jornal Sporting, ordenasse a realização de uma reportagem ao Museu de Bernardes Dinis.

Orgulhoso, relembrou-nos: «Fiquei surpreendido com as duas páginas centrais e o seguinte título que lhe vou ditar» Endireitámo-nos na cadeira e escutámos com atenção. «'Autêntico hino de louvor à grandeza perene do campeão do desporto português'», proclamou.

«Isto está tudo louco, como é que um espaço destes pode ter tal destaque?», perguntou-nos... inquirimos de volta: «Foi aí que percebeu o efeito que o Sr. Dinis e a sua coleção podem ter nos adeptos afetos ao Sporting?» A resposta? Foi dada mais à frente.

O obreiro da Taça das Taças

Feita a publicidade por uma das publicações mais antigas e prestigiadas do jornalismo desportivo português, o Museu do Sr. Dinis começou a ficar conhecido no seio da família sportinguista, permitindo que também Bernardes Dinis aumentasse a sua convivência com as altas patentes leoninas.

O «canto» da Taça das Taças de 1963/64 @Renato Soares/zerozero

Tal relação permitiu, por exemplo, que, ao dia de hoje, ambos os museus tenham uma réplica da Taça das Taças conquistada pelo conjunto verde e branco em 1963/64. «Qualquer clube para ficar com a posse definitiva do troféu tinha de ganhar três vezes consecutivas, ou cinco alternadas. Coisa que nunca aconteceu», começou por explicar ao zerozero.

«Os clubes que quisessem fazer uma réplica mandavam fazer para ter no museu, caso do Barcelona. Em 2005 fui lá de férias e... vi lá a taça no museu e fiquei fascinado!»

Chegado a Portugal, decidido e confiante, ligou ao Dr. Dias da Cunha – ex-presidente do Sporting CP – para lhe dizer que mandaria fazer uma réplica da Taça para ter em Leiria. Qual não é o seu espanto quando o máximo dirigente dos leões lhe diz: «Dinis, quanto é? Manda fazer uma para termos aqui em Lisboa também!»

«O Sr. José Travassos abriu-me a porta em lágrimas»

As histórias com personagens importantes da vida do leão não ficam por aqui. «Cheio de vida, mas com muita história para trás», assim se pode caracterizar o Sr. Bernardes Dinis. Não resistimos perante tal panóplia de memórias entusiasmantes e pedimos: «Conte-nos uma história que o tenha marcado.»

q‘Dinis, leve tudo o que você quiser.’ Perante toda aquela situação... fiquei emocionado. Se fosse hoje tinha trazido muita coisa
Bernardes Dinis

Ouvimos um respirar fundo do outro lado do telemóvel. Não um respirar farto e enfadonho, mas um respirar de alguém que estava prestes a confiar-nos algo que o marcara no passado.

«Falei-lhe da equipa dos 5 violinos», adiantou. «Criei uma relação próxima com o Sr. José Travassos e um dia disse-lhe: ‘Sr. Travassos, gostava muito de ter uma peça sua no museu.’ Ao que ele me respondeu: ‘venha a minha casa e dou-lhe o que quiser.’»

E assim foi. Certo dia, o Sr. Dinis deslocou-se até Lisboa, apareceu de surpresa na casa do lendário José Travassos... que lhe abriu a porta em lágrimas.

A pintura oferecida por José Travassos @Renato Soares/zerozero

«A sua esposa estava de costas, no corredor e sentada numa cadeira de rodas», começou por dizer. «Ele insistiu que eu entrasse na mesma e levou-me até uma sala onde tinha guardado tudo o que era dele da vertente desportiva, mas eu estava muito desconfortável com toda a situação.»

«Entre quadros, troféus, taças... ele disse-me: ‘Dinis, leve tudo o que você quiser.’ Perante toda aquela situação... fiquei emocionado. Se fosse hoje tinha trazido muita coisa, mas trouxe apenas um quadro pintado a óleo que o Sr. Travassos me viu a ‘namorar’.»

«Por favor, deixe-me respirar Sporting»

No meio de histórias e memórias, ouvíamos do outro lado da chamada um conjunto de barulhos que nos faziam concluir que o Sr. Dinis já estaria a fazer falta para ajudar no Museu. Intrigados pela exigência do seu trabalho, o nosso portal questionou Bernardes Dinis sobre a sua rotina.

«Levanto-me às 4 da manhã para tomar o meu duche e desde as 4:30 até à hora que me deito, estou a trabalhar para o Sporting», sim, caro leitor, leu bem.

Camisola assinada por László Bölöni e oferecida ao Sr. Dinis @Renato Soares/zerozero

Mas afinal o que o faz continuar neste ritmo alucinante digno de um jovem universitário em época de exames? «Vou-lhe dar um exemplo», disse. «Recebi aqui um senhor de Santarém que se emocionou assim que viu a Taça das Taças e ao qual me ofereci para fazer a visita do espaço. Sabe o que ele me disse? ‘Por favor, deixe-me respirar Sporting’.»

«Não falei mais com o homem. Ele esteve aqui mais de três horas a percorrer estes corredores enquanto chorava», confidenciou-nos.

«Tem noção do efeito que tem nas pessoas, Sr. Dinis?» - avisámos que a pergunta seria respondida mais à frente. A resposta foi perentória: «Sensibiliza-me e emociona-me bastante o carinho, o afeto e o tratamento que as pessoas de dentro do clube e fora têm para comigo».

«Tenho muito orgulho em fazer do Sporting o único clube no mundo com dois museus oficiais. É um motivo de satisfação enorme.»

‘Diga-nos. Como é que define o Sporting?’, avançámos em jeito de conclusão. «O Sporting não se define. Vive-se e sente-se.»

«Ficha de identificação» de Cristiano Ronaldo @Renato Soares/zerozero